Nesta bizarra cultura que vem tomando conta do Brasil uma das coisas mais difíceis de aturar é o não-acontecimento, que são esses fatos sem importância alguma que costumam virar uma sensação na internet. Geralmente o sucesso é alcançado com alguma tosca filmagem feita por celular, afinal ninguém quer encarar a labuta de produzir algo mais aprofundado ou organizar ações políticas que podem bastante tempo para ter algum alcance. Raramente o que se oferece tem alguma qualidade, seja na filmagem ou na ação. Intelectualmente o nível do pessoal é de CQC pra baixo ou de uma grosseria parecida com a dos pseudo-humoristas do Pânico.
Esta semana tivemos um não-acontecimento de peso, com a breve discussão numa rua do Rio de Janeiro entre um grupo de rapazes e Chico Buarque. O cantor foi abordado e alguém filmou a baixaria e postou o vídeo. Foi então que algo que era para ficar restrito a um grupo de bobalhões acabou sendo tomado como um fato de merecida repercussão. Até parece que temos pouca coisa séria exigindo um debate nacional. É preciso cuidar antes do bate-boca entre Chico Buarque e alguns moços bem de vida, como se eles fossem grandes protagonistas da história. Beber mal pode também ter esse efeito, mas o que é que milhões de brasileiros têm a ver com um furdunço idiota desses?
O breve entrevero com Chico Buarque era algo para a gente nem ficar sabendo. Mas é impossível hoje em dia ter controle sobre um não-acontecimento, ainda mais com a própria imprensa contribuindo para a algazarra inconsequente que virou a internet brasileira. O descontrole é ainda maior quando um oportunista como o ex-presidente Lula entra no assunto. Ainda que venha dele, parece inacreditável, mas o ex-presidente lançou uma nota em solidariedade a Chico Buarque. Lula vem desonrando de forma impressionante o valor institucional do cargo que ocupou, mas nunca antes na história deste país se viu um ex-presidente tentar fazer de um bate-boca de rua um grande fato nacional. Até dá para entender que o chefão do PT está precisando puxar qualquer assunto para tirar a atenção da sua imagem enlameada, mas essa foi demais.
Mas já que o ex-presidente fala em solidariedade, convém lembrar que isso também não é o forte dele. O desprezo de Lula pela solidariedade tem comprovação na sua carreira política, com sua fama histórica de abandono de companheiros nas piores situações. São inúmeras as situações em que Lula largou para trás companheiros importantes até para sua própria carreira, mas vou citar apenas dois casos de destaque, nos quais ele não teve nenhuma solidariedade.
Lula negou qualquer apoio à viúva do ex-prefeito Toninho do PT, de Campinas, cujo assassinato a tiros em 2001 numa estrada paulista jamais foi solucionado. Antes de ser eleito presidente, Lula havia prometido se empenhar no esclarecimento do crime à viúva do prefeito, Roseana Garcia. Porém, já no cargo de presidente da República ele se negou a recebê-la. Os familiares de Toninho do PT acreditam que a morte do ex-prefeito foi um crime político e queriam apenas que, na qualidade de presidente, Lula buscasse esclarecer o crime. Mas não houve solidariedade alguma dele com o companheiro de partido assassinado.
Solidariedade também foi o que ele não teve com o amigo Celso Daniel, o prefeito de Santo André que era seu coordenador na campanha para presidente, na época em que foi sequestrado e morto com vários tiros depois de ser torturado. A morte foi em 2002 e desde então políticos muito próximos de Lula vem fazendo o maior esforço para fechar o caso como crime comum. Não é o que a família de Celso Daniel pensa sobre o assassinato, que denunciam como crime político. Como presidente da República e chefe incontestável do PT, Lula nada fez para esclarecer a morte terrível do amigo. Ao contrário, assessores dele batalharam pelo fechamento do caso, que voltou agora nas revelações da Lava Jato de que dinheiro de propina da Petrobras teria sido usado para evitar chantagens políticas com a morte do ex-prefeito.
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POR José Pires