A cobertura dessas eleições pela imprensa brasileira segue na mesma linha das outras eleições. O noticiário carece muito de profundidade. Investem demais na fofoca, num diz que diz que preenche espaços com informações vazias, um material que perde o sentido de um dia para o outro nos impressos e, na internet, muitas vezes não chega a durar nem uma hora.
O jornalista publica a nota e dali a pouco vem um desmentido. Como o que foi escrito não tem base substancial, fica uma versão contra a outra. E aí é de se perguntar se o profissional cumpriu a função já que, na prática, o leitor é que tem que se virar. Mas o problemas mesmo é para quem só viu a nota sem o desmentido. Então fica com um lado só. O da nota que muitas vezes é plantada desavergonhosamente.
Esse tipo de notícia costuma se transformar em correntes repassadas por e-mail pela internet. Às vezes pode até parecer bem divertido quando isso atinge pessoas ou partidos realmente de má qualidade, mas este é o tipo de procedimento que deve sempre ser criticado, pois é uma bomba que atinge qualquer alvo. No final, perdem todos, porque a própria credibilidade das informações vai sendo gradativamente desmoralizada.
Querem um exemplo. Vejam uma nota publicada hoje por Monica Bérgamo em sua coluna na Folha de S. Paulo e republicada pela internet afora. Eu poderia pegar vários outros exemplos, mas fiquemos com este porque toca em figuras exponenciais da nossa política e também prejudica diretamente o esforço de milhares de pessoas envolvidas numa campanha política. Vai na íntegra.
"Fernando Henrique Cardoso confidenciou a interlocutor de sua mais absoluta confiança recentemente que tem sérias dúvidas sobre a possibilidade de José Serra (PSDB-SP) vencer a eleição presidencial. "E olha que estou tentando ajudar", disse o ex-presidente, atualmente em tour pelo exterior - com retorno previsto para o dia 2."
É impressionante que um profissional digite tal coisa. A nota traz até uma declaração aspada do ex-presidente da República. Segundo a jornalista, ele falou isso para um "interlocutor".
Bem, FHC não nasceu ontem nem anteontem em política. É o decano dos decanos, até porque além de fazer, política também sempre foi seu objeto de estudo. E o ex-presidente também já disse em entrevistas antigas que sabe muito bem como funciona este negócio do "interlocutor" que repassa falas de pessoas importante para jornalistas.
Ele disse que quando foi presidente conversava com certos políticos em seu gabinete e logo saiam notícias sobre o que falaram na reunião. Muitas vezes o que saía era só coisa da cabeça do "interlocutor", invenções para se favorecer ou para fortalecer os laços pessoais que todo político gosta de ter com jornalistas. FHC disse também que sabia perfeitamente de quem vinha essas notas plantadas.
Então, das duas uma. A nota da Folha não é verdadeira ou FHC está plantando uma notícia contra o candidato de seu partido, o seu amigo Serra. Nem vou discutir muito a primeira hipótese e a segunda a gente mata propondo uma pergunta bem absurda e cuja resposta é óbvia: FHC estaria gagá? Sim, porque se ele estivesse plantando notícias para ajudar Dilma Rousseff a vencer esta eleição ele só poderia estar caducando.
Não é respeitável profissionalmente escrever algo assim. E um jornal publicar é ainda pior, pois então poderíamos, dentro desta linha, propor uma enormidade de notas deliciosas para a Folha. Vamos fazer uma? Lá vai.
"O presidente Lula confidenciou a interlocutor de sua mais absoluta confiança recentemente que tem sérias dúvidas sobre a possibilidade de Dilma Roussef (PT-RS) vencer a eleição presidencial. "E olha que estou tentando muito ajudar", disse o presidente."
Ficou bacana, não? É até mais verossímil que a nota da Mônica Bergamo, porque todos sabem que Lula está mesmo tentando muito ajudar sua candidata. Mas é totalmente falsa. Não gosto de jargão, mas aqui vale o manjado da nota de três reais para as duas notas.
Além da falta de substância dessas duas notas, de nada de real que sustente o que Monica Bérgamo escreveu e o que foi parodiado por mim, existe também um jogo desleal com que tem responsabilidades que possam ser afetadas por esse tipo de jornalismo. A pessoa só tem duas possibilidades (novamente duas, é o jornalismo do é preto ou branco): ou deixa como está e não fala nada, o que é um problema porque fica a versão; ou desmente a nota, o que renova o assunto.
Quem ganha com isso é o jornalista e só ele. Ou posa de bem muito bem informado porque não houve refutação ou ganha outra nota com um teor parecido, renovando um assunto onde ele se destaca como possuidor agora de duas fontes importantes, o tal "interlocutor" e o ex-presidente FHC.
E o leitor, como fica o leitor, certamente deve estar perguntando... o leitor. Bem, eu e você, nós todos que somos leitores, perdemos como sempre. E duplamente de novo. Ficamos sem informação e também perdemos o nosso tempo.
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POR José Pires