Cada vez que esse papa Francisco dá uma entrevista ele vem com um monte de afirmações que devem fazer muito mal aos católicos conservadores. Hoje foi publicada uma entrevista no diário italiano La Repubblica, sendo que é exatamente neste dia o início do trabalho dos oito cardeais que devem conduzir as reformas do papado de Francisco. É evidente que é uma entrevista que vem para reforçar sua visão sobre a condução desta reforma.
O destaque na imprensa já está sendo dado para a frase "a corte é a lepra do papado", dita por ele no mesmo momento em que criticava a visão "vaticano-cêntrica", que "esquece do mundo ao redor" para cuidar apenas dos interesses do Vaticano, em grande parte, segundo ele, "interesses temporais". A corte de que ele fala é o círculo que se mantém na adulação da cúpula da Igreja.
Vamos ver agora o que dizem agora os conservadores. Numa entrevista anterior, publicada numa revista católica da Itália, o papa criou polêmica ao reclamar da obsessão de setores católicas com temas como o aborto e o casamento gay. Foi uma óbvia recomendação para mudar de assunto ou pelo menos amenizar os termos, mas muita gente tentou mostrar que a opinião de Francisco havia sido distorcida pela imprensa. Bem, aquela foi uma entrevista longa e nela o papa mostrava de fato posições que nada tem a ver com o conservadorismo que muitos querem como uma linha determinante na Igreja e que vinha sendo seguida anteriormente.
Na matéria que saiu hoje no La Repubblica o papa Francisco foi ainda mais afirmativo na sua opinião de que há uma necessidade de haver uma abertura da Igreja Católica a temas importantes da atualidade. A entrevista começa na capa do jornal e ocupa três páginas. Foi feita por Eugenio Scalfari, fundador do jornal e com quem o papa já vinha tendo um debate público por meio de cartas sobre o diálogo entre católicos e não-católicos. Sacalfari é ateu, mas não é anticlerical.
Uma afirmação de Scalfari dá o tom do explosivo conteúdo da entrevista. Escrevendo sobre o que sentiu na conversa com o papa, ele diz: "Se a Igreja se converter naquilo que ele quer e imagina, haverá uma mudança de época". A conversa rendeu muitos assuntos que vão estimular o debate entre os católicos. Porém, as falas do papa trazem uma perceptível desvantagem para os conservadores.
Até em questões econômicas o pensamento de Francisco não bate com a agenda conservadora. "Penso que o chamado liberalismo selvagem converte os fortes em mais fortes e os fracos em mais fracos e aos excluídos em mais excluídos", ele disse, acentuado inclusive que se for necessário deve haver "a intervenção direta do Estado para corrigir as desigualdades mais intoleráveis".
E não adianta os conservadores tentarem acusar alguma manipulação. São palavras literais do papa. É melhor que encarem que podem vir mudanças desfavoráveis para que quer uma Igreja menos liberal no comportamento e na política. A entrevista demonstra que pode haver uma mudança até na relação com a Teologia da Libertação, ala da Igreja que teve em João Paulo II e Bento XVI dois implacáveis inimigos. O papa Francisco até busca fugir do confronto com as atitudes de João Paulo II, que combateu de modo firme os líderes da Teologia, mas mostra uma mudança substancial de visão. Ele diz que os líderes erravam em dar um "plus político a sua ideologia", mas considera que "muitos deles eram fiéis com um alto conceito de humanidade".
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Por José Pires
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Link: Clique aqui, que o La Repubblica disponibiliza uma tradução em espanhol da entrevista.