quinta-feira, 22 de junho de 2023

O turismo trágico da OceanGate Expedition e as ilusões dos consumidores de lendas

A implosão do submarino turístico da OceanGate Expedition, durante o trajeto até os destroços do Titanic, mostram que não são só pessoas desavisadas e sem escolaridade que podem cair numa enrascada na qual se pode perder até a vida. Para embarcar na viagem a passagem era de 250 mil dólares. Nem é preciso converter: é bastante dinheiro em qualquer moeda.


A implosão que matou os cinco ocupantes já havia sido detectada dias atrás por um navio da marinha dos Estados Unidos. A informação é do jornal "The Wall Street Journal", publicada nesta quinta-feira. O barulho foi captado pela embarcação americana no domingo, dia 18, poucas horas depois do submarino mergulhar no Atlântico Norte. Portanto, toda essa cobertura folhetinesca de alguns dias, com mistérios forçados e falsas esperanças, carecia dessa informação fundamental.


Embora tenha feito outras viagens, a engenhoca era experimental e não contava com aprovação de nenhum órgão regulador. A coisa era tão precária que os ocupantes da aventura firmavam um documento abrindo mão de qualquer responsabilização da OceanGate Expeditions, aceitando inclusive a possibilidade de “lesões físicas, deficiência, trauma emocional ou morte”. Ora, é praticamente uma confissão de absoluta falta de segurança. E mesmo assim havia quem pagasse o altíssimo ingresso para arriscar a vida.


Não só por causa do alto custo, no último domingo embarcaram na loucura pessoas com capacidade de conhecimento sobre a precariedade da viagem ao fundo do mar. Havia um milionário britânico ganhador de recordes no Guinness, um francês que já havia feito várias imersões no local do naufrágio do Titanic e um empresário britânico de origem paquistanesa também milionário, junto com seu filho. O quinto passageiro era Stockton Rush, diretor e fundador da empresa.


Mesmo se não houvesse o desastre, o pagamento era por uma das viagens mais desconfortáveis que pode existir. O jornal espanhol La Vanguardia, onde encontrei a melhor ilustração sobre a condição difícil dos passageiros (veja na imagem), definiu muito bem a nave como “uma lata de sardinhas de luxo”. A medida total era de 6,5 metros de comprimento por 3 metros de largura e 2,5 de altura. Ninguém podia ficar de pé e para ver alguma coisa por alguns minutos era necessário se arrastar até uma janela estreita de vidro.


Era obrigatório um revezamento para aproveitar uma só escotilha na proa, de onde se via para fora da nave, claro que iluminado por um farol. Esta janela era de apenas 55 centímetros — uma vez e meia a tela de um computador. A escuridão nas águas é total. A temperatura dentro da nave era de quatro graus. Não era possível fazer nenhuma necessidade fisiológica, o que exigia que os passageiros estivessem convenientemente aliviados antes da prazerosa jornada.


O objetivo da expedição, como todos sabem, era ver os destroços do Titanic, que afundou em 1912, no Oceano Atlântico, uma montoeira de restos de navio como outro qualquer, numa escuridão total. Claro que hoje em dia pode-se assistir a estas cenas ou até de restos melhores de naufrágios, em vídeos que estão espalhados pela internet.


A desastrosa viagem era uma das vigarices mais caras do planeta. A OceanGate oferecia como suvenir da viagem um copo de isopor amassado pela pressão das águas que envolvem o que restou do Titanic. Puxa vida, quem é que pode querer um negócio desses? O suvenir aparece em propagandas da empresa que organiza a expedição. É igual a qualquer copo de isopor amassado com a mão. Ao ser apresentado orgulhosamente para uma visita, o anfitrião com certeza tem que explicar que a joça foi amassada ao lado do Titanic.


A OceanGate já estava plenamente avisada, pelo menos há cinco anos, de que promovia um pacote turístico muito perigoso. O próprio presidente da empresa, Stockton Rush, já havia sido alertado em carta de 2018 sobre a possibilidade de resultados “catastróficos” no uso de seu submergível para fins turísticos. O aviso foi do Comitê de Veículos Subaquáticos Tripulados da Marine Technology Society, segundo o New York Times.


Com toda razão, havia uma preocupação com os negócios comerciais do setor. O comitê temia resultados negativos para “para todos na indústria”, diz a carta. Foi o que ocorreu com a implosão. Eles também cobravam da OceanGate uma certificação de avaliação de risco marítimo conhecida como DNV-G. Bem, agora é tarde.


O desastre, no entanto, pode servir para aumentar o mito sobre o Titanic, uma lenda fajuta que já foi explorada de todos os modos. A implosão do submarino da da OceanGate revelou que havia até um picareta nativo que buscava lucrar com viagens desse tipo nesta mesma empresa. No Brasil, quem vendia pacotes para passeios no submergível que implodiu perto dos destroços do Titanic era a agência de viagens do senador Marcos Pontes, o astronauta fajuto do Lula e de Jair Bolsonaro.


A agência do senador vendia o pacote como “uma das mais incríveis aventuras que oferecemos: ver de perto o navio mais conhecido do mundo, o Titanic!”, assim mesmo, com exclamação e tudo. A propaganda só foi retirada depois da imprensa ter procurado a agência para explicações.

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Por José Pires

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