Caetano Veloso se queixa na imprensa da proibição de sua apresentação em invasão de sem-tetos no ABC paulista. É mais uma jogada dele. O embargo pedido pela prefeitura até defende a integridade física do público, sempre um risco em show improvisado, ainda mais no clima explosivo nesta ocasião, na qual ele dá uma de suas aproveitadinhas. No local, só de gente pobre querendo uma casa para morar são cerca de 7 mil pessoas. A ocupação em um terreno de São Bernardo é organizada pelo MTST, movimento liderado por Guilherme Boulos. A cidade onde mora o ex-presidente Lula era até há pouco comandada pelo grupo de Luiz Marinho, político ligado por laços de amizade ao ex-presidente e prefeito pelo PT por dois mandatos. Na eleição de 2016 o partido de Lula sequer foi para o segundo turno. Agora o prefeito é Orlando Morando, do PSDB.
Marinho foi denunciado pelo Ministério Público Federal por fraudes em licitações, desvios e superfaturamento de recursos da obra do Museu do Trabalho e do Trabalhador, uma das encrencas sérias de Lula com a Operação Lava-Jato. Há denúncias de desvio de R$ 11 milhões nas obras da instituição conhecida como “Museu do Lula”, iniciadas no final do segundo mandato do petista na prefeitura, mas que ficaram paradas por quase um ano e estão inacabadas. O ex-prefeito Marinho é um dos desastres administrativos do PT. Foi reeleito com um rombo de R$ 987,5 milhões e no segundo mandato fez sua própria dívida explodir. Deixou a cidade com uma dívida de R$ 2,2 bilhões.
Estas informações são importantes para situar bem o contexto político e econômico do lugar onde Caetano Veloso resolveu posar como artista ligado à justiça social, situando também a questão no plano da política nacional. Ainda que se faça de independente e queira se colocar como ativista imparcial dos direitos civis, na verdade Caetano atua como vanguarda do partido que jogou o país na maior tragédia econômica, social e cultural de sua história. São informações relativamente fáceis de coletar e deviam obrigatoriamente estar presentes em toda matéria na qual o artista baiano joga sua lorota social.
Sem nenhuma intenção de partidarizar a questão, mas apenas deixando mais claro o papel interpretado cinicamente por Caetano, cabe observar também que Boulos não teve tanta preocupação com justiça social na cidade enquanto a administração era de um maioral do PT, em paralelo com o mesmo partido no governo federal por dois mandatos seguidos. Que grande chance perdida para fazer “justiça social” e talvez até uns bons shows de protesto, não é mesmo?
Este neolibertário é também o mesmo artista que formou um grupo recentemente para garantir por lei o poder de personalidades vetarem biografias em desacordo com a visão do biografado. Felizmente não deu certo a tentativa de instaurar esse tipo de censura. Seria brutal o retrocesso cultural, podendo acabar com a publicação de biografias no país. Mas que ninguém pense que tanta contradição é fruto da ambiguidade própria de um artista de sensibilidade, na qual não caberiam essas materializações políticas. O foco do compositor é essencialmente material. Encaixa como ninguém em Caetano aquele jargão do “fulano sendo fulano”, usado para identificar atitudes muito marcantes em uma pessoa. Caetano está sempre sendo Caetano, como ele faz agora com esta apresentação que pretendia fazer para os miseráveis manipulados pelo grupo político de Boulos, que ambiciona até ser candidato a presidente da República.
O compositor é um manipulador da mídia, habilidade que exerce desde a ditadura militar. Claro que o sucesso dessa utilização se deve aos benefícios mútuos. Ele fornece à imprensa material que pode ser transformado em notícias supostamente polêmicas. O custo é baixo, com pouca necessidade de trabalho jornalístico, na reportagem ou pesquisa. Dá para fazer pelo celular, inclusive vídeos e fotos. Às vezes até pelo email. Caetano é garantia de audiência, com baixo custo para as empresas e nenhuma necessidade de esforço do jornalista. Esta barganha facilitada vem dando certo, tanto é que com ela construiu para si um prestígio superestimado como artista. Não que ele não tenha uma obra, não é disso que estou falando. O que ocorre é que hábeis jogadas de exploração das mais variadas situações vêm garantindo para ele durante anos uma evidência exagerada em relação à sua real qualidade artística. É até injusto na comparação com profissionais de altíssimo nível, que ficam fora da mídia, ocupada o tempo todo por ele como fenomenal artista brasileiro, graças ao seu poder de manipulação conjugado com uma imprensa de valores editoriais cada vez mais baixos.
Bem, veremos como ficará no futuro, com a obrigatória acomodação do fato político à dimensão artística de cada um. Teremos então a avaliação da obra e não das performances casuais. Na questão propriamente artística ele próprio sabe que na memória nacional não há jeito de ser mantido este alargamento forçado na atualidade. E na questão política, dependendo do que poderá ser feito para ao menos minimizar a tremenda crise que está só no começo, Caetano corre o risco de ser lembrado com desprezo e talvez até com ódio pelos brasileiros que no futuro terão que segurar este terrível rojão que foi acendido por seus companheiros atuais.
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POR José Pires
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Imagem- Caetano e uma dileta companheira quando estava no poder: para ele, foi golpe