quarta-feira, 17 de julho de 2024

Donald Trump e J.D. Vance: o apetite pelo poder se serve do prato cuspido no passado

Já faz alguns dias que a direita brasileira está envolvida em um intenso debate nas redes sociais sobre confiança política, com os bolsonaristas remexendo no passado de alguns ativistas para denunciar discrepâncias graves de posicionamento político com relação ao grande líder da tigrada, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Figuras de destaque que hoje em dia garantem que foram fiéis a Bolsonaro a vida toda, na verdade fizeram ataques pesados a ele, antes da sua eleição e durante o governo. 


Uma parcela de bolsonaristas cobra pelo menos um mea culpa público dessa turma que agora resolve comer com voraz apetite no prato em que cuspiu. Quem esteve sempre com Bolsonaro está morrendo de ciúmes dos novos amores políticos. A briga é para ter a proximidade política privilegiada a um líder populista com apelo de massas, mas nessa disputa de lealdade pesa também o foco financeiro, com ambos os lados de olho na lucrativa monetização das redes sociais. Bolsonaro dá voto, mas também dá dinheiro. Ele ainda concentra um grande número de seguidores, com uma grande audiência nas redes sociais, abrindo a possibilidade de faturamento alto com internautas ávidos de ouvir quem diga que afinal não são tão idiotas assim.

 

Jornalistas e youtubers que buscam seduzir a multidão de camiseta verde-amarela posam de adoradores daquele que chamam de “mito” e chegam a definir como “missão” seus textos e falas bajuladoras, mas a verdade é que nessa batalha para decidir quem é mais puxa-saco de Bolsonaro pesa bastante o ganho financeiro nas redes sociais. É um esforço brutal para dizer o que a massa digital bolsonarista prefere ouvir, seja no aplauso incondicional até mesmo às cretinices do ex-presidente, como também nos ataques pesados aos seus adversários, com o uso até mesmo de manipulações e mentiras.


Pois este embate pela integridade entre passado e presente da direita local ganha um material interessante com a definição da chapa da candidatura de Donald Trump, nos Estados Unidos, onde encaixou-se como vice o senador republicano J. D. Vance. Acontece que ele tem um passado recente como oposicionista ferrenho de Trump, bem mais até que grande parte dos políticos do partido de Joe Biden. Vance chegou a afirmar que Trump seria o “Hitler da América”.


Mesmo o mais empedernido adversário de Trump há de concordar com a opinião de Vance, não o de agora, mas o de antes de aparecer essa vantajosa oportunidade como vice. Há um vasto material de xingamentos não só ao titular da chapa, como também aos seguidores do ex-presidente, classificados como pessimistas e cínicos. O furor destrutivo faz lembrar de um outro vice que também destratava pesadamente seu colega, antes de surgir a chance de ocupar o poder. Vance não chegou a dizer que Trump quer voltar ao local do crime, no entanto agora também firmou parceria para o retorno do atiçador da invasão do Capitólio.


Mas que não se pense que Vance tem sérias discórdias com o colega de chapa. Mesmo no passado, os insultos eram mera disputa de espaço. Com a eleição de Trump, a ambição por poder anulou sua severa visão. E politicamente ele sempre foi um clone de Trump, como bem disse o presidente Biden. É um boquirroto do mesmo nível, incapaz de ser equilibrado mesmo em relação a antigos parceiros internacionais dos Estados Unidos. Sobre a recente vitória eleitoral dos trabalhistas no parlamento inglês, ele afirmou que o Reino Unido é "o primeiro país islamita na posse de armas nucleares". Isso serve como aperitivos do que pode vir por aí em matéria de desavenças internacionais, caso a dupla tenha sucesso. Não será só o presidente falando besteiras.


Suas falas anteriores sobre Trump, que já correm a internet, certamente terão ampla exposição na disputa eleitoral americana, com a divulgação evidentemente patrocinada pela campanha de Joe Biden. É difícil pegar mais pesado com Trump. Em entrevista à Bloomberg em 2016, ele disse que fazia parte do movimento contra Trump e que só pessimistas ou cínicos votariam nele. Também igualou Trump à droga heroína e o comparou a um dos piores crápulas do mundo, Richard Nixon, obrigado a renunciar à presidência com o escândalo de Watergate. Seu atual parceiro de chapa, que pretende ajudar a voltar à Casa Branca, “é um idiota cínico como Nixon”, ele disse.


Com isso tudo, como fica a política de depuração pretendida por alguns na direita brasileira? Lembrem que o exemplo vem de cima. Com o acerto entre Trump e seu antigo desafeto, J. D. Vance, parece que todas as porteiras se abrem na direita internacional, independente do teor de ataques, insultos ou qualquer outra pesada divergência do passado. Não cabe respeito algum por doutrina política, até porque doutrina alguma existe. Nem mesmo o compromisso com a honra e a dignidade está acima da ambição por dinheiro, fama e poder. Tudo depende do acerto com o inimigo, que pode muito bem dividir a mesma cama, mesmo que tenha habitado outros leitos.

. . . . . . . . . . . . . . .

Por José Pires