segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

A família Bolsonaro e o inseparável Queiroz

O amigo da família Bolsonaro e ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro, o agora famoso Fabrício Queiroz, poderia ter resolvido fácil a questão dos depósitos descobertos pelo Coaf em sua conta. Como se sabe, houve uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na sua conta, no período entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017. Ele foi assessor do filho do presidente eleito Jair Bolsonaro até dois dias antes do MP solicitar à Justiça autorização para a Operação Furna da Onça, coincidência que torna tudo ainda mais suspeito. Houve também uma sincronia perfeita entre a exoneração de Queiroz e sua filha, Nathalia Melo de Queiroz, nomeada no gabinete de Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados. Pai e filha saíram exatamente no mesmo dia.

Claro que tudo pode ser apenas coincidência, além de haver uma explicação razoável para o fato de Queiroz percorrer 30 diferentes agências bancárias localizadas em 14 bairros cariocas, sacando dinheiro vivo em cada uma delas. Quem é que não tem alguma mania? Como eu disse, existe um jeito fácil de acabar com tanto mistério. Bastaria Queiroz ter o procedimento de qualquer pessoa honesta: pega-se a documentação bancária e qualquer outro documento que justifique a posse de tanto dinheiro e pronto. Nem precisa se apresentar pessoalmente. Havendo algum impedimento de saúde, outra pessoa poderia representá-lo, talvez seu advogado ou até mesmo seu ex-patrão Flávio Bolsonaro, que deve ter interesse no esclarecimento. Qualquer um poderia acabar com as suspeitas, que atingem também Jair Bolsonaro, que dentro de uma semana toma posse como presidente da República.

O caso poderia complicar apenas Flavio Bolsonaro e não seria pouca coisa para um governo que está para começar. Mas existe também o depósito de R$ 24 mil, feito por Queiroz para a futura primeira-dama. A explicação de Bolsonaro não convence, ainda que dê para entender que ir ao banco é de fato uma tarefa muito chata, o que aparentemente não é um problema para Queiroz. Mas o problema não é apenas este depósito. As suspeitas sobre o envolvimento do presidente eleito estão ligadas também ao rodízio de funcionário entre Brasília e o Rio, feito por ele e o filho, em parceria com a família Queiroz.

Nathalia Melo de Queiroz esteve em cargo nomeado no gabinete de Flavio, até dezembro de 2016, quando então passou a servidora de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. No entanto, ficava no Rio, onde trabalhava como personal trainer. No período investigado, Nathalia repassou R$ 97.641,20 para a conta do pai, o que equivale a 99% do pagamento líquido no gabinete do filho de Bolsonaro na Alerj. O caso é cheio de interações familiares, que juntam pais e filhos, com as famílias Queiroz e Bolsonaro entrelaçadas, em meio a muitos saques em dinheiro vivo.

Mas enfim, embora exista um jeito fácil de eliminar tantas suspeitas, até agora nada foi feito. O Queiroz sumiu e o filho de Bolsonaro diz que o problema não é dele. O resultado prático é que o novo governo deve começar com um integrante a mais, ofuscando todos os outros membros da equipe. Ao subir a rampa do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro leva com ele o Queiroz.
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POR José Pires

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Embaixador francês nos EUA põe Bolsonaro em seu devido lugar

Alertei aqui na terça-feira que essas “lives” do presidente eleito Jair Bolsonaro são improdutivas do ponto de vista prático e podem gerar problemas sérios para ele e seu governo. Pois o embaixador da França nos Estados Unidos, Gérard Araud, respondeu aos ataques feitos por Bolsonaro em vídeo ao vivo, que usou para informar que vai revogar o acordo sobre imigração assinado pelo governo Temer junto à ONU. Na sua fala, Bolsonaro havia falado que por causa de problemas gerados pela imigração ficou “insuportável” viver na França. Reproduzida por agências internacionais, a declaração do futuro presidente brasileiro teve resposta do embaixador francês, que foi bem objetivo. “63.880 homicídios no Brasil em 2017, 825 na França. Sem comentários”, ele escreveu no Twitter.

Dada a importância da embaixada, a resposta pode ser vista como um recado do governo francês. E apesar da simploriedade do, digamos, pensamento bolsonarista, o atual governo da França não pode de forma nenhuma ser classificado como esquerdista. Muito ao contrário. A tuitada certeira do embaixador pode servir também para a equipe de Bolsonaro sentir como está a imagem de seu grande líder na Europa. Como diz a moçada, a coisa está tosca. O episódio mostra como o governo Bolsonaro vai se isolando internacionalmente, antes mesmo de começar.

Isso é consequência de um grupo político que tem dificuldade na diferenciação entre papéis políticos. Move-se ainda no automático, em ritmo mental de baixo clero, além de ter dificuldades graves de entendimento até de questões básicas de comunicação política. Em meio a uma transição de governo, rumo a uma administração que com certeza vai encontrar dificuldades jamais vistas anteriormente neste país, em vez de ocupar seu tempo na organização para o enfrentamento do que deve vir pela frente, o futuro presidente se encarrega de arrumar mais encrencas.

Aqui não vou entrar no mérito do posicionamento ideológico de Bolsonaro e de sua equipe, embora eu ache um despropósito a maioria do que dizem que vão fazer. Ele foi eleito para colocar em prática suas ideias. Avalio apenas sua forma de colocá-las em prática, até aqui com efeitos desastrosos mesmo no sentido de suas intenções. Nesse bater de cabeças os bolsonaristas são muito parecidos com petistas. Uma coisa é fazer um esforço de governo para obter vantagem em compromissos internacionais, nos negócios e na política, usando os meios diplomáticos para defender o interesse brasileiro junto aos governos e países estrangeiros. Outra, bem diferente e no geral desastrosa, é um presidente comportando-se como um adolescente em busca de fama rápida como youtuber em vídeos improvisados. É o que Bolsonaro parece nesses vídeos. E vou dizer outra coisa, mesmo para um youtuber a performance está uma porcaria.
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POR José Pires

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Bolsonaro, um complicador para ele mesmo

Para usar o famoso refrão daquele ex-presidente salafrário que acabou sendo preso por corrupção, nunca antes na história deste país um governo deverá começar com tantas complicações criadas por ele próprio do que o governo de Jair Bolsonaro. Este período de transição parece ter servido para a equipe bolsonarista acrescentar alguns problemas muito sérios à tremenda quantidade de graves questões que terão de ser enfrentadas a partir de janeiro.

Nas relações mundiais e na atenção aos graves perigos que afetam um país como o Brasil, de amplas fronteiras e sofrendo as conseqüências de uma grave crise econômica e estrutural, o governo Bolsonaro assume uma receita discutível, copiada literalmente da mania de agir de um governante que conta com um poder político e econômico imensamente superior ao do nosso país, o presidente americano Donald Trump. O governo Bolsonaro pretende enfrentar problemas globais com uma mentalidade fechada em um nacionalismo estreito e psicologicamente na defensiva, calcado em um temor de estranhas conspirações globalistas que, de qualquer forma, não se sabe muito bem de onde virão nem quais inimigos articulam-se com tanta maldade.

No rol de questões que Bolsonaro e sua equipe complicam além do necessário, nesta semana apareceu o Pacto Global para Migração, da ONU. Já foi assinado pelo governo de Michel Temer e o futuro ministro das Relações Exteriores anunciou de imediato que o governo Bolsonaro vai retirar o Brasil do acordo internacional. Na verdade, o futuro governo está aproveitando o acordo para firmar uma posição ideológica à direita. A conversa de que o pacto estimula migração indiscriminada é só isso mesmo: pura conversa. O documento não tem vinculação jurídica e respeita a soberania de cada país, ao contrário do que diz o futuro ministro Ernesto Aragão.

Mas até aí, a tomada de posição é um direito um novo governo que assume. O complicador é o desenvolvimento de posicionamentos internacionais, na sua forma e no seu discurso, o que pode ser constatado pelas declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro, feitas nesta terça-feira em tom informal. Ele fez uma trasmissão ao vivo no Facebook. O sujeito que logo estará no cargo mais alto da República age como um youtuber, tratando de uma decisão da ONU entre comentários sobre assuntos menores. Bolsonaro acha-se um grande comunicador, sem que ninguém o faça lembrar que por causa da facada ele comunicou-se pouco na eleição em que foi vitorioso, o que na minha opinião facilitou sua vitória. E depois, comunicação espontânea é sempre um risco para um governante, especialmente em temas que tocam em questões delicadas para outros países.

Na fala de hoje, ele anunciou que revogará o Pacto Global para Migração, da ONU, Bolsonaro justificou a atitude afirmando que devido à imigração “está simplesmente insuportável viver em alguns lugares”, numa referência óbvia aos islâmicos e extensiva aos demais refugiados. “Vocês sabem da história dessa gente, né?”, ele disse, em referência aos imigrantes na França. “Eles têm algo dentro de si que não abandonam as suas raízes e querem fazer valer a sua cultura, os seus direitos lá de trás, os seus privilégios”. Em informação tirada não se sabe de onde, o futuro presidente afirmou também que sobre isso já existe reclamação de “parte das Forças Armadas” da França.

Deixa estar. Não é improvável que mais adiante, já no exercício do cargo de presidente, Bolsonaro ainda se veja obrigado a desmentir falas como esta, que tocam em assunto que não é da sua alçada, mantendo-se no papel histórico de “vivandeira de quartel”, como falava dele o general Ernesto Geisel, só que agora no plano internacional, com os militares da França. Mas nada disso espanta, vindo de Bolsonaro, sempre incapaz de tocar em qualquer questão sem ser com a mentalidade de político de baixo clero.

A explanação do presidente eleito não tem nada a ver com o problema tratado, conforme eu disse sobre o pacto da ONU que ele promete revogar. O pacto não impõe diretrizes obrigatórias que ferem a soberania. E por conta de seu discurso puramente retórico, com uma difusa posição direitista e de baixa qualidade, independente do mérito da posição de seu governo o Brasil vai assumindo a imagem mundia de um país regido pela grosseria.
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POR José Pires

O sincrético Jair Bolsonaro e o imbróglio das imagens sacras do Alvorada

Para refutar as notícias de que sua mulher estava retirando imagens católicas do Palácio da Alvorada, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que ela é evangélica e ele é católico. Mas espere aí:  Bolsonaro foi batizado em 2016 por um pastor da Assembléia de Deus, o Pastor Everaldo, dirigente do PSC que inclusive usa a denominação religiosa como nome político. Existe um vídeo na internet registrando o batismo evangélico, feito no Rio Jordão, em Israel. Ele levou até os filhos políticos para acompanharem a cerimônia. Um ano depois, quando brigou com o PSC, Bolsonaro disse que o mesmo condutor do rito religioso fazia "negócios com o capeta".

Essa história demonstra a confusão criada por essa proliferação de igrejas, que fazem uso político da fé cristã. Em grande parte não passam de seitas sob o comando de grupos pequenos de auto-intitulados "pastores". Em alguns casos existe um proprietário exclusivo. Tem uma direita católica por aí bastante crítica à "Teologia da libertação". Pois que tal se ocuparem também da "Teologia de ocasião"?

Quando saiu a notícia do batismo de Bolsonaro, para muitas pessoas aquilo teve o significado de uma conversão. Mas é óbvio que foi uma mera jogada política, com a banalização de um rito de entrada em uma religião.

A lembrança feita agora por Bolsonaro de que ele é católico deixa claro que não teve validade o batismo feito pelo pastor de uma outra igreja, o que ultrapassa os limites do bom senso, digamos, teológico, que levar a crer que o ritual é para tornar alguém membro de uma igreja. E pelo que eu sei, a Igreja Católica não aceita que um católico saia por aí experimentando batismos em outras igrejas.

E é esse mesmo pessoal que até recentemente fazia críticas e piadas com o petista Fernando Haddad, por ele ter participado de uma missa católica durante a eleição. Exigiam do adversário político uma coerência que não é seguida entre eles nem no respeito a um batismo cristão.
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POR José Pires

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Governo Bolsonaro: batalhas no Twitter e muita perda de tempo

A equipe do futuro governo Bolsonaro parece que não tem muito o que fazer, pois se ocupa demais com factóides. O presidente eleito, esse com certeza não dá a atenção devida aos chamados assuntos de Estado, pois tem tempo até para intervir com sua autoridade na polêmica bobinha de Jesus Cristo na goiabeira. Ele devia estar, talvez, bastante preocupado é com o nível técnico da ministra nomeada, mas fez uma intervenção no estilo de rede social, entrando nas molecagens que os internautas têm feito com o assunto.

Tudo bem, não fico surpreso com nada disso porque pela carreira de Bolsonaro até agora no baixo clero da Câmara dos Deputados sei que um governo conduzido por ele traz a marca talvez inapagável de uma frase antiga do Barão de Itararé, que diz que “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”. O futuro presidente é um iletrado do baixo clero, com dificuldade de se aplicar ao estudo e ao planejamento, mas nem que seja para aliviar a tensão natural sobre um governo que está para começar, ele devia pelo menos fingir que está fazendo alguma coisa.

Olavo de Carvalho, o guru das ideias que deu a base para essa oportunidade da direita ganhar uma eleição costuma atacar seus adversários chamando-os de "analfabetos funcionais". Azar dele, que da sua filosofia tenha surgido um líder que não lidera nada, a não ser o embate histórico com memes de redes sociais. E que pelo jeito tem bastante tempo a perder, em meio a um governo de transição que vai pegar uma máquina de governo que nunca anteriormente esteve tão sucateada ou mal direcionada.

Até agora o governo se contenta com a criação de factóides, com atitudes impensadas em assuntos que exigem até mais ponderação que o normal. Tem coisa que é séria demais para servir de tema de animação da tigrada na internet. A mais recente é esta rusga besta com Nícolas Maduro, o tragicômico ditador bolivarianista. O futuro governo brasileiro se meteu em uma polêmica internacional sobre o convite para a posse de Bolsonaro. Inicialmente o futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fez graça no Twitter, afirmando que Maduro não foi convidado para a cerimônia em Brasília, porque “não há lugar” para ele “numa celebração da democracia”.

Bem, aí entra a falta do que fazer, aquela ausência de questões sérias para serem encaradas, que é a impressão que dá o comportamento de Bolsonaro e sua equipe. E falta também diplomacia e equilíbrio na articulação de uma relação internacional muito difícil, seja qual for o futuro de Maduro. Com todo o respeito ao sofrimento do povo venezuelano, se o governo Bolsonaro tivesse sensatez devia estar torcendo para que Maduro não caia do poder. Neste caso, pensem na carga de compromisso do Brasil com o caos que pode advir na Venezuela. Para quem precisa organizar de forma totalmente diferente a condução da nossa política externa eu creio que no momento não seria uma tarefa muito interessante. Muito menos com os russos fazendo “exercícios militares” ao lado do ditador venezuelano.

Mas durou pouco a dúvida se o Ernesto convidou ou não a Venezuela. De pronto, o governo Maduro informou que o convite foi feito. E eles estavam certos, conforme o Itamaraty explicou nesta segunda-feira. Primeiro o governo eleito recomendou o convite a “todos os chefes de Estado e de Governo”, afirma uma nota do Itamaraty. “Em um segundo momento”, continua a nota, “foi recebida a recomendação de que Cuba e Venezuela não deveriam mais constar da lista”.

Estão aí um caso onde com certeza não existe por detrás uma conspiração antiglobalista. Se vê que o futuro ministro das Relações Exteriores descuidou de uma tarefa que merece toda a atenção de um bom anfitrião: conferir a lista de convidados. Essa desatenção pode ter ocorrido enquanto a equipe de transição se deleitava com as reações à sua bravura nas redes sociais. Mas não vamos mexer com isso. Parece ser uma questão de estilo. Esperemos então novas mensagens no Twitter para ver como ficará este embate da valente equipe com a ditadura venezuelana.
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POR José Pires

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Imagem- O governo Maduro ganhou a parada com o
ministro de Bolsonaro: “Ernesto nos convidou”.
Foto de Valter Campanato, Agência Brasil

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O A1-5 nos seus cinquenta anos: muito além da memória

Nesta semana tivemos o aniversário do Ato Institucional nº 5, o famoso AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Artur da Costa e Silva, segundo ditador depois do golpe de 1964, que sucedeu ao marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, líder do movimento militar que derrubou o presidente João Goulart e o primeiro militar a ocupar a presidência. O AI-5 vigorou até dezembro de 1978 e foi determinante na vida brasileira. Na sua origem, o ato institucional tem a marca da intolerância com a independência do Legislativo e a liberdade de expressão. Os pretextos foram um discurso do então deputado Márcio Moreira Alves e uma série de artigos do jornalista e deputado Hermano Alves, publicados no diário Correio da Manhã, já extinto. De saída, 11 parlamentares foram cassados no mesmo mês, entre eles os dois deputados. Uma semana antes do AI-5 o Correio da Manhã tivera sua sede explodida por um atentado terrorista.

Foi uma guinada à direita dentro do próprio regime, servindo como instrumento na luta interna entre os militares. A ditadura de 64 nunca teve a unidade política que se apregoa. Pode-se dizer que havia pelo menos dois setores, um deles mais liberal, que com o tempo conseguiu firmar o pé e concluir a abertura política. O presidente eleito Jair Bolsonaro já pegou este processo em andamento, mas na caserna fazia parte da extrema-direita que queria manter a ditadura, numa posição que historicamente mostrou-se totalmente equivocada. No confronto interno com o setor mais moderado, liderado pelo general Ernesto Geisel, esta extrema-direita militar até hoje exaltada por Bolsonaro usava até a violência contra oposicionistas, armava atentados terroristas e infiltrava provocadores em movimentos políticos para criar clima para o retrocesso político.

O decreto de Costa e Silva marca o triunfo da linha dura do movimento de 64 e lançaria o Brasil em um grau de violência política que envolveu censura à imprensa e às artes, cassações e fechamento do Congresso Nacional, prisões, tortura e assassinatos de oposicionistas, mesmo de pessoas com atividade política totalmente pacífica. Ultimamente anda em uso um discurso tosco de uma direita muito mal informada e de má-fé, que tenta impingir a versão de que a repressão da ditadura atingia somente a oposição política violenta e clandestina, com o objetivo de conter o avanço do comunismo. Isso é mentira e política de desinformação. Prisões, torturas e assassinatos atingiram bastante os setores democráticos da oposição, vitimando até mesmo políticos que se opunham absolutamente à luta armada e atividades violentas de grupos minoritários da esquerda. Um exemplo disso, já na finalização da abertura política, é o assassinato do jornalista Wladimir Herzog, que na época da sua morte apenas atuava profissionalmente numa emissora do estatal, a TV Cultura. A violência contra Herzog foi usada em um conflito interno entre a extrema-direita e o governo Geisel.

O AI-5 baixou a censura até sobre jornais conservadores que apoiaram o golpe contra João Goulart, como em O Estado de S. Paulo, um dos mais respeitados diários de então, com uma linha editorial totalmente anticomunista, que teve apreendida sua edição do dia, que trazia um editorial marcante da história do jornalismo brasileiro, “As instituições em frangalhos”. Foram alvos da censura também o semanário O Pasquim, além de Opinião e Movimento, este último tendo sido censurado desde o primeiro número que foi às bancas, sendo obrigado a apresentar aos censores do regime militar todo o material antes de ser publicado. Movimento viveu até uma situação especial, de ter apreendido seu número zero, feito para circular como propaganda informativa de lançamento do jornal.

Trabalhei em Movimento, de seu lançamento em julho de 1975, até o fechamento em novembro de 1981, já sem a censura, mas abalado financeiramente devido aos altos custos criados pela censura. Para ter um jornal impresso era preciso produzir material para pelo menos três. O Opinião também foi liquidado dessa forma. A entrada do AI-5 rebaixou o nível do jornalismo brasileiro de uma forma pesada. Isso pode ser constatado folheando, por exemplo, edições do Jornal do Brasil e Correio da Manhã, dois diários importantes da época, já extintos. O nível de texto e a qualidade política e cultural dos jornais vai num crescendo até o dia da edição do AI-5, quando essa qualidade é afetada drasticamente. Somem as charges e colunas de opinião, num efeito negativo que pode-se sentir em todo os materiais, da área política até a cultural. Os cadernos semanais de cultura, com textos de altíssimo nível, vão minguando até desaparecerem.

É preciso falar mais do desastre que foi a ditadura militar sobre o comportamento dos brasileiros, afetando negativamente a nossa cultura, com a pressão e o afastamento da vida pública dos melhores talentos e o favorecimento de corjas de cafajestes em todos os setores, em especial na área empresarial e financeira. O AI-5 criou até um paradoxo, lamentável para a qualidade da cultura e da imprensa, que foi a supervalorização da atividade militante e dos trabalhos marcadamente de agitação política, favorecendo demais na arte e na cultura os valores de esquerda. Quebrou-se toda uma linha evolutiva cultural, que do ponto onde estamos não dá mais para saber onde é que chegaria. Com o AI-5 essa linha evolutiva desmanchou-se numa terra arrasada. Parte da dramática condição nacional atual vem desse ato de 50 anos atrás, amenizado depois pela abertura política e finalmente com a instalação da democracia. No entanto, ficaram marcas sobre as quais nunca se chegou a uma compreensão plena. Daí a dificuldade até hoje de nos restabelecemos dos terríveis efeitos negativos.
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POR José Pires

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

O grude complicado das famílias Bolsonaro e Queiroz

Os estreitos vínculos das famílias Bolsonaro e Queiroz têm um laço em Brasília, no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. O ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro, o policial militar Fabrício José Carlos Queiroz, tinha transações financeiras atípicas com a filha Nathália Melo de Queiroz, nomeada como assessora no gabinete de Bolsonaro, em Brasília. E agora descobriram que no mesmo período a moça trabalhava como personal trainer no Rio de Janeiro. Esforçada a criatura. Isso faz lembrar a história da assessora de Bolsonaro que vendia açaí na praia. Tanto é assim que já estão chamando a filha de Queiroz de "Nat do Açaí".

Pelo jeito, o deputado Flavio Bolsonaro apreciava o trabalho dos Queiroz. Nathalia já foi de seu gabinete, além da mulher de Fabrício, Márcia Oliveira de Aguiar, e outra filha dele, Evelyn Melo de Queiroz. Nathalia saiu da Alerj no Rio para ser nomeada por Jair Bolsonaro em 2016 como secretária parlamentar na Câmara dos Deputados. Ficou até outubro deste ano, no exato dia em que o pai dela foi também exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Outra coincidência interessante neste enredo com tantos inocentes é que as exonerações ocorreram dois dias antes do Ministério Público solicitar à Justiça autorização para a Operação Furna da Onça, que chegou até as suspeitas movimentações financeiras na Assembleia carioca.

Até agora sabe-se que Fabrício José Carlos Queiroz movimentou com a filha o valor total de R$ 84 mil, depósitos e saques no período em que ela trabalhava para Jair Bolsonaro. Mesmo que não seja comprovada nenhuma ilegalidade da parte do presidente eleito, de qualquer forma essas revelações abalam sua imagem. Fica evidente seu nível medíocre como parlamentar, baixeza política estendida ao filho deputado, agora senador eleito. As encrencas se acumulam para Flávio. O Jornal Nacional já havia descoberto que os depósitos para seu assessor coincidem com o dia de pagamento dos salários na Alerj. E nesta quarta-feira deram a notícia de que uma outra pessoa em cargo nomeado por ele passou metade do tempo fora do Brasil.

Tantas complicações vão fazer Jair Bolsonaro subir a rampa do Palácio do Planalto com a imagem gravemente afetada. O chamado “mito” não sobe com ele. Essa má qualidade política não é novidade para quem acompanha a política de perto. Dava para saber dos péssimos hábitos políticos do presidente eleito enquanto ele seguia carreira como deputado do baixo clero em Brasília. Mas tanta história mal contada deve estar fazendo muita gente passar vergonha depois de comprar brigas com amigos, conhecidos e nas redes sociais, defendendo o presidente como alguém que estava fora da chamada “velha política”.
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POR José Pires

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Bolsonaro: quiproquó na própria casa

Desde a campanha eleitoral Jair Bolsonaro vem batendo no discurso de que sua eleição permitirá uma relação diferente com o Congresso Nacional. Seu ponto de vista é o de um governante eleito sem compromisso direto com os parlamentares, dispensando com isso obrigações políticas que poderiam emperrar as reformas que o país precisa. O processo é mágico. Por esta visão, votações na Câmara dos Deputados e no Senado teriam apenas o referencial do interesse da Nação, algo como o dístico da sua campanha: o Brasil acima de tudo.

Pois é, tem aquela frase antiga do jogador Garrincha, muito boa e engraçada, num comentário sobre um plano perfeito de jogo do técnico, que o levou a perguntar se alguém já tinha combinado com os russos. Com Bolsonaro, o descuido foi doméstico. No esquema perfeito de relação com os políticos faltou combinar antes com sei próprio partido. O PSL rachou com uma briga entre seus notáveis, toda registrada e já repassada pela imprensa, numa das mais cômicas disputas internas que já se viu na política nacional, até com um detalhe muito interessante: os bolsonaristas fazem reuniões secretas pelo WhatsApp. Vejam a falta que faz uma daquelas tias do WhatsApp que alavancaram seu candidato a presidente para explicar aos meninos que não é bem assim.

A briga no partido do Bolsonaro é por espaço e poder a partir do ano que vem na Câmara e mistura a ganância pela presidência da Casa e o comando do partido. Embolados no furdunço destacam-se Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann, os dois deputados federais mais votados, e Major Olímpio, campeão de votos para o Senado por São Paulo. Em meio ao bate-boca, brilham talentos estratégicos, como o do filho de Bolsonaro, que segreda aos correligionários — mas para ficar só no grupo de WhatsApp — que por ordem do presidente eleito faz armações contra a tentativa de reeleição de Rodrigo Maia, do DEM, mas não podia ficar falando disso porque “o Maia pode acelerar pautas bombas”. O garoto é de ouro. Deve ser o Ronaldinho do presidente eleito.

O PSL começará a próxima legislatura rachado, em clima de ódio que dificilmente será aplacado com a reunião já convocada pelo presidente eleito.Ninguém adiantou se terá transmissão secreta em tempo real pelo WhatsApp. O eleitorado está ansioso, até porque com Bolsonaro no papel de pacificador é sinal de que a coisa está mesmo muito feia. Haja articulação para tamanha encrenca. Pelo visto o plano daquela relação muito fácil com a classe política terá de ser trabalhado melhor. Antes, Bolsonaro terá que organizar seu partido na Câmara. E depois disso convém não esquecer que ele terá pela frente muitos russos com quem combinar.
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POR José Pires

Solenidade exemplar

A grande notícia do dia é a do governador Pezão participando do hasteamento da bandeira em presídio de Niterói. Tem até vídeo para o contribuinte apreciar a cerimônia. Está aí um evento oficial que demonstra que o país ainda pode dar certo.

É preciso multiplicar essa cerimônia em pátios de presídios de vários estados brasileiros, com a participação compulsória de muitos governadores e ex-governadores.
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POR José Pires

Modesto Carvalhosa e o impeachment de Lewandowski

O jurista Modesto Carvalhosa entrou com um pedido de impeachment do ministro Ricardo Lewandowski junto ao Senado. A acusação é de quebra de decoro e abuso de poder, devido ao episódio da discussão em um avião entre o ministro do STF e o advogado Cristiano Caiado de Acioli, que o interpelou dizendo que o “STF é uma vergonha”. Lewandowski reagiu mandando a Polícia Federal prender o advogado. Depois do desembarque, Acioli foi detido às 12h30m, ficando à disposição da PF até 19h30m, depois de conduzido por um técnico do STF que estava junto com o ministro no avião.

É uma norma constitucional que confere ao Senado o poder da cassação de um ministro do STF e segundo Carvalhosa a aceitação ou não da petição obrigatoriamente tem que ser decidida pelos senadores em plenário, cabendo ao presidente do Senado apenas o recebimento do pedido e seu encaminhamento.

Não é o que tem sido feito pelo atual presidente Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que felizmente teve sua carreira de senador encerrada este ano pelo eleitorado cearense. Eunício engavetou nove pedidos de impeachment do ministro Gilmar Mendes, algo que para Carvalhosa o senador não poderia ter feito. Na opinião do jurista, o engavetamento dos pedidos também configura abuso de poder.

No pedido de impeachment, Carvalhosa qualifica o episódio da prisão do advogado e a postura do ministro como “um espetáculo triste e sobremodo repugnante” e critica a postura inadequada do ministro que “ao menos formal e publicamente deveria ser a encarnação da serenidade, do equilíbrio e da prudência”. Enfim, tudo o que Lewandowski não é e comprovou neste caso grotesco, que pareceu uma tentativa de intimidar os demais brasileiros que, do mesmo modo, também acham o STF uma vergonha. Em entrevista à rádio Jovem Pan, Carvalhosa lembrou que a interpelação do advogado foi feita de forma respeitosa. “Só faltou chamar de Excelência”, ressaltou.

O pedido de impeachment cria uma situação inesperada. Depois de tantas vezes ter atuado em casos mais importantes contra a luta dos brasileiros pela moralização do nosso país, Lewandowski pode enfrentar uma situação difícil por causa de sua truculência diante da cobrança de um cidadão que teria sido fácil de resolver pelo diálogo. Os senadores também terão um grande desafio, não só pela credibilidade e o respeito jurídico do autor do pedido como também pelo tremendo risco de se colocarem contra uma parte expressiva da população.
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POR José Pires

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Uma vergonha atrás da outra

É muito esclarecedor quando acontecem histórias paralelas como estas do papelão do STF mais uma vez, nesta terça-feira no julgamento do pedido de liberdade ao criminoso Lula, e do vídeo que viralizou na internet com o ministro Ricardo Lewandowski em um avião de carreira chamando a polícia para prender uma pessoa que apenas expressou um sentimento geral: que o STF é uma vergonha.

A carteirada de Lewandowski não faz sentido algum, até porque a verdade foi dita a ele sem nenhuma agressividade, ainda que tenha faltado o "data venia", como o ministro e seus colegas começam discussões grosseiras deles em plenário. Mas faz menos sentido ainda chamar a polícia quando um contribuinte dá sua opinião sobre um trabalho que, afinal é pago pelos brasileiros. O STF deve sim explicações sobre o péssimo trabalho feito, que em vez trazer sensatez e equilíbrio ao país tem o efeito contrário: desmonta o que é feito pelo outros na tentativa de dar um rumo digno ao país.

Por variadas razões o STF é uma vergonha. Uma delas é a própria presença de Lewandowski nessa alta Corte, fazendo o nível descer lá pra baixo. A nomeação dele como ministro é uma das mais fáceis de explicar: foi por uma interferência de dona Mariza, a mulher de Lula, junto ao marido, então presidente da República. Dona Mariza e a esposa de Lewandowski eram muito amigas, daí que a nomeação de um ministro do Supremo deve ter nascido entre troca de fofocas nas tardes do ABC paulista. Não deixa de ser sugestivo para entender a personalidade de Lewandowski, muito bem definida na inapagável frase “Vem cá, você quer ser preso?”. Finalmente este grande jurista encaixa uma frase sua na História.

A presença de Lewandowski no STF dá até vergonha alheia, constrangimento por uma indignidade dessas ter acontecido. Mas o problema não tem apenas esta via. O chamado efeito Tostines desse desacerto institucional dá muitas voltas e precisa ser interrompido, com a renovação do Judiciário brasileiro em suas atitudes, seguindo neste caso um exemplo que vem de baixo, de juízes da primeira instância e de outras instâncias complementares, que mudaram o sentido da aplicação da Justiça no país, impondo a lei contra poderosos. É uma transformação feita pelo trabalho cotidiano de profissionais sérios que vem sofrendo ataques de tipos como este ministro que tenta intimidar a voz das ruas, que afirma com nitidez que o STF é uma vergonha.
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POR José Pires

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Zombando da lei e de todos

Fala-se bastante na insegurança jurídica e no papel que o Supremo Tribunal Federal, o STF, representa nessa dificuldade de se saber o que de fato vale no respeito à lei neste país e na responsabilização dos que ultrapassam o limite legal. Todo mundo sabe que se trata de uma linha maleável, na medida do poder político e financeiro do acusado. Nesse aspecto, a esquerda tem sido muito importante, ainda que de modo involuntário. Na teimosia da defesa do criminoso Lula, os petistas vêm permitindo aos brasileiros ter a plena compreensão do que se passava até agora de forma totalmente velada no âmbito da Justiça, com as maquinações pretensamente jurídicas que se misturam aos bastidores da pior forma de fazer política e de exercer o direito de defesa.

Nesta terça-feira o Brasil passa novamente por um dia tenso, no julgamento pelo STF de mais uma tentativa de manipulação do processo jurídico, o que é bastante facilitado por uma Corte onde valores institucionais e a própria Constituição pesam muito menos que os humores pessoais deste ou daquele ministro. Alguns agem às vezes como se fossem advogados de defesa de maiorais pegos em atitude ilegal, atuando inclusive como se fossem agentes políticos, buscando influenciar a população com opiniões totalmente fora do âmbito de suas atividades e da responsabilidade de cada ministro com a imparcialidade e o resguardo de sua função.

Novamente a tensão social vem de um pedido de liberdade para Lula, o ex-presidente preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e que tem pela frente a possibilidade de outras condenações, em razão da quantidade de provas de mais crimes e do abuso pessoal e partidário com os cofres públicos como nunca se viu neste país. A tese desta nova tentativa da notória banca de advogados do chefão do PT chega a ser ridícula, na alegação de parcialidade de Sérgio Moro por causa de sua nomeação como ministro do próximo governo. Na tentativa de livrar Lula da cadeia, sua defesa levanta uma tese que desmoraliza todo o Judiciário brasileiro e agride também o bom senso, já que a alegação só pararia em pé se for considerado que um juiz de primeira instância exerce o pleno domínio não só sobre todo o âmbito da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal, como também do processo eleitoral brasileiro, com extraordinária capacidade de previsão e manipulação, habilitando-o a dar a vitória a determinado candidato a presidente da República.

Espera-se que o STF não conceda a Lula e seu partido este direito de zombar dos brasileiros, o que pode instaurar uma indignação coletiva sobre a qual se teme as conseqüências. No entanto, o fato da mais alta Corte estar se ocupando de uma tese tão absurda revela uma origem da insegurança jurídica e social que vive o país: é a segurança dada aos acusados de terríveis ilegalidades para que possam fazer de tudo, mesmo com argumentos sem sentido jurídico, agredindo a inteligência dos brasileiros e sua tolerância, com o risco da desmoralização do direito de defesa, trazendo o perigo para a democracia no país. É claro que se o STF se pautasse  no mínimo pelo princípio da razoabilidade, como os próprios ministros costumam dizer, criminoso algum ousaria abusar tanto da nossa paciência.
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POR José Pires