segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Debate entre Lula e Bolsonaro: o partido que sempre bateu com impunidade, agora também leva

Já se nota em certos sites e nas redes sociais um esforço para amenizar o baque sofrido por Lula no debate com Jair Bolsonaro na TV Bandeirantes, no entanto o que se viu, na verdade, foi um passeio bem controlado por Bolsonaro e um embate angustiante para Lula, que nervosamente chegou até a descuidar da administração do próprio tempo de fala, presenteando o adversário num trecho do debate com largo tempo para que este fizesse praticamente uma live com uma série de acusações aos governos petistas em que Lula mandava.


Mais uma vez cai por terra o mito que criava a falsa imagem de um Lula de alta capacidade discursiva, bom de debate e dotado de um carisma imbatível. Lula forjou esta imagem falsa nos confrontos, ano após ano, com adversários de princípios democráticos e adeptos da discussão de divergências em um nível de respeito pessoal. Bons tempos aqueles, para Lula: ele batia e não levava de volta. Agora com a direita não é assim, muito menos com Bolsonaro. Como foi possível ver em debate anterior, Lula treme e fica nervoso até com figuras de menor destaque político, como aconteceu na sua desestabilização psicológica durante discussão há três semanas com o chamado padre Kelmon.


Tem um lado divertido assistir ao chefão do PT perder o rebolado na frente de um dos políticos mais grosseiros que este país já teve que suportar, depois dele ter batido com crueldade em figuras mais elegantes e respeitosas, como fez muitas vezes com José Serra e Marina Silva, ou mesmo com Geraldo Alckmin, que antes de formar com o PT para “a volta à cena do crime” era tratado com cassetadas em disputas do passado — entre outros xingamentos, ele era chamado de “assassino de Pinheirinho” pela companheirada de Lula.


Os tucanos tiveram seu partido destruído depois de décadas tratando o PT com elegância. Isso faz lembrar o poeta francês Arthur Rimbaud, no desalento da sua famosa frase: “Por delicadeza, perdi a minha vida”. Os tucanos perderam tudo para Lula, que ainda tem ao seu lado no palanque o traidor da sigla, Geraldo Alckmin, berrando “Volta, Lula!”. Já a direita não tem tempo para a poesia, menos ainda para a delicadeza. Lula sabe disso. Nota-se seu desconforto no palco, quando ele encontra um oponente com uma visão diferente da antiga reverência dos tucanos à lenda fraudulenta criada por seu partido do líder popular apegado a valores democráticos.


Quem quiser aceitar este Lula de propaganda, que corra o risco, mas depois não justifique este grave erro com a desculpa de ter sido enganado. Terá depois de suportar no poder um partido que não consegue sequer se desligar de ditadores assassinos como Fidel Castro, Nícolas Maduro e Daniel Ortega, do qual Lula tem uma nostalgia sentimental, do tempo em que ambos festejavam a revolução que implantou uma ditadura sanguinária e corrupta na Nicarágua. Até hoje Lula apoia Ortega.


Lula tem sido claro sobre o que pretende fazer se for eleito. No debate da noite deste domingo destacam-se posicionamentos seus que na hipótese de sua eleição devem envolver o Brasil em graves confusões, talvez impondo medidas que complicarão bastante nosso futuro. Um de seus planos é o de estabelecer a estranha regra de que a investigação firme sobre a corrupção, com a devida punição de culpados, coloca em risco as empresas brasileiras, prejudicando inclusive a criação de tecnologia nacional da parte de estatais e empreiteiras que atuam em obras públicas. Em vez da limpeza, anula-se a possibilidade de uma Lava Jato.


Provavelmente, o candidato petista deve ter bolado esta técnica de administração pública quando esteve preso por corrupção. Foi na prisão que Antonio Gramsci criou a teoria da hegemonia, com a substituição da violência revolucionária pela construção de um consenso cultural gradativo em relação à ideologia comunista. Lula vem com a ideia de que não se deve combater a corrupção — na sua visão, ao invés do roubo aos cofres públicos, o que que prejudica o país é a dos ladrões.


No debate de ontem, o candidato petista veio inclusive com uma novidade ideológica que aponta para mais conflitos que podem causar graves confusões futuras, complicando a vida brasileira com conflitos inoportunos e de pouca efetividade. É uma daquelas brigas políticas que ocorrem por décadas, dividindo os brasileiros e causando apenas dissabores ao país. O petista anunciou a criação de um “Ministério Indígena”, chefiado, segundo ele, por um índio. Isso é nada mais que uma ideologia étnica firmando-se no Estado brasileiro. Os identitários não tem limites. A proposta de Lula é muito parecida com certas questões trazidas pela esquerda chilena na nova Constituição, rechaçadas por mais de 60 % de votos recentemente naquele país.


Um dos pontos controvertidos da nova Constituição fragmentava a nação chilena, trazendo a ideia de um “Estado plurinacional”, inclusive com o estabelecimento de "tribunais indígenas”. Lula ainda não chegou a este ponto. Mas a inclusão desta ideia identitária no Estado brasileiro é um primeiro passo que, se for dado, como os brasileiros sabem bem, poderá depois avançar sobre limites até do bom senso.


No debate da TV Bandeirantes, o que se discutiu foi a corrupção nos governos do PT e a irresponsabilidade de Bolsonaro como governante durante a pandemia. Não tenho dúvida sobre os crimes de responsabilidade praticados por Bolsonaro neste período dramático, no entanto críticas neste aspecto ficam difíceis para Lula, porque o PT e ele próprio não aceitaram os apelos da tomada das ruas para a criação de uma pressão popular para o impeachment do presidente. Lula optou pela manutenção de Bolsonaro, que tinha como um adversário fácil nesta eleição.


A estratégia lembra bastante a idiotice do PSDB de Fernando Henrique Cardoso durante o envolvimento do PT no mensalão, quando os tucanos optaram por deixar Lula “sangrar” para ser derrotado mais facilmente na tentativa da reeleição. Bem, não precisa dizer quem foi que de fato sangrou. A receita também desandou quando foi Lula que revelou-se como uma contraposição que beneficia Bolsonaro. Sua presença normaliza até os piores defeitos do presidente.


O clima de conturbação da campanha do PT demonstra que Bolsonaro não é tão fácil assim de derrotar. A agressividade não é comum em um candidato que chegou na frente. E o agravante é que as técnicas do bolsonarismo repletas de maldade e falsidade acabam sendo normalizadas pela estratégia petista de um segundo turno de ataques que não dispensam mentiras e manipulações.


O impeachment teria sido uma solução democrática que evitaria problemas que agora enfrentamos, abrindo a possibilidade da organização de um quadro eleitoral favorável à ampliação da qualidade política no Legislativo. Lula e seu partido, no entanto, boicotaram todos os esforços nesse sentido. O que tivemos então foi uma eleição com um amplo crescimento da direita, que a partir do ano que vem terá um domínio no Congresso Nacional. Sobreveio igualmente um extraordinário fenômeno de massas que deu sustentação a Bolsonaro em um segundo turno, com um estímulo no ânimo de seus seguidores, mais entusiasmados ainda para a sua reeleição.


E a esquerda viu-se numa condição de descompasso com os eleitores, numa dificuldade evidente de se comunicar com naturalidade com grande parte dos brasileiros. Em razão de exageros identitários, até sobre questões religiosas impõe-se uma posição defensiva, do mesmo modo que acontece com valores morais e de comportamento. É bobagem tentar deixar de ver que existe atualmente uma tendência natural de amplas massas pela via do conservadorismo ou mesmo da direita mais reacionária. Este é um processo espontâneo (e não estou tratando aqui da baixa qualidade política e cultural disso), enquanto a esquerda é obrigada a fazer propaganda pesada para seduzir os eleitores, apelando inclusive ao marketing da manipulação e da fabricação de mentiras, espalhada até pelos cantos mais obscuros da internet.


Não é possível ver na estratégia de campanha de Lula um compromisso sério com o futuro do seu próprio projeto político, que do jeito que está é apenas projeto de poder. Não estabelece uma interação com a sociedade. Se Lula for eleito, sua estratégia de vale tudo abraçada nesta campanha projeta um clima de confusão e desgoverno difícil de administrar a partir do ano que vem. Não existem propostas bem fundamentadas, nenhuma política pública para enfrentar problemas graves, sobre questões muito preocupantes da atualidade, nem mesmo para situações que beiram o colapso, como acontece com meio ambiente. As alianças são obviamente de mera partilha do governo. Haja cargos para tanta gente.


Se houver a eleição de Lula, esta vitória carregará a marca da disseminação de fake news, ataques ao adversário com informações manipuladas e tiradas do contexto. Ganha-se por propostas e melhor visão do que pode ser feito pelo Brasil? Não, ganha-se porque o adversário é canibal e pedófilo.


O enlameamento da esquerda é tão desgastante que Lula conseguiu a proeza de permitir a Bolsonaro fazer-se de vítima em dois casos que serão tratados como emblemáticos na política brasileira. No jargão ridículo do próprio petista, nunca antes neste país se viu baixaria igual. Vai servir como objeto de estudo das eleições brasileiras, entre as maiores armações em campanhas eleitorais no Brasil: a acusação de canibalismo e a tentativa de envolver Bolsonaro com a pedofilia. Ao futuro estudo servirá como prova da indução marqueteira o uso por Lula durante o debate de um broche no paletó com o símbolo da campanha de combate à exploração sexual de crianças.


A jogada politiqueira da pedofilia é tão absurda que o ministro Alexandre de Moraes rapidamente mandou tirar do ar, ainda sem equilibrar o alto número de vitórias da campanha do PT junto ao TSE, mas pelo menos fazendo justiça neste caso. O problema é que Moraes não tem poder para tirar o assunto da cabeça das pessoas. A manipulação espalha-se pelas redes sociais, causando brigas terríveis em grupos de WhatsApp. O ministro tampouco poderá evitar o revide da direita, que certamente virá ainda nesta eleição, muito menos a interminável guerra a partir do ano que vem.


A esquerda enveredou por um rumo que nada tem a ver com o que se espera desse lado da política. Estou falando de qualidades apenas supostas, isso é que é a verdade. Mas de qualquer modo são características sem as quais não é possível estabelecer diferenças, mesmo que seja apenas no terreno da linguagem, que no caso já está lançada na sarjeta. Tudo bem, ninguém vai discordar que o bolsonarismo joga bruto em política, porém a manipulação e a mentira não traz vantagens para a esquerda da forma natural que ocorre para a direita.


E nem cabe vir com a velha conversa do fim que justifica os meios. Aí então teríamos que situar apenas a vitória eleitoral como justificativa dos meios usados para tanto. Eu não tenho dúvida alguma de que política feita dessa forma não abre espaço de jeito nenhum para a governabilidade e a proposição de maior qualidade para a vida dos brasileiros.

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