Era visível a satisfação do ministro Alexandre Padilha na reunião de emergência entre os governadores e o presidente Lula, na segunda-feira passada em Brasília. O ministro sorria e não era por cortesia de anfitrião. Suas maneiras não eram da hospitalidade aos governadores — até porque a ocasião exigia severidade. Parecia que havia nele um contentamento com a condição de protagonista do encontro, que, no final, não teve a projeção política devida. Não criaram nem mesmo algo simbólico selando a união em prol da democracia, talvez um manifesto, tão do gosto da esquerda.
A violenta destruição ocorrida no domingo em Brasília, com a invasão e o vandalismo praticado por manifestantes da direita nas sedes do STF, do Congresso Nacional e da Presidência da República, coloca o bolsonarismo na marginalidade da política brasileira, ao menos no aspecto institucional de articulações políticas e partidárias. Foi um desastre do ponto de vista da imagem política, mesmo considerando a estúpida falta de limites da direita brasileira e de seu mitificado chefe.
A imprensa já segue com sua técnica de cobrir o assunto em quantidade excessiva de materiais, sem a mínima filtragem do que realmente é importante. Mesmo com experiência profissional é difícil identificar um alho ou outro entre tantos bugalhos. É a busca de audiência a todo custo, que demoliu o jornalismo brasileiro. Com isso, na segunda-feira já estávamos envolvidos em uma confusa quantidade de informações que, no final, deixa mal informados os brasileiros.
Houve também no noticiário uma mistura equivocada entre a livre manifestação e a ação violenta de vândalos. Todos foram tratados como “terroristas”, ainda no começo do quebra-quebra, quando quase nada se sabia do que ocorria. É um equívoco não só pela incriminação injusta de manifestantes pacíficos (ainda que com propósito absurdos), mas também porque permite aos violentos fugirem às suas responsabilidades. Ao contrário do que se pensa, essa forma de fazer jornalismo favorece quem não presta.
Acho um pouco demais tachar multidões inteiras como “terroristas”, inclusive com as fotos de pessoas ainda detidas apenas para averiguação. Cabe apontar que isso veio de uma mídia que identifica como “suspeitos” até mesmo criminosos filmados batendo e matando gente. Políticos também filmados roubando ou flagrados pela polícia são tratados também como “suspeitos”. Ah, sim: seus crimes são “supostos”, mesmo quando já estão nos tribunais.
A investigação sobre os ataques aos prédios do Três Poderes pode acabar sem incriminar juridicamente nenhum mandante, sem conclusão que esclareça o acontecido, até pelo fato da violência ter sido resultado de um processo de falhas de autoridades do Distrito Federal e do governo do PT, que podem ser por prevaricação ou, no pior dos casos, pela ausência de ação de contenção e repressão ao vandalismo, com o interesse político de manipulação de um evento trágico.
Entre sábado e a manhã de domingo era possível acompanhar pela imprensa e nas redes sociais que haveria uma grande quantidade de manifestantes na capital. Nos dias anteriores também se falava muito nisso. O normal seria que o Governo Federal se prevenisse quanto a confusões e ataques a prédios públicos, até porque o ministro da Justiça, Flávio Dino, já havia falado no uso até da Força Nacional. Ora, houve falha séria em conter os ataques. Se é que foi mesmo uma falha.
E sobre os mandantes dos crimes, no aspecto jurídico pode-se até não chegar a nenhum deles. No entanto, do ponto de vista político, o desastroso domingo em Brasília foi resultado do acirramento de tensões feito por Jair Bolsonaro durante quatro anos, com seus ataques contra as instituições ou qualquer coisa que lhe desse na veneta. Ele também insistiu o tempo todo na ilusão autoritária de uma intervenção militar. Tudo indica que a violência foi a explosão de uma manipulação de massas desses anos todos, um processo confuso, muito tosco e sem fundamentos doutrinários, até porque o bolsonarismo não tem capacidade mental de criação de uma base doutrinária.
Pode ter havido a ação de provocadores, talvez até com origem em planejamento previsto para aproveitar a proximidade permitida aos manifestantes ao Congresso, o STF e o Palácio do Planalto. Sem a prevenção de segurança do Distrito Federal e do governo do PT, um grito chamando à invasão serviria como a gota d’água de um processo anterior do governo Bolsonaro de incisivo estímulo ao ódio, que foi agravado com a falta de boa vontade deste governo que entra, na pacificação dos ânimos entre os brasileiros.
Depois desses acontecimentos, acho difícil que Jair Bolsonaro consiga ter trânsito político para se colocar em papel de liderança na oposição ao governo do PT e na viabilização de uma força política para enfrentar as duas eleições que vem pela frente, com especial atenção à sua pretendida volta ao poder no ano de 2026.
Já está disseminada entre a direita uma divisão irremediável, sem nenhuma perspectiva de organização e o surgimento de lideranças que permitam uma unidade de propósito. Na verdade, ninguém sabe que raios é afinal a direita brasileira. Nem eles sabem. E Bolsonaro não é de modo algum um fator de unidade para que atinjam esse conhecimento.
Pode até ser que a parcela mais maluca tenha interesse em manter-se afinada com Bolsonaro. Porém, eleitoralmente isso não serve como base a um plano de volta ao poder. A ideia de um golpe também foi definitivamente enterrada neste domingo, mesmo como forma de pressão ou de manter a fidelidade de seus seguidores, algo que Bolsonaro fez durante quatro anos, com a imprensa ajudando de forma até idiota nesta ideia totalmente sem noção.
Neste domingo a maluquice sofreu uma avaliação prática que acaba com essa conversa fiada. Ainda que não seja perfeita, nossa democracia demonstra uma razoável resistência, mesmo com as tantas provocações muito graves de Bolsonaro e de seus seguidores nos quatro anos deste terrível governo. Com os acontecimentos em Brasília, creio que agora nem é preciso desenhar. A reação no Brasil e no exterior demonstram que na hipótese de um golpe, de um dia para o outro ele já não estará em pé.
Agora definitivamente não é possível imaginar Bolsonaro como um interlocutor de lideranças políticas e da sociedade civil, a não ser que a base desse entendimento seja lançar-se abraçado ao chamado “mito” na mais absurda confusão, em que não se sabe sequer qual é exatamente o objetivo a ser alcançado. Que liderança vai querer estar nesta foto? Na minha visão, a abominável violência política deste domingo selou a imagem do bolsonarismo como um movimento marginal da política brasileira, não só pela previsibilidade de que junto com Bolsonaro a única certeza é a de confusão e absoluta falta de capacidade de realização, mesmo nos seus supostos propósitos.
O efeito reverso dessa confusão toda de agora favoreceu o PT. Nesta semana, Lula estaria em Brasília lidando com complicações muito sérias. Entre os problemas, as manchetes teriam o caso da sua ministra do Turismo, Daniela Carneiro, envolvida com chefes de grupos paramilitares do Rio de Janeiro, em denúncias com comprovações de apoio eleitoral dessas milícias de criminosos da Baixada Fluminense.
É difícil acreditar no desconhecimento de Lula sobre esta promiscuidade, afinal ainda há pouco ele esteve colhendo votos lá no território dominado onde a ministra fez o mesmo. Além disso, sabe-se também que esse tipo de relação não é de modo algum unilateral. Daí que é possível projetar que, sem as denúncias, em quatro anos de governo esta proximidade daria um poder ainda maior ao crime organizado no Rio.
A semana iria ser dura para os petistas, até que as manifestações violentas da direita tiraram assuntos como esse da pauta brasileira. Também foram para o segundo plano a falta de propostas efetivas do governo do PT sobre a assustadora diversidade de problemas que assolam o Brasil, a começar pela ausência de ideias práticas para questões mais graves da economia, mesmo que fosse apenas por acenos que evitassem piorar o clima de insegurança quanto a capacidade deste governo.
Isso explica em parte a cara sorridente do ministro Padilha, um dia depois do desastre ocorrido em Brasília. Embalado pela situação inédita no Brasil de ataque violento da direita à democracia, Lula foi alçado naturalmente a uma posição favorável como governante. Ele virou notícia internacional, com imagem de estadista ocupado na defesa das instituições e da democracia. Abriu-se também, como eu falei, um largo tapete que pode encobrir o debate crítico que o nosso país tanto precisa, inclusive sobre antigas pretensões de Lula e seus companheiros, nos planos históricos que nada tem a ver com a liberdade e o respeito aos valores democráticos.
. . . . . . . . . . . . . . .
Por José Pires
Nenhum comentário:
Postar um comentário