Lula já entrou no segundo turno com o pé esquerdo — digo sem me ater ao trocadilho, afirmando no sentido da forma errada de começar um trabalho. Em entrevista coletiva onde todos estavam muito murchos, logo que o TSE deu o resultado de primeiro turno, o candidato petista disse que é “apenas uma prorrogação”. Ora, não é nada disso: ele bem sabe como um segundo turno pode apresentar mais desafios do que o primeiro, senão ele próprio também não estaria de cara amarrada para falar do resultado contrário à expectativa de vitória no primeiro turno.
“Nós vamos ganhar”, disse Lula, com aquele tom de quem está sempre de mau humor. Faltou acertar o discurso, pois não é desse jeito que se entra em um segundo turno. Abre-se a porta sem esquecer de quem ficou para trás. Nesta reta final, aconselha-se ao menos que o candidato tire o salto alto usado durante toda campanha. A fala também não combinou com o clima de desânimo. Olhem a foto e digam se não estou correto em achar que o grupo está com medo de não ser feliz.
A expectativa da vitória certa foi criada de forma artificial, com ajuda de pesquisas muito suspeitas, além de ter sido desenvolvida sem equilíbrio. Afobado para ganhar logo a eleição, Lula criou ressentimentos que terá dificuldade de contornar neste segundo turno. O PT desmontou totalmente o quadro eleitoral, gastando bastante, desmobilizando outros partidos e repartindo um governo que ainda não tinham. Até a criação de ministérios novos foram prometidos.
Lula passou também aos eleitores uma imagem de arrogância, que terá para ele um peso bastante negativo nesta disputa final. Por extensão, estimulou na sua militância uma falta de respeito agressiva, até contraditória ao discurso que coloca os bolsonaristas como os brutos.
Pode-se dizer que combatiam o fascismo, porém não foi o que eu vi com espanto, no desmerecimento aos eleitores de Ciro Gomes, de Simone Tebet, enfim de qualquer pessoa que não aceitasse incondicionalmente Lula como o salvador do Brasil. Foi de uma brutalidade impressionante, até com a acusação das críticas a Lula feitas por Ciro Gomes fazer parte de um acordo entre Ciro Gomes e Bolsonaro, só porque durante o debate na Rede Globo o candidato do PDT ter trocado algumas palavras casuais com o presidente.
Hoje em dia isso é chamado de “cancelamento”, mas nada mais é do que a velha tática de eliminar o dissidente, anulando seus meios de subsistência e muitas vezes até matando. Isso me lembra bastante o que li em bons livros, nas práticas históricas entre a esquerda, quando, para ficar apenas em um exemplo, torturavam e matavam companheiros de luta contra o fascismo por causa de discordâncias, como aconteceu nos anos 1930 na Espanha, durante a guerra civil.
O cancelamento das vozes discordantes feitas pelo PT durante a campanha até agora vai complicar bastante para a obrigatória necessidade de conquistar apoios no segundo turno. E não se trata de acertar com Ciro ou qualquer outro líder. A maior complicação será no convencimento dos eleitores dos candidatos derrotados. Na minha opinião, os petistas foram longe demais, confundindo debate com conflito que precisa ser ganho de qualquer jeito. O próprio partido adotou essa petulância agressiva, com Lula dando o tom do desmerecimento ao direito de alguém se candidatar ou de votar do modo que quiser, sem ter que ser acusado de inimigo da pátria.
Será interessante assistir aos acenos públicos ao eleitorado de Ciro Gomes, a quem votou em Simone Tebet, sem esquecer do eleitor que votou nulo ou se absteve, enfim, como dizia a militância petista nas redes sociais, toda essa gente alienada, sem “consciência social” e a compreensão da urgência de derrotar o fascismo. A aceitação do necessário pragmatismo não será fácil para ninguém, muito menos para quem levou os tapas na cara.
E os primeiros passos do PT mostram que, pelo menos até agora, eles se mantêm incorrigíveis. O partido já havia conseguido junto ao TJ-SP a autorização para a utilização da Avenida Paulista ainda no 2 de outubro, para um pronunciamento de Lula. Isso pode parecer um erro tático, afinal foram em cima do eleitorado alheio com o argumento de que o Brasil corria risco de violência. Não havia o perigo da violência do fascismo? Dá para imaginar a festa que fariam neste dia em São Paulo.
A arrogância esquerdista exposta nas redes sociais permite prever o clima de provocação que poderia expor as pessoas a um risco a ser evitado. Lula e seu partido não sabiam do perigo a que seus militantes estariam expostos? Bem, dirigentes políticos que ganham votos firmando-se como bravos combatentes contra o fascismo teriam a obrigação de agir com cuidado. Afinal o Brasil estava ou não pronto para explodir?
Mas isso é apenas Lula sendo Lula, o PT sendo PT. Estavam prontos para jogar gasolina já no final do primeiro turno, cabendo apontar que a fogueira estaria garantida pelos três meses de Bolsonaro ainda no poder. Mas quem sabe os petistas aprendam finalmente uma importante utilidade do segundo turno. Nesta etapa, haverá a necessidade de Lula expor suas ideias e confrontá-las em público com o adversário, o chefão petista terá de adquirir equilíbrio, deixar de lado a arrogância, fazer composição com mais respeito, tratando aliados como parceiros e não na categoria de subordinados a um salvador da pátria. A aliança terá de ser torno de propostas em conjunto e não na adesão incondicional, como foi foi armada sua campanha no primeiro turno.
Ah, sim: ele e seu partido terão também de dar satisfação a uma peça essencial na democracia, até agora desprezada por eles e mantida como simples figurante na eleição: o tal do eleitor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário