segunda-feira, 31 de outubro de 2022


 

domingo, 30 de outubro de 2022


 

sábado, 29 de outubro de 2022

A disputa entre Jair Bolsonaro e Lula chega à hora do voto: o eleitor que se vire para decidir pelo menos ruim

Tenho acompanhado com certa vergonha alheia o desconforto de apoiadores de Lula e dos que pretendem dar seu voto ao candidato do PT — são duas coisas diferentes: tem os que votam por gosto e muitos votam em Lula apenas para derrotar Jair Bolsonaro. Essa observação acontece não só nas redes sociais, mas pode ser feita também nos programas de televisão retransmitidos, inclusive com recortes, nas redes sociais. É visível o constrangimento pelo apoio a um candidato que não reúne predicados para comandar o país numa complicada situação interna, agravada pelo que acontece em todo o mundo, quando os terráqueos dormem com uma má notícia, com o sono perturbado pelo medo de acordar com outra ainda pior.


Sempre é difícil votar por exclusão, mas a atitude é ainda mais delicada quando o candidato que, em tese, figuraria como um mal menor para o país, se envolve numa campanha de baixa qualidade política, caindo de cabeça num vale tudo com momentos até piores do que o adversário costuma fazer. Neste caso, a justificativa do voto fica mesmo apenas com a necessidade de se livrar de um estorvo, que tratando-se de Bolsonaro é um dos piores da nossa história. Só que é razoável que numa campanha se estabeleça um clima favorável à posterior governabilidade. Pois se for eleito, Lula terá muita dificuldade neste aspecto.


A campanha do candidato do PT chegou a tentar a criação de um clima de união suprapartidária, com a sociedade civil abraçando uma ampla frente democrática com o objetivo da reconstrução nacional. De fato, este seria um sentido político que poderia criar uma razoável harmonia no interesse não só do bem comum, mas como prevenção contra dias piores, que certamente virão. Mas foi só propaganda política, até porque é difícil levantar esta bandeira tendo à frente, no comando, exatamente um partido que no poder avacalhou a democracia no país.


Mas relaxem. Com esta classe política que resultou da suprema decadência brasileira, pelo menos não sofremos a angústia das expectativas inviáveis, porque a experiência garante que, dessa forma, não tem como esta coisa deixar de não dar certo. O Brasil vai se dar mal com um governo que vem sendo encaminhado com as barbaridades vistas nesta eleição, seja qual for o próximo presidente.


Vamos nos fixar, entretanto, nas possibilidades da eleição de Lula, que na terrível condição deste segundo turno, onde entramos de modo totalmente errado exatamente pela armação dos esquemas do desmonte das outras candidaturas que poderiam qualificar o primeiro turno. O PT teve que demolir essas candidaturas, articulando em bastidores obscuros a destruição, uma por uma, eliminando preferencialmente aquelas com tendência de crescimento.


O partido de Lula sempre fez essa armação de um cenário eleitoral favorável para no mínimo eleger uma bancada grande, que garanta a dinheirama do fundo eleitoral. Nessa eleição, a estratégia era vital. Um primeiro turno com candidatos competitivos certamente tiraria Lula do segundo turno. A prova disso é sua performance neste final, quando tem dificuldade até de debater com um sujeito de tão pouca qualificação em oratória e conteúdo, como Bolsonaro. A fragilidade de Lula é tanta que ele se abala até com um Padre Kelmon.


O debate da noite deste domingo, com dois homens despreparados para ser presidente de um país que vive uma crise próxima do insuperável, me fez lembrar do famoso debate entre Lula e Fernando Collor, em 1989, na primeira eleição presidencial depois da ditadura militar. A recuperação do comando civil no Brasil já começou errada. A partir daquele debate, o país viveu décadas revendo a fake news pioneira criada pelo PT, que afirma até hoje que a derrota petista se deu em razão da edição feita pela TV Globo nas cenas do debate, divulgadas depois no noticiário.


É mentira — ou fake news, como se diz hoje em dia. Assisti a este debate, ao vivo, a única forma que era possível naquela época. Lula diante de Collor. Foi uma decepção para muitos brasileiros, que viam na derrota de Collor uma chance melhor para o país se desenvolver e criar um ambiente social mais equilibrado — não era o meu caso: meu apoio ao PT foi só por exclusão. Eu vi o partido do Lula ser criado em São Paulo, conhecia bem a tigrada. E mesmo assim quebramos a cara. Anos depois, Lula disse que foi um erro o apoio ao PT contra Collor. Sua afirmação foi de que ele e seu partido não estavam mesmo preparados para governar o país.


Já então, os petistas agiam sem limites contra o setor democrático. Com setores militares ainda insatisfeitos com a abertura democrática, os petistas batiam forte em quem estava perto. Derrubaram a candidatura de Leonel Brizola, que por pouco deixou de ir ao segundo turno. Foi nesta derrubada de Brizola que a TV Globo ajudou Lula, mas desse assunto os petistas não gostam. Era mais fácil para Collor derrotar Lula, o que era minha opinião na época e de tantos outros democratas, no entanto, os petistas agiram como sempre ignorando o alerta. Lula teve 11.622.673 votos, para Brizola foram 11.168.228. E o candidato da estrela vermelha amarelou na frente da direita.


Décadas se passaram e no debate deste domingo foi possível assistir novamente Lula se rendendo à frente de um adversário desqualificado. A cúpula do PT já sabia dessa fragilidade, tanto é que desde o sufoco com o Padre Kelmon evitaram expor o candidato a um embate sério, com jornalistas ou adversários.


Neste domingo, o candidato do PT teve dificuldade de encarar Bolsonaro, fugia do olhar do candidato à reeleição, escapava para a tribuna no fundo do cenário do debate, logo que terminava de se queixar do cerco que o adversário lhe fazia, com acusações que podem até ser criticadas pelo tom, mas jamais por não serem verdadeiras.


É a mesma dificuldade de caráter que mostrou na frente de Collor, que para mim é um sentimento psicológico de quem sabe que é um usurpador. Em 1989, com a ajuda da TV Globo, atropelou Brizola, Mário Covas e outros políticos muito mais firmes. Foi ao segundo turno como um intruso, incapaz de vencer o embate.


Na eleição atual, articulou pesadamente para acabar com as outras candidaturas, servindo-se para isso — e sabe-se lá a que preço — de tucanos traidores de seu próprio partido. A imprensa também garantiu espaço para suas manobras traiçoeiras, com a parceria providencial de institutos de pesquisas. Já estava plenamente avisado que não daria conta do confronto com Bolsonaro, tanto é assim que teve que apelar para as maiores baixarias, até com desinformação brutal, como as acusações de que o adversário é “canibal” e “pedófilo”.


A derrubada de candidaturas no primeiro turno teve um papel importante na cristalização de um sentimento conservador, bem mais à direita, entre as massas. Este é o único movimento espontâneo atual entre a população brasileira. Este sentimento tem o emblema da bandeira nacional, estendida na frente de casas e de prédios durante todo o ano. No campo da esquerda, restou como suporte apenas o tradicional aparelhamento do estado, que inclui sindicatos e setores com poder no meio acadêmico, além da novidade do aparelhamento intenso nas áreas das artes, por meio de dinheiro público que banca burocratas da cultura e até mesmo nas assessorias culturais de empresas privadas.


Ao destruir candidaturas no primeiro turno, o PT ajudou muito na ampliação — e cristalização, como eu disse — desse sentimento conservador. A materialização desse fabuloso capital político está na tomada do Congresso Nacional por deputados e senadores à direita, eleitos com muitos votos. Parabéns, Lula e companheiros. O nome popular disso é tiro no pé. Candidatos mais equilibrados, políticos de centro ou mesmo de esquerda, muito mais capazes para a construção democrática, foram varridos para fora do debate político. Perderam feio nesta eleição, o que era óbvio que ocorreria quando seus partidos ficaram sem candidatura presidencial, essencial na relação eleitoral junto à população. O PL de Bolsonaro elegeu a maior bancada. A sigla emblemática do centro, o PSDB, traído pela cúpula partidária e pelo vice do Lula, virou um partido nanico e deve fechar.


Com a falta de apoio no Congresso e um vazio político estabelecido por uma candidatura sem propostas e que fez campanha pela negação do adversário e não pelas qualidades próprias do candidato, se Lula for eleito terá que governar pressionado pela direita, sem condições políticas de estabelecer um caminho de transição razoável entre estes quatro anos muito difíceis de Bolsonaro e a viabilização de um projeto de nação que contenha ao menos bom senso e equilíbrio.


Uma explicação interessante sobre este ponto delicado em que o Brasil foi colocado pode ser extraída de uma declaração de Simone Tebet, que abraçou Lula neste segundo turno com a sofreguidão de alguém que pode se afogar politicamente se não se encaixar no poder nos próximos quatro anos. Foi involuntária a conceituação sobre o nosso sufoco, como um ato falho.


Do alto de seus 4% de votos e com a língua como sempre embaralhando as sílabas, a senadora Tebet disse que pulou de “um penhasco político” ao apoiar Lula no segundo turno. Sim, foi isso mesmo que ela disse. Vejam na íntegra: “Eu sabia que seria a decisão mais importante e mais arriscada da minha vida política. Eu praticamente mergulhei num abismo, pulei de um penhasco político, mas o fiz por convicção“.


Mergulhar num abismo “por convicção” é muito interessante como tese política. Outra explicação que também serve para definir este momento crucial do nosso país pode ser extraída do pensamento do grande Millôr Fernandes, que me veio à cabeça quando li este devaneio desatinado da senadora. É um desenho do Millôr, de um homem que caiu do alto de um edifício e que durante a queda, ali pelo sexto andar, pensa o seguinte: “Até aqui, tudo bem”.


Este é o estado a que chegamos agora, na hora de votar em dois candidatos que a maioria dos brasileiros sabe que não têm capacidade de dar conta do enfrentamento duro que vem pela frente. A situação é muito grave, mas posso dizer que até aqui tudo bem.

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POR José Pires

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Lula e Jair Bolsonaro na hora da decisão de um vale-tudo que não termina neste dia 30 de outubro

Está chegando, enfim, o dia da decisão da eleição para presidente da República, mas já pode-se ter a certeza de que o resultado vai trazer ainda mais divisão entre os brasileiros, seja quem for o eleito. De Bolsonaro não se deve esperar outra coisa que não seja a continuidade da confusão desses quatro anos de governo. Se tiver um segundo mandato, ele vai contar inclusive com uma ampla maioria de parlamentares que podem contribuir bastante na sua prática de um desgoverno que impede até o atendimento do que seus eleitores esperam.


Fala-se muito que teremos uma composição mais ampla de direita no Congresso Nacional, mas na minha opinião esta é uma avaliação equivocada entre o caldo de cultura o que pode ser visto como um forte traço conservadorismo da nossa população e os reais interesses dos deputados e senadores eleitos. De fato, a eleição deste ano foi uma vitória de lavada sobre a esquerda, que teve partidos e candidaturas destroçados na estratégia furiosa de Lula para garantir um espaço privilegiado ainda no primeiro turno, no entanto, ao contrário do que se diz, não existe uma direita orgânica a nível do Legislativo, do mesmo modo que uma vitória de Bolsonaro também não estabelece um governo de direita no país.


Este capital político está presente nas massas, em parcela ampla da população que atinge mesmo eleitores atuais de Lula, que vão optar pelo petista apenas para tirar Bolsonaro do poder. Tampouco existe um “bolsonarismo”, que é nada mais que um rótulo, aceitável apenas na definição dos seguidores mais radicais de Jair Bolsonaro. A tendência conservadora do povo, em uma ampla parcela da população que prestigia a campanha de Bolsonaro e estende espontaneamente bandeiras brasileiras o ano inteiro nas fachadas, exige a atenção de partidos com organização nacional e capacidade de criar laços com a sociedade civil.


É neste lado da política que pode-se encontrar ambiente de crescimento político, que será vital nas próximas eleições. Quem correu para o abraço, no apoio a Lula seja qual for a justificativa, terá muita dificuldade com este eleitor. A começar pela reação que virá nas redes sociais assim que der o resultado no dia 30. Além disso, na sombra da esquerda nada cresce sem sujeitar-se à hegemonia do PT. E é claro que isso vai piorar se Lula for eleito.


Neste ponto, cabe destacar que não faço juízo de valor sobre os fatos. Sigo apenas um dever jornalístico, que é o de exercer plenamente o distanciamento crítico, para observar melhor a realidade. Não haveria necessidade desta ressalva, se não estivéssemos vivendo esta situação estúpida no país, com as tentativas de enquadrar as opiniões na alegada luta pela democracia, que trata como “fascista” quem preserva a independência pessoal e profissional. Não vou desenvolver este ponto agora.


É uma discussão que começa pela contradição tragicômica da missão de tirar um empecilho do poder e acabar com os problemas criados pelo seu governo, elegendo para isso um político que fez até pior do que ele como presidente há poucos anos, um passado muita incompetência e sujeira, quando foi criado inclusive o cenário nacional da condição política, econômica e até mesmo moral, que possibilitou a eleição deste péssimo presidente.


Tudo era uma mera jogada do PT, tentando evitar um segundo turno. Na minha opinião, a condução da estratégia foi um desastre para a composição de uma base de governo. Se vencer, Lula terá que depender muito mais dos atuais adversários, pois faltaram votos para seus apoiadores. Parece que as lideranças que se engajaram na encenação da “luta contra fascismo” deixaram de avaliar as consequências disso teria para seus partidos no primeiro turno.


A forma que o PT criou para sua entrada neste segundo turno, seguida pela estratégia política da campanha até agora, vai pelo menos evitar a angústia sobre as expectativas do que virá pela frente. Tranquilizem-se: não existe nenhum risco de não dar errado. Para começar, caso Lula ganhe a eleição, terá que usar o importante período inicial de governo para buscar um entendimento com uma oposição em larguíssima vantagem em qualquer negociação.


Pelo clima criado no vale-tudo, dificilmente ele terá o tradicional período de boa vontade da parte do Legislativo, correndo o risco de enfrentar as ruas ainda no primeiro ano. Uma vitória petista não terá a chancela da consagração pelo voto, não só porque o Brasil tem na atualidade um envolvimento de massa, com uma parcela muito grande de brasileiros contrários ao que Lula representa. Sua campanha também não foi propositiva. E no generalizado fracasso dos partidos que o apoiam foram-se as chances de criar uma base forte.


Lula optou por travar uma disputa aos moldes do adversário, com uma campanha eleitoral de ataques ao adversário, enlameando-se até com muito gosto no terreno da difamação e do fake news, na desinformação geral que os petistas estimularam desde o primeiro turno. Esta forma de fazer política, digamos assim, é outro grave problema político que também começou com o PT, quando Lula mandava em governos que aplicavam rigorosamente o conceito do “nós contra eles”, que é parte essencial do caráter político petista.


A ideia da formação de uma frente ampla pela democracia — vou dispensar as merecidas aspas — restringiu-se às fotografias com um monte de gente, incluindo lideranças políticas, com uma péssima história cronológicas de sustentação desta própria democracia, a começar pela incompetência fenomenal na própria atividade política. Falta também responsabilidade à tigrada, pois sumiu quase todo mundo, quando começou a batida violenta da campanha, no mesmo nível e às vezes até mais baixo do que fazem os que eles chamam de “fascistas”. Seria demais apontar que os “democratas” deveriam procurar influenciar no rumo da campanha ou se todos renderam de vez à pancadaria que privilegia o “janonismo” em vez da união entre os brasileiros?


Aqui temos a falta de compromisso com o que virá depois. Falta também a atenção ao que o PT poderá fazer em um governo conquistado dessa forma. Falava-se em “cheque em branco”, mas desse jeito é até mais escancarado. Mas o que podem fazer seus aliados? No espectro do que deveria ser o centro democrático, que ansiava para obter credibilidade, Lula cercou-se de líderes políticos que já vinham com seus partidos sendo enfraquecidos gradativamente. À esquerda e também pela direita, as ações do próprio Lula e seu partido foram fundamentais na falência agora decretada pelos eleitores.


Alguns, como o partido dos tucanos, foram sendo demolidos por anos pelos petistas e agregados em variadas instituições, como nas universidades. A deputada Marina Silva é outra que sofreu demais. Atualmente é quase uma sem-partido: na Rede, só tem ela e mais um deputado. Como em dez anos ela não conseguiu organizar o partido, sendo obrigada a correr para São Paulo para colher votos entre os petistas, isso pode servir como avaliação sobre sua capacidade como articuladora. Sua Rede alcançou a cláusula de barreira só porque fez “federação” com o Psol, que por sua vez, elegeu 12 deputados em razão da boa votação de Miguel Boulos. Mas muitos psolistas devem estar lamentando que Boulos tenha trocado a candidatura para o governo pelo mandato em Brasília.


O PSB é outro aliado que quebrou a cara. Alinhou-se com Lula em São Paulo, trocando a candidatura de Márcio França ao governo estadual por facilidades na sua eleição para senador. Não deu certo. Perdeu para o astronauta que já foi de Lula e hoje é de Bolsonaro. A aliança do PSB teve até a vergonhosa imposição da esposa de França como vice de Fernando Haddad. Na jogada, entrou até uma primeira suplência para o presidente do Psol. É esse pessoal que diz que vai dar dignidade à política. Na Câmara dos Deputados o PSB diminuiu de 24 para 14 deputados.


E o PDT, que poderia ser um incremento forte como base de um governo do PT, foi destruído no primeiro turno, com os ataques cruéis à candidatura de Ciro Gomes. O tiroteio pesado contra Ciro vitimou o partido todo. Dos 28 deputados eleitos em 2018, o partido caiu para 17 nesta eleição. E tiveram também o fiasco da derrota de Marcelo Freixo, no Rio, em candidatura que fez parte do acordo para o apoio a Lula. Poderiam ter eleito Alessandro Molon senador pelo Rio, que foi prejudicado pelo boicote tanto de Lula quanto pelo PT.


O partido do Lula fez uma boa bancada. Conquistou 12 vagas a mais que em 2018, ficando com 68 deputados. No entanto, não houve um crescimento orgânico do partido. Costumo dizer que de orgânico atualmente, a esquerda só tem o arroz do MST, e olhe lá. Ganhando ou perdendo a eleição para presidente, os petistas estão com uma séria questão a ser tratada, na queda total do na vala dos partidos sem nenhuma qualidade programática. Nem se pode falar em crise de identidade, pois afinal o que é isso hoje em dia para o PT? Diga-se, a propósito, que os petistas estão com dificuldade até de sustentar notas de apoio ao ditador Daniel Ortega ou Nícolas Maduro. Ou mesmo a Vladimir Putin.


O PT virou um partido como qualquer outro, em um sistema que privilegia caciques partidários e depende muito de verbas do fundo partidário. É exemplar a eleição no Paraná da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. O estado serve também como prova da grave dificuldade de gestão em um partido que não revela novas lideranças e que tem dificuldade de relações com a sociedade civil, mantendo poder na atualidade por meio de antigas formas de aparelhamento de sindicatos e instituições, renovado agora em grande parte com verbas na área cultural.


No Paraná, os petistas tiveram que se virar com Roberto Requião como candidato ao governo, depois dele ter sido tocado fora do MDB. Requião encerrou a carreira, perdendo feio já no primeiro turno para Ratinho Júnior. Outros dados mostram a quantas anda o partido: o ex-juiz Sergio Moro foi eleito para o senado e Deltan Dallagnol foi o mais votado para deputado federal. E mesmo Gleisi tendo sido bem votada, sua eleição para deputada não serve de referência como boa gestora. Ela passou os quatro anos saindo nas propagandas gratuitas do partido, além de receber muita atenção da mídia, especialmente neste ano. E mesmo assim a renovação de seu mandato custou caro para o contribuinte. A parceira de Lula gastou dois milhões e seiscentos mil reais na campanha, a dinheirama toda vinda do fundo partidário.

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POR José Pires


quarta-feira, 26 de outubro de 2022


 

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Roberto Jefferson: uma história de tiros nos pés de aliados dos dois lados

A partir do episódio violento deste domingo, com os tiros dados por Roberto Jefferson contra policiais federais, bolsonaristas passaram a fazer nas redes sociais o velho jogo do “toma-que-o-filho-é-teu” tentando passar para o PT a responsabilidade política sobre o antigo cacique do PTB. Atualmente Jefferson é ex-presidente do PTB, mas de fato é ele quem manda no partido.


Afinal, o endoidecido petebista é coisa do PT ou de Bolsonaro? A responsabilidade da existência dele é dos dois lados que disputam este segundo turno, nesta história promíscua que envolve políticos que polarizam apenas na busca de votos. E não estou falando só de Lula e Bolsonaro. É todo um conjunto de espertalhões, que envolve até os que posam como avalistas de sentimentos democráticos que mal se sustentam na propaganda eleitoral ou nos fake news.


O ex-presidente e dono do PTB é um dos elos mais marcantes desse esquema que vem de antes da abertura democrática. Como personalidade é dos mais curiosos nesta trágica cronologia política que impede já há algum tempo que o nosso país avance para uma situação equilibrada, com os desacertos às vezes até muito bem arquitetados pela classe política, que virou um ambiente de ladrões sem a capacidade sequer de estabelecer a corrupção em níveis ao menos razoáveis, algo que já existiu antes nesta atividade e que dava ao país uma sensação de normalidade. Roubavam sem este caráter predatório atual, numa gula corrupta que começou a ficar sem controle a partir da eleição de Lula, ainda no primeiro mandato no governo.


O governo de Fernando Henrique Cardoso havia organizado razoavelmente a roubalheira instalada por José Sarney, depois desse lamentável oligarca ter virado presidente com a morte de Tancredo Neves. Era possível ter governabilidade sem fatiar todo o Governo Federal para dirigentes políticos incompetentes. Fernando Henrique tinha até uma técnica pessoal de controle, que aplicava sobre políticos que sabia que podiam meter a mão sem dó nos cofres públicos. Ele cedia cargos na composição do governo, mas colocava alguém de confiança próximo ao indicado, para evitar um exagero na apropriação dos bens públicos.


Além disso, não houve também a liberação ao aparelhamento do Estado, que evitava-se não por uma qualidade moral dos tucanos, mas porque Fernando Henrique, pelo conhecimento em lições estudadas ainda no tempo de professor da USP, já sabia que o domínio de grupos sobre a máquina administrativa inviabiliza qualquer governo. Houve um equilíbrio até acontecer as negociações para a emenda da reeleição, quando rompeu-se esta relativa harmonia entre o toma-lá-dá-cá e a governabilidade de fato.


Com Lula, esse equilíbrio desandou de vez, abalando até os valores percentuais exigidos por criminosos do colarinho branco, como pode-se ver nos subornos do mensalão e nos números ainda mais fantásticos da corrupção do petrolão. A partir do mensalão petista, ainda no primeiro mandato, o percentual em dinheiro exigido por políticos e o domínio sobre setores importantes do governo foi avançando de tal modo que essa lucratividade espúria foi criando complicações para aplicar a parte fundamental do orçamento público em obras e serviços. Depois, os corruptos se dedicaram à prospecção de mais dinheiro, com o petrolão.


Como a esquerda tem como premissa essencial a crença de que o fim justifica os meios, ainda no primeiro mandato foi criado o mensalão, como forma do governo do PT garantir o pleno controle sobre as votações no Congresso Nacional. Era para o bem do país, é claro. Afinal, este é o sentimento da esquerda, presente até nas tentativas de apagar crimes fenomenais na história de assassinatos e terror do chamado socialismo real, além da cumplicidade com ditaduras atuais que se beneficiam do imaginário religioso marxista, do qual a esquerda não se cura de modo algum.


É no mensalão que Roberto Jefferson teve um papel especial, quando denunciou o esquema de compra do Legislativo. Para quem não acredita em histórias se repetindo, Jefferson era uma espécie de Datena nos anos 1980, quando ficou famoso no programa "O Povo na TV". É onde o populismo costuma buscar vigor junto ao povo. Esqueça a tal da organicidade política da esquerda. Hoje em dia, de orgânico na esquerda só o arroz do MST, e olhe lá.


Jefferson virou político prestigiado, acabou se tornando dono do PTB, partido da base do governo Lula. A fama nacional veio em junho de 2005, com a denúncia do mensalão, feita por causa de desavenças em relação à propinas de campanha, que o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, estaria dificultando que chegasse às suas mãos. Dirceu foi exonerado do cargo, depois foi preso.


O político alucinado que atirou na polícia neste domingo criou forças no governo do PT e anos depois foi acolhido por Bolsonaro, ocupando espaço na confusa ala ideológica do bolsonarismo, no que ajudou seu estridente discurso e a falta de limites, com a experiência antiga como apresentador de programa de baixaria na televisão. Esta relação entre Bolsonaro e Jefferson ainda está para ser melhor explicada, mas pelo que se viu nesses últimos anos, o petebista era peça fundamental nos planos frustrados de radicalização política do presidente. E parece que não foi avisado a tempo que o plano mudou.


Esta parte radical do bolsonarismo é uma grave atrapalhação para a reeleição de Bolsonaro, já tendo sido obviamente apontada pelos políticos profissionais do centrão. A péssima personalidade do presidente pouco ajuda nessas revisões. É o seu jeitão, como dizem a cada burrada dele. Bolsonaro não só não se desfez desses complicadores, como não teve a sensatez de monitorar os movimentos de tipos como Jefferson neste final de campanha.


O episódio dos tiros na polícia resultam desta desatenção a uma bomba que explode em má hora. Um acontecimento desses na última semana torna ainda mais imprevisível uma eleição sobre a qual já estava difícil opinar com segurança sobre seu resultado. A experiência em campanha torna óbvio que, pela sua personalidade conturbada, Jefferson é o escorpião da fábula. Foi um erro manter até agora este perigo mantido no cangote, mas até na fábula se nota pouca atenção crítica ao espírito do sapo.


Bolsonaro vinha obtendo sucesso na sua performance como um sujeito equilibrado, espantosamente exercendo o papel em entrevista e nos debates, dispensando até a ajuda de uma camisa de força. Claro que ajudou também o medo de Lula de se colocar frente a frente com ele. Entretanto, é óbvio que um apoiador de alto escalão dando tiro na polícia complica bastante. Não duvido que entre o círculo mais estreito de Bolsonaro haja muita lamentação. Já estava claro que se fosse possível ter contido a péssima personalidade do próprio Bolsonaro desde janeiro deste ano, teria sido grande a chance dele ganhar esta eleição, talvez ainda no primeiro turno. Os tiros podem atrapalhar bastante o conserto que parece que fava resultado.


Lula é um adversário que facilita as coisas nesta campanha para o bolsonarismo até num caso espantoso como este. Com qualquer outro oponente, já poderia ser cravado com certeza o resultado desse episódio violento na votação de Bolsonaro. Um adversário sem nenhuma relação com quem apertou o gatilho nem teria que acelerar na reta final para deixar Bolsonaro para trás. No entanto, as relações estreitas que existiram de Jefferson com Lula e seu partido mantém a incógnita sobre o efeito na eleição. Em razão disso, pode até não haver estrago a ser considerado.


Esta é a herança bendita do governo do PT para o bolsonarismo. O que aconteceu nos governos petistas foi escandaloso em proporção exagerada até em termos mundiais. A possibilidade de Lula ser eleito novamente é vexatório para nosso país. O que estabeleceu um vigor eleitoral para Bolsonaro é que com Lula como candidato dá até vergonha de ser brasileiro, o que digo sem nenhum sentido retórico: é mesmo humilhante. É provável que uma parcela considerável dos que vão votar em Lula fará isso apenas porque é demais reeleger um presidente imprestável como Bolsonaro.


Mas não é fácil tomar esta decisão, que pode ser em futuro próximo um peso na consciência. Os que justificam o apoio atual a Lula em nome da defesa da democracia brasileira devem estar descartando o enorme mal que Lula fez a esta mesma democracia, inclusive na criação das condições que deu vigor à direita, fazendo de tudo para o partido ir ao segundo turno com Bolsonaro, batendo pesado durante a campanha em candidatos democratas, com o chefão do PT errando em oferecer o poste Fernando Haddad, que tinha pouca chance de evitar a eleição de Bolsonaro em 2018.


São inúmeras as provas do legado de desgraças petistas. Fiquemos numa delas, exemplar do que o PT fez com o país. É tão absurda a cena dos R$ 51 milhões encontrados em 2017 pela Polícia Federal dentro de caixas e malas em um apartamento em Salvador de Geddel Vieira Lima, que o episódio parece algo que fica na lembrança como mais uma minissérie exagerada de tempos atrás. Nada disso. Aconteceu de fato, com uma figura política influente nas quatro eleições do PT e que teve poder durante os governos petistas. E nesta eleição, Geddel está plenamente atuante na campanha de Lula, ainda mais entusiasmado pela impunidade que se prevê caso o PT ganhe a eleição.


A verdade é que, numa nação séria, para um crime desses estaria garantida prisão até agora para o culpado. Condenado a 14 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, Geddel foi preso em julho de 2017. No início de setembro de 2021 já estava no semiaberto, concedido pelo ministro Edson Fachin, o mesmo que — ora, que coincidência — livrou Lula da cadeia. Se Lula for eleito, é capaz de Geddel ainda ser condecorado com a Ordem do Rio Branco, ou qualquer outra “honraria” que quiser. E ainda que Bolsonaro seja reeleito, nada vai acontecer com ele e outros corruptos que deveriam estar presos, pois os arroubos lavajatistas do presidente e atual candidato acabam antes do Ano Novo.


Até agora, esta é a previsão garantida. Só vão ocorrer mudanças que garantam que nada terá que ser mudado a partir de janeiro do ano que vem.


sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A censura à rádio Jovem Pan e a ameaça ao direito do brasileiro falar o que pensa

Não que fosse necessário algo para complicar a crise política brasileira, mas o Judiciário resolveu extrapolar as piores expectativas: censura à imprensa me parece que é um pouco demais. Depois de determinações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) restringindo a cobertura eleitoral da Jovem Pan, a emissora veiculou um editorial tratando a decisão como “censura” e também emitiu um comunicado interno com observações aos jornalistas e comentarista políticos da emissora.


Um trecho deste comunicado revela de forma tragicômica que vivemos um período perigoso para a liberdade de expressão, quando — sem trocadilho — pisca sem parar o sinal vermelho, em alerta sobre o perigo que corre este sofrido país. E o perigo é duplo, com um presidente que é marcadamente descumpridor de leis e um ex-presidente que quer voltar ao poder, agora mais animado com o clima de impunidade.


"Caros, com base em decisão do TSE proferida nesta segunda-feira”, diz o texto da Jovem Pan, “estamos orientados pelo jurídico a não utilizar as seguintes expressões nos programas da casa: Ex-presidiário, Descondenado, Ladrão, Corrupto, Chefe de organização criminosa”.


O cuidado da direção da emissora procede. O descumprimento da decisão do TSE pode levar ao direito de resposta e também multa de R$ 25 mil e a remoção dos conteúdos. Essas coisas não são novidade em período eleitoral. No entanto, a prevenção neste caso é em razão da censura decretada pelo tribunal que cuida exclusivamente da eleição.


Dois pontos desta decisão do TSE estão correndo misturados pelos sites e redes sociais e cabe separar o que é medida ordinária e o que é censura. Houve o atendimento de pedido de retirada de conteúdo e direito de resposta da campanha de Lula, o que faz parte dos procedimentos jurídicos relativos às campanhas políticas. Está dentro das quatro linhas, como se diz.


O que é grave é a ação de censura da parte do TSE, com o tribunal especificando inclusive assuntos que não poderão ser abordados na emissora. Presunção de inocência não vale nem para ler o futuro. Neste caso não cabe meias-palavras, como as relativizações que eu vejo sendo feitas por aí, além de atitudes ainda mais vergonhosas, de jornalistas posicionando-se favoravelmente a este abuso contra a Jovem Pan. Trata-se de censura prévia. E ainda com o agravante desta censura favorecer o candidato do PT, em uma eleição especialmente importante, em meio às complicações políticas e econômicas sofridas pelo país.


Claro que não é necessário dizer que as palavras proibidas na Jovem Pan se referem a Lula, candidato do PT. A proibição feita à Jovem Pan se estende até aos ilusionismos que Lula vem tentando enfiar na cabeça dos brasileiros. Na ação acatada pelo TSE, os advogados da campanha do PT encaixaram um trecho de comentário político que desagradou ao partido.


Vamos a ele: "O Lula falando no debate que ele foi inocentado em duas instâncias da ONU. Será que esse vídeo, esse trecho do debate, também vai ser retirado? Porque é uma grande fake news isso, que até agora ninguém se manifestou".


Pois é. O TSE determinou que a emissora não permita comentários ou notícias que digam que o petista mente sobre ter sido inocentado. Nada pode ser dito contrariando a inocência de Lula — sacramentada “em julgamento na ONU”, além de ter sido em “duas instâncias na organização internacional”, segundo o próprio.


Será que teremos jurisprudência sobre o tema? Espero que haja liberdade para ao menos rir quando Lula afirmar com a maior cara de pau que foi inocentado em “duas instâncias” da ONU. Mas, tirando a piada, me parece evidente que o clima que foi criado neste segundo turno estimula o que havia de pior em matéria de teorias de conspiração e das especulações mais variadas sobre as intenções dos dois candidatos.


E caso Lula ganhe a eleição, que agrado mais apropriado à sua explícita vontade de se vingar de adversários e de reescrever a recente história política do país, a começar pela decretação de que nunca se viu na história deste país alguém mais inocente do que ele.


Penso também que a medida fortalece também os argumentos de Bolsonaro e da sua massa de eleitores, sobre perseguição do TSE, além da acusação de estar havendo favorecimento ao candidato do PT. É mais um elemento, dentre uma porção de acontecimentos, que vão ao encontro das queixas do candidato da direita. Com tanta coisa no mínimo mal explicada, quem vai segurar depois a multidão?


E no que toca ao direito da totalidade dos brasileiros, na abertura ao debate de tudo que se relaciona aos dois candidatos neste segundo turno, a decisão contra a Jovem Pan cria também um clima de intimidação, que no final é o sentido da censura. Não é só na proibição de conteúdo que a censura à imprensa exerce um papel autoritário. O efeito se multiplica na imposição do medo generalizado entre a população, de expor opiniões com liberdade, mesmo na informalidade dos encontros entre amigos.


Este cala-boca é mais um ruído negativo nesta eleição que tem tudo para acabar mal, independente de quem for o vitorioso. Teve até o papelão — se é que foi só isso — das pesquisas que já davam como praticamente certa a eleição de Lula no primeiro turno, além da derrota de senadores e governadores fora do círculo do PT, vários deles eleitos ou passando para o segundo turno.


Não preciso dizer que não tenho nenhuma convergência de opinião com o que vem sendo dito por vários jornalistas e comentaristas da Jovem Pan, desde muito antes até de Bolsonaro receber o destaque que o levou a se eleger presidente. Até já escrevi sobre isso. Porém, prefiro ter desgosto com opiniões alheias do que ter o desgosto de vê-las censuradas, sabendo inclusive que uma consequência da aceitação da injustiça com os outros é que ela jamais fica restrita aos adversários.


A Jovem Pan também nunca escondeu que tem um lado nesta eleição. Mas é preciso dizer que a emissora tem também jornalistas e comentaristas que se posicionam favoravelmente ao PT. Além disso, é o candidato Lula que se recusa a participar de entrevistas e de debates. Lula tem este comportamento sem transparência com várias emissoras. O petista já foi convidado por várias delas, inclusive a Jovem Pan. Nunca aceita, talvez por não gostar de se expor onde não tem a garantia de que não será questionado sobre temas fora do interesse da sua campanha.


E quanto às preferências, cabe lembrar que o chefão petista recebe uma atenção bastante parcial da maioria da imprensa, seja dos veículos ou de uma porção de jornalistas. Não se vê nem mesmo aquele distanciamento, que tecnicamente é fundamental na profissão, tanto é assim que não entenderam o fenômeno de massas a favor da direita que houve no primeiro turno, com isso informando muito mal o público.


Ah, sim: com certeza este movimento social vai entrar no ano que vem ainda com mais vigor. Com censura ou sem censura, que nem tem a necessidade de ser usada em uma democracia. Para qualquer político que acha que está havendo alguma contrariedade legal, que pode ocorrer não só em relação ao período eleitoral, existe uma carrada de leis que servem para resolver a questão. Se algum inocentado sentir-se ofendido, basta buscar a Justiça. E claro que a Justiça não pode atropelar a Constituição.


A decisão do TSE vai contra a liberdade de expressão, garantida pela Constituição. Tanto é assim, que a ministra Carmen Lúcia teve dúvidas antes de dar o voto favorável à decisão do TSE. A ministra chegou a perguntar se não estavam dando um passo contrário a um direito constitucional, no caminho da censura. Pois deram. É censura prévia, que espero que seja logo derrubada no STF. No entanto, o mal já está feito, trazendo ainda mais perturbação política, que se junta às tantas que já formam uma confusão que impede o país de ter um foco sobre o que realmente importa nas nossas vidas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Lula e o PT partem para o vale tudo que fortalece a campanha de Jair Bolsonaro

Assisto com grande interesse ao enlameamento generalizado neste segundo turno, com o PT aderindo com gosto à chamada “janonização” na campanha de Lula. Já temos um resultado aparente a dez dias da eleição, com a animação que toma conta dos apoiadores de Jair Bolsonaro, a partir do efeito surpreendente que colocou o candidato da direita no papel de vítima. Como os petistas entraram no jogo do bolsonarismo, como consequência naturalizou-se a maldade da direita, inclusive com a justificativa de que daqui por diante mesmo o mais asqueroso fake news será apenas uma reação.


O bolsonarismo também recebeu com os golpes um revigoramento impressionante, até com a emoção da necessidade de lutar por um legado. Os petistas acabaram tendo reavivamento do sentido de missão, que é um fundamento essencial da militância bolsonarista, até em razão da direita ter sérias dificuldades de doutrina e da sua precariedade em conhecimento político. Nos dias finais de um segundo turno, é enorme o proveito que pode-se tirar de uma movimentação como esta.


Outro ponto que vejo nesta questão é que a equivalência de métodos sujos não me parece ser convincente para a principal tarefa do PT neste segundo turno, que é ganhar a confiança dos eleitores de Ciro Gomes e de Simone Tebet, com maior interesse em quem votou na candidata do MDB no primeiro turno. Creio que não se pode ter dúvida de que será difícil encontrar gente que votou em Simone em razão da sua violência e grosseria contra adversários.


Daí a minha suspeita, digamos assim, de que não é exatamente pelo jogo sujo que Lula poderia chamar para si esse tipo de eleitor. Vejam bem: não faço essas considerações a partir de princípios éticos. Estou tratando simplesmente de campanha política, especialmente na questão do marketing. O termo “janonização” acabou pegando, mas não vejo o jogo sujo a partir desta definição, que surgiu com a entrada do deputado André Janones para pegar pesado a favor de Lula.


A sujeira em campanha é coisa antiga no PT, desde a fundação do partido do Lula. Ou ninguém se lembra do xingamento de “herança maldita”, contra Fernando Henrique Cardoso e seu partido, que saiu do governo deixando a casa arrumada para Lula? Outro exemplo é dos ataques ainda mais questionáveis à Marina Silva, em 2014, quando a ex-companheira que agora volta aos braços de Lula foi acusada de estar à serviço dos banqueiros.


Aliás, a acusação fraudulenta apontava essa ameaça na presença como coordenador de programa de governo de Marina a educadora Neca Setúbal, herdeira do Itaú, que agora também dá seu apoio a Lula. Bem, já disse aqui que se preparem os que aceitam Lula sem avaliar bem o produto. Como dizia o poeta: meninos, eu vi! Sujam-se bastante as mãos, quando se tenta limpar a imagem de Lula. Ainda sobre o estilo petista em 2014, para evitar que Marina fosse para o segundo turno, a campanha do PT afirmou que ela iria tirar a comida da mesa dos pobres. No final, quem tirou a comida dos pobres foi Dilma Rousseff. Sua queda, logo depois, serve muito bem para exemplificar o resultado final de certos métodos para alcançar o poder.


Na campanha atual, Janones apenas personaliza a estratégia de golpes baixos, que faz parte da trajetória do PT, desde sua origem. A diferença é que os petistas disfarçavam melhor o “janonismo”. Como eu já disse noutro post, aqui mesmo, não vejo a partir dessa forma de fazer política uma boa orientação para um futuro governo. E não vou questionar, nem como pergunta retórica, se no poder esta truculência será mantida. O PT já fez isso em quatro mandatos consecutivos. E agora Lula nem disfarça sua sede de vingança.


Parte fundamental dos votos de Lula no primeiro turno é pela rejeição a Bolsonaro, evidentemente com um referencial importante na repulsa aos métodos da direita. A última pesquisa Quaest diz que, dos que votam em Lula, 54% tem como motivo eleger Lula, 41% é para tirar Bolsonaro. O que se deve avaliar é qual é a proporção que aceita um vale tudo para alcançar a vitória. E se houver esse abandono de princípios, como se faz depois para reformular eticamente as atitudes?


Por ora, o que se pode acompanhar nas redes sociais é que os petistas se renderam ao jogo sujo, com uma parcela considerável de seguidores de Lula até orgulhosos das incríveis fake news produzidas pela campanha, de deixar o Carluxo vermelho de inveja. Em live com influenciadores e comunicadores, nesta terça-feira, Randolfe Rodrigues orientou a militância a espalhar nas redes o caso das venezuelanas, de onde saiu a acusação de “pedófilo” a Bolsonaro.


“Aquela cena horrenda aliciando adolescentes de 13, 14 anos não pode desaparecer das redes”, disse Randolfe, contrariando até mesmo a determinação de Alexandre de Moraes, que ordenou a exclusão. Por muito menos, Moraes chegou até a mandar prender parlamentar, mas sabemos que desta vez vai ficar por isso mesmo.


A esquerda entra com tudo na era do “janonismo”, talvez até acreditando que de fato não existe pecado do lado de baixo do Equador. O próprio deputado Janones já explicou sua técnica, afirmando “estar combatendo o bolsonarismo de igual para igual”, que serve até como uma auto-incriminação. Como o bolsonarismo é chamado de “fascismo” e até de ‘nazismo”, iguala-se então ao horror. Os auto-intitulados defensores da democracia estariam usando as armas do fasccismo, é isso? Ora, já no primeiro turno o pessoal de Ciro Gomes viu que de fato é bem assim.


Mas e o resultado dessa habilidade toda? Olha, pode ser que eu seja um homem muito das antigas, envolvido demais no interesse do aprofundamento e do esclarecimento, nessa disposição antiquada de ponderar, procurando ler com atenção sobre o tema em questão, até voltando ao estudo de certos pontos históricos e da teoria política, mas me cabe repassar o que aprendi em tantos anos envolvido em coisas tão fora de moda: não sei de situação nenhuma em que, do ponto de vista da defesa da democracia e da qualidade de governo, o uso das mesmas armas do inimigo tenha dado em resultado de qualidade.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Debate entre Lula e Bolsonaro: o partido que sempre bateu com impunidade, agora também leva

Já se nota em certos sites e nas redes sociais um esforço para amenizar o baque sofrido por Lula no debate com Jair Bolsonaro na TV Bandeirantes, no entanto o que se viu, na verdade, foi um passeio bem controlado por Bolsonaro e um embate angustiante para Lula, que nervosamente chegou até a descuidar da administração do próprio tempo de fala, presenteando o adversário num trecho do debate com largo tempo para que este fizesse praticamente uma live com uma série de acusações aos governos petistas em que Lula mandava.


Mais uma vez cai por terra o mito que criava a falsa imagem de um Lula de alta capacidade discursiva, bom de debate e dotado de um carisma imbatível. Lula forjou esta imagem falsa nos confrontos, ano após ano, com adversários de princípios democráticos e adeptos da discussão de divergências em um nível de respeito pessoal. Bons tempos aqueles, para Lula: ele batia e não levava de volta. Agora com a direita não é assim, muito menos com Bolsonaro. Como foi possível ver em debate anterior, Lula treme e fica nervoso até com figuras de menor destaque político, como aconteceu na sua desestabilização psicológica durante discussão há três semanas com o chamado padre Kelmon.


Tem um lado divertido assistir ao chefão do PT perder o rebolado na frente de um dos políticos mais grosseiros que este país já teve que suportar, depois dele ter batido com crueldade em figuras mais elegantes e respeitosas, como fez muitas vezes com José Serra e Marina Silva, ou mesmo com Geraldo Alckmin, que antes de formar com o PT para “a volta à cena do crime” era tratado com cassetadas em disputas do passado — entre outros xingamentos, ele era chamado de “assassino de Pinheirinho” pela companheirada de Lula.


Os tucanos tiveram seu partido destruído depois de décadas tratando o PT com elegância. Isso faz lembrar o poeta francês Arthur Rimbaud, no desalento da sua famosa frase: “Por delicadeza, perdi a minha vida”. Os tucanos perderam tudo para Lula, que ainda tem ao seu lado no palanque o traidor da sigla, Geraldo Alckmin, berrando “Volta, Lula!”. Já a direita não tem tempo para a poesia, menos ainda para a delicadeza. Lula sabe disso. Nota-se seu desconforto no palco, quando ele encontra um oponente com uma visão diferente da antiga reverência dos tucanos à lenda fraudulenta criada por seu partido do líder popular apegado a valores democráticos.


Quem quiser aceitar este Lula de propaganda, que corra o risco, mas depois não justifique este grave erro com a desculpa de ter sido enganado. Terá depois de suportar no poder um partido que não consegue sequer se desligar de ditadores assassinos como Fidel Castro, Nícolas Maduro e Daniel Ortega, do qual Lula tem uma nostalgia sentimental, do tempo em que ambos festejavam a revolução que implantou uma ditadura sanguinária e corrupta na Nicarágua. Até hoje Lula apoia Ortega.


Lula tem sido claro sobre o que pretende fazer se for eleito. No debate da noite deste domingo destacam-se posicionamentos seus que na hipótese de sua eleição devem envolver o Brasil em graves confusões, talvez impondo medidas que complicarão bastante nosso futuro. Um de seus planos é o de estabelecer a estranha regra de que a investigação firme sobre a corrupção, com a devida punição de culpados, coloca em risco as empresas brasileiras, prejudicando inclusive a criação de tecnologia nacional da parte de estatais e empreiteiras que atuam em obras públicas. Em vez da limpeza, anula-se a possibilidade de uma Lava Jato.


Provavelmente, o candidato petista deve ter bolado esta técnica de administração pública quando esteve preso por corrupção. Foi na prisão que Antonio Gramsci criou a teoria da hegemonia, com a substituição da violência revolucionária pela construção de um consenso cultural gradativo em relação à ideologia comunista. Lula vem com a ideia de que não se deve combater a corrupção — na sua visão, ao invés do roubo aos cofres públicos, o que que prejudica o país é a dos ladrões.


No debate de ontem, o candidato petista veio inclusive com uma novidade ideológica que aponta para mais conflitos que podem causar graves confusões futuras, complicando a vida brasileira com conflitos inoportunos e de pouca efetividade. É uma daquelas brigas políticas que ocorrem por décadas, dividindo os brasileiros e causando apenas dissabores ao país. O petista anunciou a criação de um “Ministério Indígena”, chefiado, segundo ele, por um índio. Isso é nada mais que uma ideologia étnica firmando-se no Estado brasileiro. Os identitários não tem limites. A proposta de Lula é muito parecida com certas questões trazidas pela esquerda chilena na nova Constituição, rechaçadas por mais de 60 % de votos recentemente naquele país.


Um dos pontos controvertidos da nova Constituição fragmentava a nação chilena, trazendo a ideia de um “Estado plurinacional”, inclusive com o estabelecimento de "tribunais indígenas”. Lula ainda não chegou a este ponto. Mas a inclusão desta ideia identitária no Estado brasileiro é um primeiro passo que, se for dado, como os brasileiros sabem bem, poderá depois avançar sobre limites até do bom senso.


No debate da TV Bandeirantes, o que se discutiu foi a corrupção nos governos do PT e a irresponsabilidade de Bolsonaro como governante durante a pandemia. Não tenho dúvida sobre os crimes de responsabilidade praticados por Bolsonaro neste período dramático, no entanto críticas neste aspecto ficam difíceis para Lula, porque o PT e ele próprio não aceitaram os apelos da tomada das ruas para a criação de uma pressão popular para o impeachment do presidente. Lula optou pela manutenção de Bolsonaro, que tinha como um adversário fácil nesta eleição.


A estratégia lembra bastante a idiotice do PSDB de Fernando Henrique Cardoso durante o envolvimento do PT no mensalão, quando os tucanos optaram por deixar Lula “sangrar” para ser derrotado mais facilmente na tentativa da reeleição. Bem, não precisa dizer quem foi que de fato sangrou. A receita também desandou quando foi Lula que revelou-se como uma contraposição que beneficia Bolsonaro. Sua presença normaliza até os piores defeitos do presidente.


O clima de conturbação da campanha do PT demonstra que Bolsonaro não é tão fácil assim de derrotar. A agressividade não é comum em um candidato que chegou na frente. E o agravante é que as técnicas do bolsonarismo repletas de maldade e falsidade acabam sendo normalizadas pela estratégia petista de um segundo turno de ataques que não dispensam mentiras e manipulações.


O impeachment teria sido uma solução democrática que evitaria problemas que agora enfrentamos, abrindo a possibilidade da organização de um quadro eleitoral favorável à ampliação da qualidade política no Legislativo. Lula e seu partido, no entanto, boicotaram todos os esforços nesse sentido. O que tivemos então foi uma eleição com um amplo crescimento da direita, que a partir do ano que vem terá um domínio no Congresso Nacional. Sobreveio igualmente um extraordinário fenômeno de massas que deu sustentação a Bolsonaro em um segundo turno, com um estímulo no ânimo de seus seguidores, mais entusiasmados ainda para a sua reeleição.


E a esquerda viu-se numa condição de descompasso com os eleitores, numa dificuldade evidente de se comunicar com naturalidade com grande parte dos brasileiros. Em razão de exageros identitários, até sobre questões religiosas impõe-se uma posição defensiva, do mesmo modo que acontece com valores morais e de comportamento. É bobagem tentar deixar de ver que existe atualmente uma tendência natural de amplas massas pela via do conservadorismo ou mesmo da direita mais reacionária. Este é um processo espontâneo (e não estou tratando aqui da baixa qualidade política e cultural disso), enquanto a esquerda é obrigada a fazer propaganda pesada para seduzir os eleitores, apelando inclusive ao marketing da manipulação e da fabricação de mentiras, espalhada até pelos cantos mais obscuros da internet.


Não é possível ver na estratégia de campanha de Lula um compromisso sério com o futuro do seu próprio projeto político, que do jeito que está é apenas projeto de poder. Não estabelece uma interação com a sociedade. Se Lula for eleito, sua estratégia de vale tudo abraçada nesta campanha projeta um clima de confusão e desgoverno difícil de administrar a partir do ano que vem. Não existem propostas bem fundamentadas, nenhuma política pública para enfrentar problemas graves, sobre questões muito preocupantes da atualidade, nem mesmo para situações que beiram o colapso, como acontece com meio ambiente. As alianças são obviamente de mera partilha do governo. Haja cargos para tanta gente.


Se houver a eleição de Lula, esta vitória carregará a marca da disseminação de fake news, ataques ao adversário com informações manipuladas e tiradas do contexto. Ganha-se por propostas e melhor visão do que pode ser feito pelo Brasil? Não, ganha-se porque o adversário é canibal e pedófilo.


O enlameamento da esquerda é tão desgastante que Lula conseguiu a proeza de permitir a Bolsonaro fazer-se de vítima em dois casos que serão tratados como emblemáticos na política brasileira. No jargão ridículo do próprio petista, nunca antes neste país se viu baixaria igual. Vai servir como objeto de estudo das eleições brasileiras, entre as maiores armações em campanhas eleitorais no Brasil: a acusação de canibalismo e a tentativa de envolver Bolsonaro com a pedofilia. Ao futuro estudo servirá como prova da indução marqueteira o uso por Lula durante o debate de um broche no paletó com o símbolo da campanha de combate à exploração sexual de crianças.


A jogada politiqueira da pedofilia é tão absurda que o ministro Alexandre de Moraes rapidamente mandou tirar do ar, ainda sem equilibrar o alto número de vitórias da campanha do PT junto ao TSE, mas pelo menos fazendo justiça neste caso. O problema é que Moraes não tem poder para tirar o assunto da cabeça das pessoas. A manipulação espalha-se pelas redes sociais, causando brigas terríveis em grupos de WhatsApp. O ministro tampouco poderá evitar o revide da direita, que certamente virá ainda nesta eleição, muito menos a interminável guerra a partir do ano que vem.


A esquerda enveredou por um rumo que nada tem a ver com o que se espera desse lado da política. Estou falando de qualidades apenas supostas, isso é que é a verdade. Mas de qualquer modo são características sem as quais não é possível estabelecer diferenças, mesmo que seja apenas no terreno da linguagem, que no caso já está lançada na sarjeta. Tudo bem, ninguém vai discordar que o bolsonarismo joga bruto em política, porém a manipulação e a mentira não traz vantagens para a esquerda da forma natural que ocorre para a direita.


E nem cabe vir com a velha conversa do fim que justifica os meios. Aí então teríamos que situar apenas a vitória eleitoral como justificativa dos meios usados para tanto. Eu não tenho dúvida alguma de que política feita dessa forma não abre espaço de jeito nenhum para a governabilidade e a proposição de maior qualidade para a vida dos brasileiros.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022


 


 

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Bolsonaro, Lula e o fascismo como uma palavrinha a mais na política brasileira

Com cinco dias de horário eleitoral neste segundo turno, até agora o que se viu nos programas é um candidato que parece desesperado para ganhar votos e outro que administra o tempo de rádio e televisão com mais tranquilidade, trabalhando para marcar uma imagem de equilíbrio. Bem, tudo estaria normal, se o primeiro candidato de que estou falando fosse Jair Bolsonaro e o outro fosse Lula, afinal o petista entrou nesta fase final da eleição à frente de Bolsonaro, de modo que o marketing deveria trabalhar para firmar essa votação com razoável temperança, palavra que anda desaparecida da gramática e da vida brasileira.


Quem está na frente numa eleição tem que obrigatoriamente usar de moderação na comunicação. Como não é incomum que ataques sejam mal interpretados pelo eleitor e os tiros reverterem para o próprio pé de quem puxou o gatilho, o político que está na frente tem mais a perder do que ganhar em um ambiente de conflito. Como suposto favorito, o candidato do PT deveria estar explorando suas qualidades de modo institucional, em vez de partir para o ataque.


Mas é exatamente um clima de briga que Lula está buscando nos programas do horário eleitoral. Não parece preocupado com as pessoas se matando por política, como costuma dizer em discursos. Ataques pesados a Bolsonaro já começaram no primeiro programa e seguem até agora, quando o petista trouxe a impressionante acusação de que o adversário é um canibal. A criação petista lembra os ataques desleais do PT quando Marina Silva estava para ir ao segundo turno, em 2014.


Na época, Marina foi até acusada de planejar acabar com o pré-sal. O PT acabou com a então candidata, aniquilou a chance do país ter um grande partido como uma via ecológica à esquerda. A condição ambiental terrível de agora em todo o mundo permite uma avaliação retrospectiva do tanto que foi destruído pelo PT há cerca de duas décadas em termos de política de desenvolvimento. Espero que durante a luta em defesa da democracia tirem um tempinho para defender também o meio ambiente.


Mas o que é que Marina Silva tem a ver com Bolsonaro, em matéria de embate eleitoral? Afinal, Bolsonaro é do mal e ela é tão boazinha, não? Puxei de propósito a ex-companheira que voltou aos braços de Lula, porque em razão do comportamento asqueroso de Bolsonaro e de suas maldades, criou-se uma flexibilização da ética que pode fixar a noção falsa de que a imoralidade é relativa ao uso que se faz dela. O PT cresceu fazendo uso da aceitação de golpes baixos quando isso lhe convém, até que seu relativismo hipócrita resultou numa monstruosidade à direita.


A única prova de que Bolsonaro é um canibal pode ser colhida apenas como metáfora, na deglutição dos métodos petistas para adquirir força política e ganhar a eleição para presidente em 2018. O bolsonarismo é antropofagia total, devorando o legado do PT. Agora, ainda há pouco, houve outra canibalização do que os petistas costumam fazer no poder, com o uso eleitoral por Bolsonaro do Auxílio Brasil, que só foi possível porque em quatro mandatos com Lula mandando no governo federal, o PT não implantou nenhuma assistência social na forma de política pública. É sempre como se fosse uma esmola, deixando os mais pobres na condição de massa de manobra. E Bolsonaro gostou da coisa.


É a velha história do bico entortado pelo uso do cachimbo, que tem também o hábito irremovível do “nós contra eles”. Cabe lembrar que isso vem muito lá de trás, logo que começou a abertura democrática no final dos anos 70, que já nasceu com os petistas tratando o lado democrático com mais ferocidade até do que usavam contra os setores mais conservadores. Seus dirigentes sabiam que era desta via progressista que podia-se sugar a força da construção de seu partido.


Tancredo Neves, Franco Montoro, Mário Covas e até mesmo Leonel Brizola, os petistas tratavam mal qualquer um do setor democrático, nos primeiros anos muito difíceis da passagem da ditadura militar para o poder civil. Lula chegou a ser vaiado no enterro de Brizola, de tanto que havia destratado o político gaúcho. Nem Itamar Franco recebeu o apoio do PT no seu corajoso governo de transição, em um período em que setores extremistas entre os militares ainda cobiçavam uma volta ao poder.


Até existe quem minimize as más intenções de Bolsonaro, o que não é o meu caso. Porém, a sua derrota feita desse modo vai com certeza turbinar um ambiente de cultura política de direita que já está estabelecido, em grande parte por responsabilidade de uma esquerda identitária, racialista e de um feminismo partidário e radical, nascida de táticas eleitorais do PT.


Ora, passados quatro mandatos consecutivos petistas, além do PT ter sido governo em vários estados e cidades grandes, o partido de Lula não consegue levar à frente uma campanha sustentada pela exposição de qualidades administrativas e políticas. Lula não tem um partido, mas um paradoxo: o pessoal que propagandeia seus valores políticos precisa apelar, tentando colar no opositor a pecha de canibal. Mais, ainda: os revolucionários da distribuição de renda e do desenvolvimentismo precisam do aval dos economistas tucanos, liberais que viraram banqueiros. Não dá para ter dúvida de que isso vai pesar bastante na hora do eleitor ter que escolher o menos pior.


O partido de Lula faz essas maldades durante disputas eleitorais e depois, perdendo ou ganhando a eleição, acabam ficando sem o controle das consequências sociais. Ganhar de Bolsonaro com fake news de canibalismo vai facilitar para a direita extrair ainda mais força, logo adiante, solidificando o apoio de pelo menos metade da população do país. Imaginem o que se pode fazer politicamente com essa multidão que guarda com fervor a camiseta verde-amarela e a bandeira, para sair às ruas quando é chamada. Mas é assim mesmo: quem chama o adversário de canibal, dificilmente tem noção dos riscos políticos de um vale tudo eleitoral. Ou não está nem aí para as consequências de ganhar a qualquer preço.


É o que vem acontecendo nesta manipulação da linguagem, entre tantas definições que servem apenas como insulto, como no exemplo desta irresponsável conversa de “fascista”, algo que Bolsonaro nunca teve como ideário, além de não ter personalidade firme o suficiente para liderar um movimento com tamanha responsabilidade ideológica. O que o PT vem conseguindo impor, no entanto, é a naturalização desse termo, fora do contexto e sem que população tenha noção do terror que historicamente foi o fascismo. Desse desconhecimento até o “por que não fascismo?” pode ser um pequeno passo.


A direita brasileira não tem plano de ação algum, mas a partir do ano que vem poderá aparecer essa necessidade, com lideranças adquirindo mais noção de que é necessário uma organização, senão ideológica, mas ao menos política, para aproveitar o fenômeno de massas à direita que formou-se durante esta eleição. Tomara que não surja nenhum grande líder para aplicar na prática essa acusação feita pelo PT. Aí a esquerda vai sentir o que é encarar um canibal.