Assisto com grande interesse ao enlameamento generalizado neste segundo turno, com o PT aderindo com gosto à chamada “janonização” na campanha de Lula. Já temos um resultado aparente a dez dias da eleição, com a animação que toma conta dos apoiadores de Jair Bolsonaro, a partir do efeito surpreendente que colocou o candidato da direita no papel de vítima. Como os petistas entraram no jogo do bolsonarismo, como consequência naturalizou-se a maldade da direita, inclusive com a justificativa de que daqui por diante mesmo o mais asqueroso fake news será apenas uma reação.
O bolsonarismo também recebeu com os golpes um revigoramento impressionante, até com a emoção da necessidade de lutar por um legado. Os petistas acabaram tendo reavivamento do sentido de missão, que é um fundamento essencial da militância bolsonarista, até em razão da direita ter sérias dificuldades de doutrina e da sua precariedade em conhecimento político. Nos dias finais de um segundo turno, é enorme o proveito que pode-se tirar de uma movimentação como esta.
Outro ponto que vejo nesta questão é que a equivalência de métodos sujos não me parece ser convincente para a principal tarefa do PT neste segundo turno, que é ganhar a confiança dos eleitores de Ciro Gomes e de Simone Tebet, com maior interesse em quem votou na candidata do MDB no primeiro turno. Creio que não se pode ter dúvida de que será difícil encontrar gente que votou em Simone em razão da sua violência e grosseria contra adversários.
Daí a minha suspeita, digamos assim, de que não é exatamente pelo jogo sujo que Lula poderia chamar para si esse tipo de eleitor. Vejam bem: não faço essas considerações a partir de princípios éticos. Estou tratando simplesmente de campanha política, especialmente na questão do marketing. O termo “janonização” acabou pegando, mas não vejo o jogo sujo a partir desta definição, que surgiu com a entrada do deputado André Janones para pegar pesado a favor de Lula.
A sujeira em campanha é coisa antiga no PT, desde a fundação do partido do Lula. Ou ninguém se lembra do xingamento de “herança maldita”, contra Fernando Henrique Cardoso e seu partido, que saiu do governo deixando a casa arrumada para Lula? Outro exemplo é dos ataques ainda mais questionáveis à Marina Silva, em 2014, quando a ex-companheira que agora volta aos braços de Lula foi acusada de estar à serviço dos banqueiros.
Aliás, a acusação fraudulenta apontava essa ameaça na presença como coordenador de programa de governo de Marina a educadora Neca Setúbal, herdeira do Itaú, que agora também dá seu apoio a Lula. Bem, já disse aqui que se preparem os que aceitam Lula sem avaliar bem o produto. Como dizia o poeta: meninos, eu vi! Sujam-se bastante as mãos, quando se tenta limpar a imagem de Lula. Ainda sobre o estilo petista em 2014, para evitar que Marina fosse para o segundo turno, a campanha do PT afirmou que ela iria tirar a comida da mesa dos pobres. No final, quem tirou a comida dos pobres foi Dilma Rousseff. Sua queda, logo depois, serve muito bem para exemplificar o resultado final de certos métodos para alcançar o poder.
Na campanha atual, Janones apenas personaliza a estratégia de golpes baixos, que faz parte da trajetória do PT, desde sua origem. A diferença é que os petistas disfarçavam melhor o “janonismo”. Como eu já disse noutro post, aqui mesmo, não vejo a partir dessa forma de fazer política uma boa orientação para um futuro governo. E não vou questionar, nem como pergunta retórica, se no poder esta truculência será mantida. O PT já fez isso em quatro mandatos consecutivos. E agora Lula nem disfarça sua sede de vingança.
Parte fundamental dos votos de Lula no primeiro turno é pela rejeição a Bolsonaro, evidentemente com um referencial importante na repulsa aos métodos da direita. A última pesquisa Quaest diz que, dos que votam em Lula, 54% tem como motivo eleger Lula, 41% é para tirar Bolsonaro. O que se deve avaliar é qual é a proporção que aceita um vale tudo para alcançar a vitória. E se houver esse abandono de princípios, como se faz depois para reformular eticamente as atitudes?
Por ora, o que se pode acompanhar nas redes sociais é que os petistas se renderam ao jogo sujo, com uma parcela considerável de seguidores de Lula até orgulhosos das incríveis fake news produzidas pela campanha, de deixar o Carluxo vermelho de inveja. Em live com influenciadores e comunicadores, nesta terça-feira, Randolfe Rodrigues orientou a militância a espalhar nas redes o caso das venezuelanas, de onde saiu a acusação de “pedófilo” a Bolsonaro.
“Aquela cena horrenda aliciando adolescentes de 13, 14 anos não pode desaparecer das redes”, disse Randolfe, contrariando até mesmo a determinação de Alexandre de Moraes, que ordenou a exclusão. Por muito menos, Moraes chegou até a mandar prender parlamentar, mas sabemos que desta vez vai ficar por isso mesmo.
A esquerda entra com tudo na era do “janonismo”, talvez até acreditando que de fato não existe pecado do lado de baixo do Equador. O próprio deputado Janones já explicou sua técnica, afirmando “estar combatendo o bolsonarismo de igual para igual”, que serve até como uma auto-incriminação. Como o bolsonarismo é chamado de “fascismo” e até de ‘nazismo”, iguala-se então ao horror. Os auto-intitulados defensores da democracia estariam usando as armas do fasccismo, é isso? Ora, já no primeiro turno o pessoal de Ciro Gomes viu que de fato é bem assim.
Mas e o resultado dessa habilidade toda? Olha, pode ser que eu seja um homem muito das antigas, envolvido demais no interesse do aprofundamento e do esclarecimento, nessa disposição antiquada de ponderar, procurando ler com atenção sobre o tema em questão, até voltando ao estudo de certos pontos históricos e da teoria política, mas me cabe repassar o que aprendi em tantos anos envolvido em coisas tão fora de moda: não sei de situação nenhuma em que, do ponto de vista da defesa da democracia e da qualidade de governo, o uso das mesmas armas do inimigo tenha dado em resultado de qualidade.
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