Não que fosse necessário algo para complicar a crise política brasileira, mas o Judiciário resolveu extrapolar as piores expectativas: censura à imprensa me parece que é um pouco demais. Depois de determinações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) restringindo a cobertura eleitoral da Jovem Pan, a emissora veiculou um editorial tratando a decisão como “censura” e também emitiu um comunicado interno com observações aos jornalistas e comentarista políticos da emissora.
Um trecho deste comunicado revela de forma tragicômica que vivemos um período perigoso para a liberdade de expressão, quando — sem trocadilho — pisca sem parar o sinal vermelho, em alerta sobre o perigo que corre este sofrido país. E o perigo é duplo, com um presidente que é marcadamente descumpridor de leis e um ex-presidente que quer voltar ao poder, agora mais animado com o clima de impunidade.
"Caros, com base em decisão do TSE proferida nesta segunda-feira”, diz o texto da Jovem Pan, “estamos orientados pelo jurídico a não utilizar as seguintes expressões nos programas da casa: Ex-presidiário, Descondenado, Ladrão, Corrupto, Chefe de organização criminosa”.
O cuidado da direção da emissora procede. O descumprimento da decisão do TSE pode levar ao direito de resposta e também multa de R$ 25 mil e a remoção dos conteúdos. Essas coisas não são novidade em período eleitoral. No entanto, a prevenção neste caso é em razão da censura decretada pelo tribunal que cuida exclusivamente da eleição.
Dois pontos desta decisão do TSE estão correndo misturados pelos sites e redes sociais e cabe separar o que é medida ordinária e o que é censura. Houve o atendimento de pedido de retirada de conteúdo e direito de resposta da campanha de Lula, o que faz parte dos procedimentos jurídicos relativos às campanhas políticas. Está dentro das quatro linhas, como se diz.
O que é grave é a ação de censura da parte do TSE, com o tribunal especificando inclusive assuntos que não poderão ser abordados na emissora. Presunção de inocência não vale nem para ler o futuro. Neste caso não cabe meias-palavras, como as relativizações que eu vejo sendo feitas por aí, além de atitudes ainda mais vergonhosas, de jornalistas posicionando-se favoravelmente a este abuso contra a Jovem Pan. Trata-se de censura prévia. E ainda com o agravante desta censura favorecer o candidato do PT, em uma eleição especialmente importante, em meio às complicações políticas e econômicas sofridas pelo país.
Claro que não é necessário dizer que as palavras proibidas na Jovem Pan se referem a Lula, candidato do PT. A proibição feita à Jovem Pan se estende até aos ilusionismos que Lula vem tentando enfiar na cabeça dos brasileiros. Na ação acatada pelo TSE, os advogados da campanha do PT encaixaram um trecho de comentário político que desagradou ao partido.
Vamos a ele: "O Lula falando no debate que ele foi inocentado em duas instâncias da ONU. Será que esse vídeo, esse trecho do debate, também vai ser retirado? Porque é uma grande fake news isso, que até agora ninguém se manifestou".
Pois é. O TSE determinou que a emissora não permita comentários ou notícias que digam que o petista mente sobre ter sido inocentado. Nada pode ser dito contrariando a inocência de Lula — sacramentada “em julgamento na ONU”, além de ter sido em “duas instâncias na organização internacional”, segundo o próprio.
Será que teremos jurisprudência sobre o tema? Espero que haja liberdade para ao menos rir quando Lula afirmar com a maior cara de pau que foi inocentado em “duas instâncias” da ONU. Mas, tirando a piada, me parece evidente que o clima que foi criado neste segundo turno estimula o que havia de pior em matéria de teorias de conspiração e das especulações mais variadas sobre as intenções dos dois candidatos.
E caso Lula ganhe a eleição, que agrado mais apropriado à sua explícita vontade de se vingar de adversários e de reescrever a recente história política do país, a começar pela decretação de que nunca se viu na história deste país alguém mais inocente do que ele.
Penso também que a medida fortalece também os argumentos de Bolsonaro e da sua massa de eleitores, sobre perseguição do TSE, além da acusação de estar havendo favorecimento ao candidato do PT. É mais um elemento, dentre uma porção de acontecimentos, que vão ao encontro das queixas do candidato da direita. Com tanta coisa no mínimo mal explicada, quem vai segurar depois a multidão?
E no que toca ao direito da totalidade dos brasileiros, na abertura ao debate de tudo que se relaciona aos dois candidatos neste segundo turno, a decisão contra a Jovem Pan cria também um clima de intimidação, que no final é o sentido da censura. Não é só na proibição de conteúdo que a censura à imprensa exerce um papel autoritário. O efeito se multiplica na imposição do medo generalizado entre a população, de expor opiniões com liberdade, mesmo na informalidade dos encontros entre amigos.
Este cala-boca é mais um ruído negativo nesta eleição que tem tudo para acabar mal, independente de quem for o vitorioso. Teve até o papelão — se é que foi só isso — das pesquisas que já davam como praticamente certa a eleição de Lula no primeiro turno, além da derrota de senadores e governadores fora do círculo do PT, vários deles eleitos ou passando para o segundo turno.
Não preciso dizer que não tenho nenhuma convergência de opinião com o que vem sendo dito por vários jornalistas e comentaristas da Jovem Pan, desde muito antes até de Bolsonaro receber o destaque que o levou a se eleger presidente. Até já escrevi sobre isso. Porém, prefiro ter desgosto com opiniões alheias do que ter o desgosto de vê-las censuradas, sabendo inclusive que uma consequência da aceitação da injustiça com os outros é que ela jamais fica restrita aos adversários.
A Jovem Pan também nunca escondeu que tem um lado nesta eleição. Mas é preciso dizer que a emissora tem também jornalistas e comentaristas que se posicionam favoravelmente ao PT. Além disso, é o candidato Lula que se recusa a participar de entrevistas e de debates. Lula tem este comportamento sem transparência com várias emissoras. O petista já foi convidado por várias delas, inclusive a Jovem Pan. Nunca aceita, talvez por não gostar de se expor onde não tem a garantia de que não será questionado sobre temas fora do interesse da sua campanha.
E quanto às preferências, cabe lembrar que o chefão petista recebe uma atenção bastante parcial da maioria da imprensa, seja dos veículos ou de uma porção de jornalistas. Não se vê nem mesmo aquele distanciamento, que tecnicamente é fundamental na profissão, tanto é assim que não entenderam o fenômeno de massas a favor da direita que houve no primeiro turno, com isso informando muito mal o público.
Ah, sim: com certeza este movimento social vai entrar no ano que vem ainda com mais vigor. Com censura ou sem censura, que nem tem a necessidade de ser usada em uma democracia. Para qualquer político que acha que está havendo alguma contrariedade legal, que pode ocorrer não só em relação ao período eleitoral, existe uma carrada de leis que servem para resolver a questão. Se algum inocentado sentir-se ofendido, basta buscar a Justiça. E claro que a Justiça não pode atropelar a Constituição.
A decisão do TSE vai contra a liberdade de expressão, garantida pela Constituição. Tanto é assim, que a ministra Carmen Lúcia teve dúvidas antes de dar o voto favorável à decisão do TSE. A ministra chegou a perguntar se não estavam dando um passo contrário a um direito constitucional, no caminho da censura. Pois deram. É censura prévia, que espero que seja logo derrubada no STF. No entanto, o mal já está feito, trazendo ainda mais perturbação política, que se junta às tantas que já formam uma confusão que impede o país de ter um foco sobre o que realmente importa nas nossas vidas.
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