quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Um adeus de muitos significados

Capa da revista "Les Inrockuptibles". O trocadilho é muito bom e não precisa traduzir: é a mesma coisa na nossa língua, apesar de que no Brasil é muito raro que haja 'inrockptíveis". Por aqui até o rock é dominado pelos bananas. E não é raro que haja um petralha na banda pegando por fora uns capilés do governo. Que país é este, ó céus, em que até a rebeldia é instrumentalizada. Mas voltando à "Les Inrockuptibles", a capa sobre Lou Reed é perfeita. Acertaram até no uso do preto e branco, que é o tom deste ótimo artista. A publicação semanal é francesa e é realmente uma revista de cultura. Nada dessa farsa comum no Brasil de dizer que algo é de "cultura", quando de fato é só entretenimento.

"Les Inrockptibles" publica 14 páginas com o falecido músico americano. Trazem também uma longa entrevista, feita em 1996. Lá no meio, citações do dramaturgo Eugene O'neill, Van Gogh, Shakespeare... Roqueiro brasileiro iria sentir-se desenturmado. Lou Reed não merece o uso de lugar comum, mas sua morte traz a impressão angustiante de que os verdadeiros artistas estão acabando.Independente da avaliação que se tenha do que ele fez é admirável sua integridade artística, vida e obra sendo tocadas de forma integrada. É dessa unidade existencial que estou falando quando lamento a extinção gradativa dos verdadeiros artistas. E vale destacar que Lou Reed era do rock, uma forma musical que sem esta integridade não faz sentido levar a sério. É o problema do rock brasileiro e essas levadas de garotos bobocas inventando sentimentos e dores que existem apenas em suas letras simplórias. É claro que não estou querendo que se quebre a cara para fazer arte, mas é preciso haver ao menos aquele mínimo de verdade que caracteriza um bom produto cultural. E para ser arte é claro que a integridade obrigatoriamente deve prevalecer.

Me lembro do meu desgosto olhando a moçada sacolejando o esqueleto ao som de rockinhos bobos na época ditadura militar. O país naquela barra pesada política e existencial e aquele negócio idiota de "me deixa de quatro no ato" e outras bobajadas. Conheci o trabalho de Lou Reed mais ou menos nessa época e achava muito estranho que essas coisas feitas no Brasil fossem classificadas como rock. Mas não é que tudo piorou? Já estamos num ponto que logo vamos ler textos de críticos pontificando sobre o rock dos anos 80 como "clássicos" da nossa cultura. Se é que já não estão escrevendo isso.

É por isso também que a morte de alguém como Lou Reed dói. Nem sou muito ligado especificamente em rock, mas ouço artistas como ele, o que foi facilitado pela internet. Tenho baixado aqui comigo o que ele fez de mais importante. Músicos de qualidade em qualquer área sempre foram isolados da cultura brasileira. A salvação é a internet, que permite que procuremos cultura nós mesmos, sem a dependência de cadernos (e atualmente os sites) que de cultural hoje em dia tem quase nada.

Vivemos por aqui um clima de fim de mundo na cultura, sem publicações da área (não temos hoje nenhuma revista de cultura) e com o setor dominado pelos tais "incentivos culturais". Nesta cultura estatal o foco criativo essencial é o de inventar um argumento técnico para arrumar um bom financiamento do Estado e aí então criar algum produto para justificar a grana. A intenção parece que foi a de fortalecer a arte, mas o efeito tem sido o contrário. Aqui no Brasil o Lou Reed já morreu há muito tempo atrás.
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Por José Pires

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O bom negócio da censura

Roberto Carlos quer censurar mais um livro e desta vez não é uma biografia dele. Esta nova tentativa de censura vem ajudar a comprovar a necessidade da derrubada do artigo do Código Civil que permite a censura-prévia de livros no Brasil. Alegando invasão de privacidade os advogados do cantor entraram na Justiça para barrar "Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude". A publicação nasceu de uma tese de mestrado e trata da influência dos artistas sobre a juventude. E como o centro da obra é a Jovem Guarda é claro que tem que ter Roberto Carlos. No entanto a autora do livro, Maíra Zimmermann, disse que não há menção à vida íntima de nenhum artista. "Meu foco é a construção da cultura nos anos de 1960", ela disse. Roberto Carlos exigiu a retirada do livro do mercado.

O cantor já tem contrato assinado com a editora Leya para a publicação de uma biografia autorizada, prevista para daqui cinco anos. No projeto tem também um filme sobre sua vida. E dessa forma vai se esclarecendo que o plano de Roberto Carlos é limpar o mercado de qualquer conteúdo que faça concorrência comercial com um livro de propriedade dele que vem por aí. Dessa forma ele pode ter não só o controle sobre sua imagem como também ganhar muito mais. O mercado vai ser só dele. A jogada não é biografia autorizada, mas sim biografia exclusiva.

Não é surpresa este foco de Roberto Carlos nos negócios. Tem sido assim desde que ele apareceu na música brasileira e foi se impondo, sempre tendo por detrás uma grande força comercial, na qual se inclui especialmente a maior rede de emissoras de TV do país, a Rede Globo. A própria Jovem Guarda, objeto de estudo do livro que ele quer proibir, é uma criação publicitária, com todos seus lances criados por uma agência de propaganda, desde seu lançamento em 1965. Roupas, comportamento, tudo saiu da cabeça de publicitários, até mesmo o programa de TV que era apresentado pelo cantor. É óbvio que Roberto Carlos tem muita habilidade para compor sucessos populares, mas a máquina comercial sempre teve um peso tremendo na sua carreira. E foi também favorável aos seus interesses a ação da ditadura militar, que reprimiu artistas e impediu a transgressão de fato, permitindo e até incentivando rebeldes de fachada, que era seu papel na época. Temas assim é que de fato preocupam Roberto Carlos. Defesa da privacidade é só um despiste de seu real interesse.

O que o cantor quer é manter um controle sobre sua imagem construída e ter o benefício comercial exclusivo do lucro que vier disso. E está pouco ligando que suas ações judiciais afetem a liberdade alheia ou criem impedimentos para a publicação da biografia de qualquer outra pessoa e também livros de história, como já vem acontecendo. Não é de hoje que o cantor só tem um tema na vida: ele mesmo. De rei mesmo o que Roberto Carlos tem é apenas o ego.
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Por José Pires

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Trocando as bolas

Chico Buarque não dá uma dentro na polêmica das biografias. É melhor o STF liberar logo o trabalho de biógrafos, até para que saia também uma biografia dele mais próxima da verdade. Logo de entrada ele atacou Paulo Cesar Araújo, o autor da biografia de Roberto Carlos, que de imediato divulgou gravações provando que ele havia dado um depoimento para a biografia.

Pegou muito mal, Chico pediu desculpas e com isso não fez mais que obrigação. Mas logo a babação idólatra que o cerca tentou fazer deste “mea culpa” mais uma de sua inúmeras qualidades. Mas aí já é tentar distorcer uma leviandade que podia ter destruído o livro escrito por Araújo e que Roberto Carlos conseguiu embargar, além de pedir uma alta indenização ao autor. Por coincidência (ou não, como diz o Caetano) Roberto Carlos quer exatamente acabar com Araújo e foi isso que Chico tentou fazer.

É claro que é justo que haja a suspeita de que o ataque veio de comum acordo com Roberto Carlos. O autor da biografia já afirmou que o Procure Saber traz argumentos iguais aos do processo contra ele feito pelo cantor. Também já se diz que uma condição da entrada de Roberto Carlos no Procure Saber foi que o grupo encampasse sua briga para censurar a biografia. Pode até ter sido coincidência, mas Chico foi na canela que o outro quer atingir.

Neste domingo Caetano voltou ao assunto em sua coluna em “O Globo” e trouxe mais uma tolice de Chico Buarque. Vem mais pedido de desculpas por aí. Na coluna, Caetano faz as costumeiras reclamações sobre a imprensa, os dois falando do jornalismo de fofoca do qual como figuras populares ambos são vítimas. Mas quem é que está discutindo a imprensa fofoqueira? Só eles, é claro. O tema do debate é o de biografias. Mas falando da revista Contigo e até lembrando da "Coluna da Candinha" eles reforçam a cantilena da “privacidade pessoal”.

Caetano e Chico estão evidentemente trocando mensagens o tempo todo e na sua coluna Caetano publica este trecho enviado pelo colega: “E a ‘Folha’ de hoje, ao dar a matéria em que respondo ao biógrafo do Roberto Carlos, suprimiu o parágrafo em que eu citava os esquadrões da morte na redação da ‘Última Hora’ de São Paulo, propriedade do Frias. E os censores somos sempre nós”. E aí Chico errou feio novamente.

O compositor confundiu feio as bolas, pois história de redação com ligação com a polícia durante a ditadura militar só existe envolvendo a “Folha da Tarde”, jornal que também foi do Grupo Folha, mas que já fechou. Mesmo esta história da “Folha da Tarde” sofreu ultimamente uma manipulação tremenda feita por petistas com a intenção de atingir a “Folha de S. Paulo”, um jornal do qual o PT e o governo não gostam. A manipulação é tão canalha que hoje em dia pode-se ver correndo na internet textos que já envolvem o próprio jornal no esquema ligado à repressão da ditadura, fazendo crer que isso era uma política de empresa, quando foi um acontecimento isolado que nada teve a ver com o jornal “Folha”. A novidade de agora é que Chico usa como alvo desse ataque a extinta "Última Hora", outro jornal que foi do Grupo Folha e que nada tem a ver com a história.

Se eu acreditasse no mito da eterna inocência de Chico Buarque até aceitaria que ele veio com esta história por descuido. Mas não caio nisso, não. Mas de qualquer forma, Chico errou de novo e desta vez se for pedir desculpas terá de ser para uma redação inteira.
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Por José Pires

Leilão de petróleo não pode


Quem é vivo sempre aparece. Mas também aparece cada coisa... A imagem é do ator Paulo Betti fazendo campanha contra o leilão do campo de Libra. A propaganda política veiculada na TV é da Federação Única dos Petroleiros, a FUP, que tem promovido manifestações contra os leilões. Não sei se o ator recebeu cachê pela filmagem, mas de qualquer forma é muito estranho que agora ele venha com isso.

Paulo Betti foi quem disse uma frase que ficou marcada na nossa história política recente e é quase como um slogan do projeto político que o PT vem implantando desde o primeiro mandato de Lula. "Não dá para fazer [política] sem botar a mão na merda", ele disse num encontro de artistas em apoio ao governo. A reunião foi em junho de 2006, na casa do então ministro Gilberto Gil, onde artistas se juntaram para dar uma força à campanha de reeleição de Lula e prestar solidariedade à cúpula do PT, que já havia sido flagrada no esquema do mensalão.

Pelo que se vê, para Paulo Betti não tem problema algum botar a mão na merda para fazer política. Botar a mão no petróleo é que não pode.
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Por José Pires

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A lição de casa do Chico Buarque

As intervenções de Chico Buarque no debate sobre a polêmica das biografias estão mais para samba de Noel Rosa: ele só dá palpite infeliz. Com um texto publicado ontem em O Globo ele arrumou encrenca até com seu editor, Luiz Schwarcz. O compositor disse que achava "justo" a indenização que a editora Companhia de Letras foi obrigada a pagar para herdeiras do jogador Garrincha, que embargaram a edição da biografia escrita pelo jornalista Ruy Castro.


Acontece que sem o trabalho feito por Ruy Castro é provável que Garrincha estivesse esquecido. A biografia, escrita depois de uma longa pesquisa, trouxe de volta o interesse pelo craque brasileiro e deu dignidade à sua imagem. No livro, Castro mostra que Garrincha nunca foi o bobalhão que acostumamos a ver apontado em histórias da crônica esportiva. Com as restrições pretendidas por Chico e seus colegas do “Procure Saber” seria impossível fazer uma biografia tão boa. Nenhuma editora bancaria os riscos. E autores sérios certamente vão se negar a trabalhar sob o monitoramento de herdeiros. Prevalecendo a posição de Chico Buarque será o fim de biografias com qualidade no Brasil.


A resposta do editor Schwarcz veio de pronto no blog da Companhia de Letras. Para ele, Chico e os outros artistas escolheram o "vilão errado" ao atacar escritores e editores. E o processo das herdeiras de Garrincha teve motivações puramente econômicas. “Com o pagamento realizado, nem a capa ou muito menos o conteúdo voltou a preocupar as herdeiras", ele escreveu.


No artigo de O Globo o compositor foi também tremendamente injusto com Paulo Cesar Araújo, autor de uma biografia de Roberto Carlos, que vem mostrando ter uma importância muito grande nesta polêmica. Araújo disse que os argumentos do “Procure Saber” são os mesmos dos processos que sofre de Roberto Carlos. Já li a biografia do cantor e nada vi que pudesse causar o sentimento de afronta que o cantor transparece. O que provavelmente deve tê-lo incomodado foi a revelação detalhada do acidente em que perdeu parte de uma perna. Este é um de seus graves problemas psicológicos. Mas nenhuma biografia do cantor pode ser levada a sério se não tocar neste e em outros assuntos perturbadores para ele.


Chico abriu o artigo afirmando que jamais foi entrevistado por Araújo, que disse que ele foi um dos artistas que deu depoimento durante as pesquisas sobre a vida de Roberto Carlos. Acontece que o biógrafo tinha a comprovação de que esta entrevista existiu. A conversa com Chico foi filmada e gravada. Essas provas foram divulgadas e já estão disponíveis inclusive na internet.


Pois nesta quinta-feira Chico enviou uma carta ao jornal desculpando-se com Araújo. Na carta ele diz que esquecera da entrevista, mas que de qualquer forma pede desculpas. Isso resolve ao menos esta questão, mas imaginem como ficaria a credibilidade de Araújo se ele não tivesse as gravações. Sendo apenas a sua palavra contra a de Chico é óbvio que o biógrafo ficaria muito mal.


Porém, os problemas de Chico Buarque não acabaram aí. O jornalista Reinaldo Azevedo pegou o assunto para analisar em seu blog no site da revista Veja e resolveu dar também uma boa corrigida na gramática do compositor. Chamou a atenção de Reinaldo a falta de sabor da prosa de Chico e também alguns erros espantosos. Ficou muito interessante o texto em que (e não "onde") ele faz esta revisão. É um desmonte do mito exatamente numa ferramenta essencial da sua fama.
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Por José Pires
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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Ameaça de corte

O jornalista Toninho Vaz foi amigo de Paulo Leminski e após a morte do escritor escreveu "Paulo Leminski, o bandido que sabia latim", elogiada biografia e se não me engano o único trabalho de maior fôlego que existe sobre a vida do escritor curitibano, que morreu em 1989, aos 44 anos. Pois a viúva de Leminski, Alice Ruiz e suas filhas, Estrela e Áurea, estão querendo censurar a biografia porque não gostam de uma parte que relata o suicídio de Pedro, irmão de Leminski. As três familiares mandaram uma correspondência à editora, que cancelou a publicação de uma nova edição que estava pra sair.

O irmão de Leminski é essencial na vida do poeta e tem presença de peso na biografia. Era o caçula, que numa crônica publicada em um jornal curitibano depois do suicídio, Leminski chama de "meu único professor de violão". A morte trágica foi uma razão de seus conflitos existenciais. É tão forte que é com a notícia do suicídio, recebida por ele do próprio Leminski ao telefone, que Vaz dá início ao emocionado livro sobre a vida do amigo.

Estrela, a filha mais nova, foi agressiva na sua página do Facebook: "Qual é a relevância de detalhes sórdidos do suicídio para uma biografia dele? Que relevância tem para a obra? Ou seria para dar um molho e vender mais?", ela escreveu, tocando numa ponto que tem sido a preocupação de herdeiros na recente polêmica sobre censura à biografias: a venda dos livros.

É uma argumentação absurda que faz crer que biografias são hoje em dia uma mina de ouro no Brasil, o que não é o caso nem de livros que tratam da vida de ídolos populares, quanto mais de artistas e escritores com uma obra restrita, mesmo que de qualidade. Escrever uma biografia é um trabalho de longo prazo e demanda custos e riscos que exigem um empenho que geralmente só acontece quando existe um interesse pessoal do biógrafo na obra da personalidade retratada.

E aí estão herdeiros de vários artistas praticamente insultando pessoas que têm feito um serviço de extrema importância pela preservação e divulgação de fatos essenciais na construção da identidade nacional. No caso da censura exigida por herdeiros de Leminski a situação é ainda pior, pois afeta um biógrafo que esteve próximo do poeta. Foi amigo dele e até hoje tem proximidade com os que conviveram com Leminski em Curitiba. Além do mais, quando Vaz se lançou na feitura da biografia nada garantia o sucesso que veio depois com a publicação. E a meu ver a biografia escrita por ele é em boa parte responsável pelo revivescimento do interesse dos leitores por Paulo Leminski.

Esta censura dos herdeiros é até uma afronta ao que o poeta construiu em vida e expressou em tudo que escreveu. Sua obra toca as pessoas exatamente pelo confronto com o conformismo e foi dessa forma também que ele viveu até o fim. A marca essencial que Leminski deixou é exatamente o contrário dessa tentativa de controle sobre o que o outro faz.
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Por José Pires

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Herança maldita

Uma herança política do PT que vai dar muito trabalho para o Brasil descartar no lixo da História – destino de quase todos os conceitos políticos deste partido no governo – é esta certeza obstinada de que apenas sua própria verdade tem valor e de que qualquer opinião discordante tem que ser menosprezada e atacada com agressividade, passando até dos limites da difamação e da calúnia.

É uma forma de fazer política que infelizmente parece que pegou, até porque o clima criado pela militância que gira em torno do poder parece exigir que qualquer um se comporte dessa forma intolerante, até como forma de defesa em meio a tantos ataques. Hoje em dia, quando a gente entra numa rede social corre sempre o risco de uma emboscada de algum bando militante ou até de um "camper", porque eles agem igual jogador de game que fica de franco-atirador estragando a diversão dos outros.

Dá até para compreender a tensão e agressividade que acomete tanta gente. Esta herança petista criou uma situação que pode deixar qualquer um em posição defensiva o tempo todo. Mas o problema é que muitas vezes acaba-se partindo para o ataque sobre pessoas que nada tem a ver com as táticas governistas de desqualificação de quem pensa diferente deles. Aí partem-se amizades e pode-se perder a ótima possibilidade do diálogo franco e aberto, que é o melhor que se pode tirar de um encontro com alguém na internet.

Esta herança intolerante veio de uma tática eleitoral que atualmente contamina o debate público. É coisa que nasceu do PT e foi até sistematizada e ampliada na internet, inclusive com profissionais pagos para isso. No entanto, isso já é bem antigo. É uma forma de luta política com raízes no leninismo soviético e que também foi muito usada pelos nazistas, especialmente nos esquemas criados para a ocupação do poder na Alemanha. Já foi também bastante usada no Brasil durante anos, da década de 60 até 1980, quando o Partido Comunista Brasileiro (o velho Pecezão) praticava uma política cotidiana de desmoralização de qualquer um que falasse ou escrevesse contra os interesses do comunismo.

O clima de grosserias já está aí, com muita gente pegando pesado mesmo quando o interlocutor está só querendo debater problemas que afetam a todos ou às vezes apenas ter uma boa conversa pela internet. Não podemos deixar que esta herança maldita do PT se instale em nossas mentes. E de forma alguma nos nossos corações.
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Por José Pires


terça-feira, 8 de outubro de 2013

Um político muito coerente

Um cuidado que é preciso tomar com a palavra "coerente" é que ela depende totalmente da atitude de quem sai por aí espalhando o autoelogio. Um exemplo significativo disso é Adolf Hitler, ele mesmo, o líder e criador do nazismo, que foi uma das pessoas mais coerentes que já passou pela face da Terra.

De vez em quando me aparece alguém com alguma teoria estrambótica acerca de Hitler, fazendo elaboradas teorias sobre supostas origens do grande mal que ele representou. Quase todas essas teorias pecam porque não contam com um traço de personalidade muito firme de Hitler: sua coerência.

Tudo o que ele fez na Alemanha e depois tentou impor ao resto do mundo está no livro "Mein Kampf", um documento muito claro sobre sua visão política e seus projetos como governante. Está lá inclusive o ódio absoluto pelos judeus. O livro foi publicado muito antes de sua subida ao poder, numa época que seria impossível prever que o cabo do exército que vinha de uma guerra perdida e pintor dos mais medíocres alcançaria a expressão política que conquistou.

Qualquer leitor sensato que pegasse o livro de Hitler logo que foi lançado suspeitaria do risco que havia do horror que de fato aconteceu depois. Bastava ponderar sobre a tragédia que seria o estabelecimento de um governo coerente com as ideias que autor colocou no papel. Mas acontece que "Mein Kampf" pode ser lido também como uma peça de ficção alucinada, onde impera o ódio e a desumanidade, de tal forma que indicava ser improvável que um político fosse capaz de formar um governo coerente com as barbaridades que estavam escritas ali. Mas Hitler fez isso. Afinal, ele era um político muito coerente.
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Por José Pires

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Rumo complicado

Marina Silva passa hoje por um teste difícil. Sua imagem política estará em exame pela opinião pública a partir da decisão sobre o que fará daqui pra frente, depois do TSE negar registro a seu partido, o Rede Solidariedade. Ela pode entrar em qualquer outro partido ou optar por tocar o projeto da Rede, pelo qual não pode disputar eleição alguma em 2014. A resposta ao teste não é nada simples. É difícil para um político com a popularidade no auge ficar fora de uma eleição importante, que além de presidente elegerá também deputados nos estado e no Congresso, senador e governador. Mas acontece que se a ex-ministra do governo Lula optar pela entrada em um partido estará seguindo o caminho usual da maioria dos políticos brasileiros, que é fazer qualquer coisa pelo sucesso no jogo eleitoral.

É claro que neste último caso não tem projeto algum de Rede Solidariedade. É o sentido usual da política que acabará levando Marina e os seus a um debate desgastante e improdutivo. Isso se de fato a intenção deles for a de construir um partido diferente dos que estão aí. E o problema do registro no STF mostra que falta muita coisa para seu grupo político comprovar na prática a capacidade para administrar qualquer coisa. Não conseguiram administrar nem as dificuldades e riscos para o registro de seu partido.

Independente da forma suspeita que o TSE analisou o registro do partido que ela pretendia fundar, vê-se claramente que da parte dos organizadores da Rede Solidariedade faltou um acompanhamento mais sério do assunto, a começar do fato de deixarem uma decisão tão importante para o último momento, numa situação em que uma negativa não permitiria um rápida conserto. É muito óbvio que dessa forma teriam pela frente um problema irremediável e ele aí está.

É o caso de pensar com alívio que ainda bem que Marina não está administrando o Brasil, porque para trapalhadas desse tipo já basta o governo do PT, comandado ao menos oficialmente por uma presidente que não tem um mínimo controle nem sobre o idioma do país onde nasceu.
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Por José Pires

Palavras ao léu

Marina Silva diz que a resposta que dará hoje sobre seu futuro político "será coerente". E como atualmente parece que no jornalismo existe um problema geral de cabeça ninguém lhe pergunta onde ela encaixa "coerente" A palavra exige um acompanhamento para que possa ser compreendido o que realmente uma pessoa está falando. E não vale também vir com a palavra "ética", como ela faz o tempo todo, porque hoje em dia esta é outra palavra que serve pra tudo.

E a verdade é que até agora Marina vem seguindo um caminho que nada tem de reto. De ministra do Ambiente de um presidente (ele, o Lula) destrutivo na área ecológica, inclusive no desmonte de leis e no achincalhamento verbal do respeito à natureza, ela saltou fora para um partido de aluguel (o Partido Verde, caindo de maduro em falsidades) e aí veio com este plano de um partido só pra ela (o Rede Solidariedade, que perdeu as tramas).

Marina não rouba, o que na política brasileira já faz uma diferença positiva bem grande. Mas em uniformidade de ação, ela e os marineiros que me desculpem, o que temos por enquanto é só ambição pessoal.

Qual é a coerência? Por enquanto, Marina segue na mesma toada de todos os outros, mantendo-se na mídia sem que dê para entender de fato o que ela traz de diferente. Faz isso até na enrolação sobre seu destino político. Se fosse coerente mesmo, Marina já teria dito ontem qual é sua posição. Jogando a questão para o dia seguinte ela está fazendo o mesmo que qualquer político: marketing.
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Por José Pires

Rede fora da eleição


Se fosse num país sério, o fato da Rede Sustentabilidade não conseguir o registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderia até ser visto unicamente como um tremendo amadorismo do grupo da ex-ministra Marina Silva. Mas estamos no Brasil, um lugar onde os cenários eleitorais passaram a ser construídos da forma mais adequada para a perenização de um partido no poder. Todos sabem que ao governo do PT não interessa nem um pouco a candidatura de Marina Silva, muito menos embalada por um partido com ares de novidade. Seria um fato político ruim para a candidatura de Dilma Rousseff, sendo provável até que isso mexesse na futura composição do Congresso e até nas eleições para governador. Já bastante desgastado, o PT poderia sofrer um forte baque com um sucesso da Rede, porque é óbvio que é de seu eleitorado que sairiam muitos votos. Até agora falou-se bastante só na candidatura presidencial de Marina e foi foi deixada de lado esta possibilidade da Rede ter uma expressiva bancada de deputados.

O rigor do TSE com a Rede não segue o figurino do tratamento a tantos partidecos que vêm sendo formados, nesta surreal realidade política com mais de três dezenas de partidos. Nesses dias mesmo saíram mais dois partidecos, comandados por políticos sem nenhuma expressão nacional. Nossa Justiça foi também muito delicada com um partido mais graúdo, o PSD do ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

A generosidade com Kassab foi tamanha que juntou até o STF ao TSE, quando ambos decidiram que mesmo sem ter participado de nenhuma eleição (mas já com uma boa bancada, amealhada sabe-se lá como) seu partido teria o direito proporcional de tempo de propaganda e dinheiro do Fundo Partidário. Mas Kassab é um político do sistema, qualquer sistema, desde que ele possa dar sua contribuição em mudanças que deixem tudo do jeito que está.

O problema do partido de Marina com o TSE é não ter completado o número de assinaturas exigido para o registro. 95 mil firmas foram rejeitadas por cartórios. E vale a pena dar os nomes de cidades onde cartórios mais encrencaram para firmar as assinaturas da Rede. A média de rejeições em todo o Brasil é de 24%. Pois no ABC paulista, onde o PT tem um imenso poder, os índices chegaram a 78%. Isso mesmo: quase tudo recusado pelos cartórios. Foi 78% recusado em São Bernardo do Campo, 72% em Mauás e 69% em Santo André.

É claro que isso nada prova e talvez nunca ocorra nenhuma investigação para verificar o que aconteceu de verdade nessas cidades e em outras onde cartórios contribuíram para adiar o sonho de Marina Silva. Mas fica no ar a suspeita de que o domínio político petista já está chegando a tanto que eles decidem até quais partidos podem ser formados no país.
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Por José Pires

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Mais uma entrevista pra conservador algum gostar

Cada vez que esse papa Francisco dá uma entrevista ele vem com um monte de afirmações que devem fazer muito mal aos católicos conservadores. Hoje foi publicada uma entrevista no diário italiano La Repubblica, sendo que é exatamente neste dia o início do trabalho dos oito cardeais que devem conduzir as reformas do papado de Francisco. É evidente que é uma entrevista que vem para reforçar sua visão sobre a condução desta reforma.

O destaque na imprensa já está sendo dado para a frase "a corte é a lepra do papado", dita por ele no mesmo momento em que criticava a visão "vaticano-cêntrica", que "esquece do mundo ao redor" para cuidar apenas dos interesses do Vaticano, em grande parte, segundo ele, "interesses temporais". A corte de que ele fala é o círculo que se mantém na adulação da cúpula da Igreja.

Vamos ver agora o que dizem agora os conservadores. Numa entrevista anterior, publicada numa revista católica da Itália, o papa criou polêmica ao reclamar da obsessão de setores católicas com temas como o aborto e o casamento gay. Foi uma óbvia recomendação para mudar de assunto ou pelo menos amenizar os termos, mas muita gente tentou mostrar que a opinião de Francisco havia sido distorcida pela imprensa. Bem, aquela foi uma entrevista longa e nela o papa mostrava de fato posições que nada tem a ver com o conservadorismo que muitos querem como uma linha determinante na Igreja e que vinha sendo seguida anteriormente.

Na matéria que saiu hoje no La Repubblica o papa Francisco foi ainda mais afirmativo na sua opinião de que há uma necessidade de haver uma abertura da Igreja Católica a temas importantes da atualidade. A entrevista começa na capa do jornal e ocupa três páginas. Foi feita por Eugenio Scalfari, fundador do jornal e com quem o papa já vinha tendo um debate público por meio de cartas sobre o diálogo entre católicos e não-católicos. Sacalfari é ateu, mas não é anticlerical.

Uma afirmação de Scalfari dá o tom do explosivo conteúdo da entrevista. Escrevendo sobre o que sentiu na conversa com o papa, ele diz: "Se a Igreja se converter naquilo que ele quer e imagina, haverá uma mudança de época". A conversa rendeu muitos assuntos que vão estimular o debate entre os católicos. Porém, as falas do papa trazem uma perceptível desvantagem para os conservadores.

Até em questões econômicas o pensamento de Francisco não bate com a agenda conservadora. "Penso que o chamado liberalismo selvagem converte os fortes em mais fortes e os fracos em mais fracos e aos excluídos em mais excluídos", ele disse, acentuado inclusive que se for necessário deve haver "a intervenção direta do Estado para corrigir as desigualdades mais intoleráveis".

E não adianta os conservadores tentarem acusar alguma manipulação. São palavras literais do papa. É melhor que encarem que podem vir mudanças desfavoráveis para que quer uma Igreja menos liberal no comportamento e na política. A entrevista demonstra que pode haver uma mudança até na relação com a Teologia da Libertação, ala da Igreja que teve em João Paulo II e Bento XVI dois implacáveis inimigos. O papa Francisco até busca fugir do confronto com as atitudes de João Paulo II, que combateu de modo firme os líderes da Teologia, mas mostra uma mudança substancial de visão. Ele diz que os líderes erravam em dar um "plus político a sua ideologia", mas considera que "muitos deles eram fiéis com um alto conceito de humanidade".
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Por José Pires


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Link: Clique aqui, que o La Repubblica disponibiliza uma tradução em espanhol da entrevista.