terça-feira, 4 de outubro de 2022

As pesquisas, a construção de favorecimentos e os riscos para o país

E lá vai a imprensa com suas pautas fora do que a realidade apresenta, inclusive no que esta realidade tem a ver com a bagunça criada pelas pautas jornalísticas anteriores. Foi o caso das pesquisas, que nossos jornalistas, no geral, tomaram como mensagens de um oráculo que mereceria ter seus conhecimentos tomados ao pé da letra. Nesta eleição, antes mesmo dos partidos apresentarem candidatos, a pauta do noticiário foi dominada pelas pesquisas. Logo a referência absoluta de atenção sobre este ou aquele candidato tinha como base obrigatória os pontos de preferência do eleitor sobre sua candidatura.


Por esta cartilha, surgiram candidaturas que duraram muito pouco. Mas enquanto havia o prestígio garantido, dado pelos institutos de pesquisas, tais figuras eram tratadas como se já estivessem ocupando o Palácio do Planalto. Luciano Huck foi um desses quase-presidente. Quanto se perdeu de horas de trabalho de jornalistas especulando sobre a vitória anunciada de Luciano Huck? O sujeito era imbatível até no segundo turno. Bem, depois esse pessoal reclama da falência de jornais e revistas.


E vocês pensam que haverá uma autocrítica, mesmo que seja interna, apontando um rumo de melhor qualidade para a cobertura política? Vamos ao que está em andamento. A Rede Globo já anunciou a divulgação da primeira pesquisa de segundo turno. Vai custar R$ 237 mil e vai ao ar nesta quarta-feira. A nova pesquisa é do Ipec, que nada mais é que o ex-Ibope. Trocaram de marca depois da falência total da imagem do Ibope, causada pelas seguidas contradições, digamos assim, de várias pesquisas. Será que a Globo reserva uma surpresa com esta pesquisa? Pode ser que a divulgação seja na estreia de um programa de humor.


Mas e o Ipec, como estará o Ibope de logotipo novo? O último trabalho do Ipec foi a pesquisa que apresentou a disputa entre Jair Bolsonaro e Lula no primeiro turno, com 14 pontos de diferença a favor do petista: Lula com 51%, Bolsonaro com 37%. A divulgação foi no dia anterior à votação. Não é necessário ser marqueteiro para saber o efeito de uma pesquisa como esta na campanha de Lula. Tampouco precisa ter conhecimento técnico para saber como fica o ânimo da militância, com todos anunciando que o adversário está 14 pontos à frente. Onda positiva petista é pouco para definir algo assim. Já para Ciro Gomes e Simone Tebet foi um maremoto que os afogou na casa dos cinco pontos.


Estarei afirmando que houve fraude? Nada disso, porque não tenho como comprovar. Porém, não existe nenhum impedimento de que se tenha a suspeita de que aconteceu alguma coisa muito grave, que num país sério exigiria explicação. Mas será que estou questionando o valor científico de pesquisas? Vejo este problema como uma discussão mais dos fins do que do meio. Inclusive, sei muito bem que pesquisa eleitoral não é previsão, até porque neste caso seria adivinhação, algo que também na política não serve pra nada, embora no jornalismo atual usem tanto bola de cristal que dá até vergonha.


Porém, para que não haja confusão entre pesquisa e previsão é importante que a imprensa não faça dos números um guia fundamental nas pautas de política. Não deveria haver tanto destaque para as pesquisas. A interpretação podia ser mais séria, deixando claro ao leitor certas “subjetividades”. Os números também não deveriam ter tanto poder sobre qual o político ou as propostas que terão destaque nas coberturas jornalísticas. No geral, no entanto, não houve este equilíbrio no comportamento geral da imprensa, conforme eu disse logo no início deste texto.


A própria cobertura dessa incrível falha não está recebendo uma atenção mais aprofundada. As pesquisas merecem uma visão retrospectiva, especialmente quando dão problemas, como acontece agora. Fiquemos com a versão de que foi um erro. Então, deve-se procurar saber se este “erro” foi só agora, no final, ou vem lá de trás. Não temos como conferir discrepâncias do passado, mas cabe perguntar se há meses esses números já não batiam com a realidade. Como vimos então, isso serviu para a gradativa eliminação de candidaturas, reservando no final poucas opções de escolha para o eleitor, favorecendo Bolsonaro e Lula.


Será que de fato Ciro Gomes nunca chegou aos dois dígitos ou até ultrapassou esses números mágicos da política? Isso poderia ter ajudado muito no crescimento de sua candidatura. Ao contrário da má sorte do pedetista, números altos deram desde o início uma larga vantagem para Lula, favorecendo bastante, muito mesmo, suas armações para se colocar como a garantia da derrota de Bolsonaro, ou do “fascismo”, como os bravateiros apregoam. Isso para ficar apenas nos pontos positivos das pesquisas, porque já faz tempo que transparecia algo de muito estranho nas rejeições apontadas pelos institutos e também nos resultados das qualitativas.


Ainda na avaliação hipotética dos favorecimentos e dos danos, nesta análise é necessário observar também as responsabilidades sobre coisas muito graves que poderiam ter ocorrido em razão desse erro final. Supondo que Lula ganhasse no primeiro turno, na verdade seria por poucos pontos. Como no dia anterior as pesquisas traziam a diferença de 14%, o que poderia acontecer nas ruas deste país, com a população brasileira dividida pela metade, com uma parte tomada pela indignação?


Mais ainda: dias antes, o PT já havia reservado a Avenida Paulista, em São Paulo, para uma manifestação com a presença de Lula, que certamente estaria com sua arrogância turbinada pela vitória. Isso seria até mais que gasolina no fogo. É um demonstrativo do caráter do PT, na irresponsabilidade bem antiga, desde o nascedouro, do partido do Lula. Mesmo sem a grande diferença entre pesquisa e resultado, dirigentes políticos sensatos não colocariam o país sob tal risco. Mas aí o PT não seria o PT, não é mesmo?


Felizmente, por força do destino, foi evitado este perigo, que serve como demonstração do que teremos de enfrentar, independente da decisão dos eleitores no final deste mês. Os dois lados são terríveis. Não é fácil teclar nesta urna. Fala-se muito sobre as poucas diferenças de qualidade para o país entre Bolsonaro e Lula. Mas eu penso que esta equivalência é subordinada a certas competências. Com Lula, a maldade é mais bem organizada.

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