quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

O rombo da Americanas e um arrombado Brasil

A reação do BTG Pactual ao rombo da Americanas serviu para que se tenha uma base do limite da confiança de um banqueiro na alegada sabedoria do mercado para reger as relações dos chamados “agentes” da economia. O banco de André Esteves lançou uma nota desaforada classificando de “fraude confessada” o que aconteceu na rede varejista. A nota afirma que foi a "maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país" e ainda apontou como culpados "figurões conhecidos por sua atuação predatória". São os três acionistas mais poderosos da varejista: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.


Com esse desabafo, o BTG acabou precificando, como se diz hoje em dia, o limite da crença na segurança — e também no respeito, claro — da tal mão invisível que paira dando uma condução ordenada ao movimento da economia. Está em volta de R$ 1,2 bilhão, a quantia que o banco tentou receber em vão da Americanas. A empresa está com uma liminar na Justiça que a protege do bloqueio de seus bens.


A Americanas vai entrar em recuperação judicial, com uma dívida que pode chegar a R$ 40 bilhões, que inclui os R$ 20 bilhões de “inconsistências contábeis” descobertos há uma semana. O banco de André Esteves pretendia furar a fila de pagamento, que tem, pela ordem, o governo na ponta, depois os trabalhadores, passando aos credores, com os acionistas no final. Cá pra nós: é uma situação de fazer um banqueiro sair pixando “abaixo o capitalismo” nos muros. O BTG Pactual optou pela nota xingando a trinca de controladores.


Creio que ninguém pode ser acusado de comunista se disser que a quebradeira na Americanas é um caso de polícia, no entanto suas implicações vão muito além do problema criminal, do mesmo modo que ocorre nas consequências da corrupção na política. Ainda há pouco, o que se lia na imprensa eram matérias situando a Americanas como um case de sucesso. Bem, um rombo desses vem se alargando faz tempo. E em menos de dez dias no posto de presidente da empresa, o executivo Sérgio Rial revelou as tais "inconsistências contábeis" e renunciou ao cargo.


É nisso que dá o hábito de ficar criando mitos exaltando figuras de peso entre os mais ricos, que no final tem como diferença dos cidadãos comuns aquela ótima definição do escritor Ernest Hemingway. O velho mestre dizia que os ricos têm apenas mais dinheiro. Jorge Paulo Lemann, um dos citados pelo BTG “por sua atuação predatória”, é um desses endinheirados. Figura entre as grandes fortunas do mundo e por isso sempre foi tratado pela imprensa como se os seus cofres estufados fossem o resultado de um empenho superior no trabalho, de alguém com uma capacidade pessoal acima dos demais brasileiros.


Não é diferente o tratamento conferido ao seu detrator de agora, o banqueiro André Esteves. Ambos são exaltados na cultura da meritocracia que domina muitos dos nossos jornalistas quando fazem a cobertura dos negócios dos mais ricos. Falei desses dois, porém daria para encher uma lista imensa de agraciados dessa boa vontade midiática, onde incluiria o próprio Eike Batista, que antes da falência figurava em matérias que o aclamavam como habilidoso homem de negócios de admirável capacidade empreendedora. Isso foi no tempo em que ele dava carona no seu jato particular ao então presidente Lula.


Chefes de grandes corporações, personalidades do mercado financeiro, muitos deles sustentados pela mais deslavada especulação, são tratados pelas canetas do jornalismo econômico e político como exemplos de sucesso da meritocracia, ases da iniciativa privada. Até que explodem a banca, quebram empresas, trazem prejuízos que vão fazendo o Brasil andar para trás.


Em grande parte, a destruição da economia brasileira tem muito a ver com essa falsa atribuição de valores à gente de muita grana e poder, que na verdade são apenas sugadores de dinheiro e da produtividade de quem trabalha de fato, com empenho e honestidade. Volto a citar o grande Hemingway: eles só tem mais dinheiro. Escrúpulo não, que é coisa rara neste meio.


O problema básico é que essas figuras de fachada ganharam poder demais nos últimos anos. Hoje dominam os três poderes e também o quarto, ainda mais carente de seus anúncios. Negociam entre eles. Foram tomando como posse exclusiva mercados fundamentais da economia brasileira como geradores de tecnologia e penetração internacional, bloqueando o acesso a reais empreendedores.


Eles controlam a iniciativa privada e a política. Como fazer para encaixar-se em um ambiente dominado por essa cultura predatória se o empresário tem como meta a eficiência e a criatividade técnica e científica e não só a esperteza para ganhar dinheiro? Nem pensar. Empresário que quer de fato criar progresso, para esses não tem espaço.


Foi o que aconteceu durante o período do PT e teve seguimento com Temer e depois com Jair Bolsonaro. Esse problema antigo foi agravado bastante na época do PT no poder, quando grandes corporações tomaram conta de nacos poderosos da economia brasileira, em acordos obscuros revelados pela Lava Jato, em um processo de limpeza que infelizmente sofre um pesado retrocesso. Que coisa, Geraldo Alckmin: todos querem voltar à cena do crime.


O rombo sensacional da Americanas merece um monte de questionamentos importantes sobre instituições brasileiras com a obrigação da fiscalização do comércio e da indústria, do acompanhamento da nossa economia em todos os âmbitos ou de pelo menos informar com o devido distanciamento e seriedade sobre negócios que no final penduram o prejuízo na conta da população, como acontecerá provavelmente com esse rombo.

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Por José Pires

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