A tal da mostra “Queermuseu”, patrocinada pelo Banco Santander em Porto Alegre e logo repudiada pelo próprio Banco, que mandou fechá-la antes que completasse um mês de exibição, é um espetáculo interessante que serve de reflexão sobre o atual momento cultural brasileiro.
Não é de hoje que este banco espanhol tem dificuldades na sua relação política e cultural com o Brasil. Anteriormente a diretoria do banco já havia demonstrado espantosa incompetência, seguida de uma covardia que reforçou a impressão de falta de responsabilidade. Foi naquele episódio no primeiro mandato de Dilma Rousseff, da carta enviada pelo banco a seus correntistas com um alerta sobre dificuldades na economia brasileira. Como se viu depois, a avaliação era correta. Ocorre que na época o Santander voltou atrás e demitiu a funcionária que redigiu a carta, depois de Lula reclamar em público, com aquela fineza peculiar dele, quando seu partido estava no poder. Tirem as crianças da sala, que lá vai o que o Lula disse: “essa moça não entende porra nenhuma de Brasil e de governo Dilma”.
Da mesma forma que agora, recuando diante de previsíveis pressões o Santander demonstrou uma tremenda incompetência de planejamento. Não dá para saber o que o banco pretendia com aquela avaliação rigorosa sobre economia, ainda mais indo de encontro a um governo autoritário. E também é um mistério o objetivo do patrocínio de um projeto de tendência artística claramente da militância homossexual radical. Sim, isto existe. E faz mais mal do que bem ao debate sobre direitos civis. Mas, quanto à exposição, nenhuma pessoa mais responsável da diretoria do banco teve a ideia de dar uma passadinha na mostra antes da abertura ao público?
E neste ponto, creio que já é hora de pedir calma às militâncias. Que a esquerda não jogue pedra em mim nem a direita me aplauda. Parafraseando o guru petista, os dois lados não entendem porra nenhuma de cultura, muito menos de arte. Tudo que eu não quero na cultura do meu país é a influência determinante de um curador de esquerda, com carteirinha de partido, como essa figura que dirige a mostra, Gaudêncio Fidélis, grudado em cargo nomeado em governos de esquerda no Rio Grande do Sul desde o governo brizolista de Alceu Colares, até o governo petista de Tarso Genro. Imaginem a liberdade artística de sua equipe. Mas também não quero movimentos de rua decidindo o que eu posso ver e determinando qual é o papel da arte. Kim Kataguiri não me representa como curador, nem seus colegas de movimento, que por sinal não foi pra isso que recebeu apoio nas ruas.
Mas, voltando, o banco Santander parece dirigido por idiotas políticos e os artistas da mostra são uns bravateiros. Vejam uma explicação do banco para acabar com a exibição: "O objetivo do Santander Cultural é incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia”. Mas, espera aí, como se faz para debater “grandes questões do mundo contemporâneo” sem “gerar desrespeito ou discórdia”, ainda mais organizando uma exposição de fundo gay, lésbico e transgênero? É desse modo que ela vinha sendo apresentada, antes do quiproquó que levou ao fechamento. Com o pega-pra-capar que direita e esquerda vem fazendo com este tema, talvez o Santander pretendesse finalmente apaziguar os espíritos com esta mostra.
E quanto aos responsáveis pela mostra, cabe um questionamento sobre os objetivos, digamos, de seu conceito de arte, que pelo pouco que deu para ser visto na internet é um projeto provocativo, com um radicalismo pouco visto na cultura brasileira. Vocês já devem ter ouvido falar dos quadros da “criança viada” e da imagem de Cristo usada ironicamente. Parece coisa inventada pela direita, não é mesmo? Pois esse negócio da “criança viada” existe mesmo, em quadros muito ruins, que se baseiam em um projeto anterior muito estranho. Publico um deles para vocês sentirem a barra. Imaginem as outras “obras” que não deu pra ver.
Ora, articulando em uma grande mostra materiais de alto teor explosivo de provocação, pode-se concluir então que a reação agressiva comandada pelo MBL fez os organizadores e artistas atingirem seu propósito. Mas não é nada disso. Esse é o pessoal que vive tentando repetir o que foi feito por Marcel Duchamp, o que é exatamente o contrário do que ele propôs. É o problema de toda leitura torta. E cabe lembrar que Duchamp correu riscos. E o centro da proposta desse pessoal bravateiro é ter o risco apenas na aparência. É uma das atividades mais bacanas que existe, o radicalismo bancado pelo Estado e pela burocracia cultural de esquerda que domina hoje em dia inclusive o acesso às verbas culturais da iniciativa privada.
Dessa forma, cuspir nos outros virou um meio de vida, que até agora eles vinham levando na maciota, sem a consequência do radicalismo verdadeiro e também sem a coragem de verdadeiros criadores que abriram caminhos muito interessantes na ampliação da liberdade de percepção artística. Como eu disse, não se sabe o que o Santander pretendia com o patrocínio dessa coisa, mas somos nós que teremos agora de suportar um debate com muita ignorância e agressividade dos dois lados — esquerda e direita —, que aproveitam o assunto para tentar um controle sobre a vida dos outros. É a valentia de bravateiros até agora escudados em verbas oficiais e do outro lado um movimento de rua que está indo “além das sandálias”, para fechar com a significativa frase do lendário pintor Apeles ao sapateiro que depois de uma explicação técnica sobre calçados queria também opinar na feitura do quadro que ele estava pintando.
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POR José Pires
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Imagem- Obras da mostra “Queermuseu”; imaginem o resto