sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A difícil arte de não fazer arte

Fazer cartum ou charge pode até ser divertido. Mas é coisa rápida e sem pretensão artística, até porque uma rápida olhada em um quadro do Miró, por exemplo, basta para botar qualquer cartunista em seu devido lugar.

No Brasil é trabalho duro, pois o mercado é tão restrito que não permite mais nem um certo avanço dentro da própria linguagem do desenho de humor. Desenhistas de alta qualidade, como André François, que fez carreira na França, ou Steinberg, que viveu nos Estados Unidos, esses passariam fome no Brasil se tentassem viver do seu trabalho aqui. Será que é o leitor que não quer coisa melhor? Não dá para saber, pois os editores não deixam passar nada que não esteja no nivel de desenho infantil em que entrou e estacionou a charge e o cartum no Brasil.

Mas, de qualquer jeito, é sempre difícil se contentar com esse trabalho como forma de arte e mais difícil ainda não se sentir muito incomodado depois de algum tempo sentado na prancheta desenhando os mesmos bonecos de sempre. Fazer quadrinhos é pior ainda, pois exige uma enfadonha repetição de desenhos.

Mesmo desenhistas esplêndidos como Harold Foster, do antigo Príncipe Valente, ou o atual Milo Manara ou até mesmo Carl Barks e seus patos, cansam a gente depois de algumas folheadas. Hal Foster e Carl Barks ainda se sustentam mais porque são formidáveis contadores de histórias. Mas Manara nem isso é. Como é que alguém como Manara consegue ter satisfação artística? Como faz para ter satisfação desenhando um ou dois álbuns daqueles, com o mesmo traço, o mesmo naturalismo detalhista onde parece não ter penetrado nenhum dos conhecimentos que a arte moderna trouxe para o ser humano?

É duro, sei bem disso. O elogio “como você desenha bem” só satisfaz até certa idade. Em gente sã não passa dos 25 anos. Alguns podem buscar fugas, como o álcool ou drogas, mas tem meios melhores para sobreviver a esta chateação, mas não vou contar agora.

Mas tenta-se de tudo. O Glauco fundou uma seita, o Verissimo toca sax, mal e porcamente, imagino, mas parece que com mais satisfação do que desenhar suas cobrinhas. O Jaguar bebe feito doido. Outros destroem a saúde com drogas. Descubro agora também que o Laerte se veste de mulher. E depois o maluco sou eu.

Quem tem um pouco mais de sensibilidade, nem que seja só pelo conhecimento que tem de arte, não pode se satisfazer com cartum ou quadrinhos. Isso sem falar nos fãs. Os de cartum ainda são melhores, mas os de quadrinhos são insuportáveis na sua ignorância sobre qualquer outra coisa que não seja quadrinhos.

É claro que isso não é justificativa para ninguém sair por aí vestido como uma perua coroa. A crise do Laerte pode vir de outros fatores, talvez algum que nem possa ser apreendido por linguagem alguma, quanto mais por uma linguagem como a das histórias em quadrinhos, que não permite maiores aprofundamentos.

Um dos grilos do cartunista, que é levantado no momento certo na boa entrevista feita na Bravo por Armando Antenore, é o da velhice, e aí, como dizíamos quando éramos jovens, aí é mesmo broca.

Não existe vantagem alguma em envelhecer. Ninguém fica mais sábio, nem paciente e nem qualquer outra qualidade se agrega de forma natural com o passar dos anos. Um jovem idiota que não se prepara melhor será um velho idiota. O velho chato certamente foi um jovem chato. A jovem sem charme será uma perua velha. E assim por diante.

A velhice pode ser mesmo um saco. E o pior é que a única fuga possível é ainda pior do que ficar velho: é morrer jovem.
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POR José Pires

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