quarta-feira, 2 de março de 2011

Lula em brochuras

Com o fim do segundo mandato de Lula, várias pessoas estão interessadas em escrever sobre ele e seu longo governo, que perdura no governo de Dilma Rousseff. Denise Paraná, a autora de “Lula, o Filho do Brasil”, título que acabou ficando mais lembrado pelo fiasco do longa-metragem, que fazer um novo livro. E André Singer, Francisco de Oliveira e Kennedy Alencar também afirmam que escreverão sobre o lulismo.

Até Fernando Morais arriscou o desejo de fazer uma biografia do Lula, mas esse a gente não conta, porque seu histórico de livro sobre liderança petista empacou naquele que estava fazendo sobre o deputado cassado José Dirceu. Ia ser o livro mais bombástico das paradas, nitroglicerina pura, mas aconteceu de roubarem um computador onde estava armazenado todo o texto. Que peninha, não? Mas é a versão passada por Morais, que pelo jeito não faz nenhuma cópia do que escreve.

O livro de Keneddy Alencar ainda está em andamento. Francisco de Oliveira pretende fazer uma análise sociológica sobre a figura. E André Singer também irá por uma linha parecida, mas evidentemente com uma visão oposta a de Oliveira. Pela conversa de Singer sobre o que pretende, já dá para ver que sua obra será chapa-branca.

Já a Denise Paraná vai além da chapa-branca. Ela puxa tanto o saco do ex-presidente que é capaz até dele próprio não acreditar no exagero. Para ela, Lula substituiu Pelé como principal referência a respeito do país. “Muita gente que antes nem sabia onde fica o Brasil agora fala do país através da figura do Lula. É como se ele tivesse posto o Brasil no mapa-múndi”, ela disse ao jornal Valor Econômico. Devia estar babando no momento, mas a matéria não diz nada sobre isso. Dá para prever o livro que vai sair, só não dá para imaginar quem é que vai querer ler um troço desses.

Francisco Oliveira talvez faça algo bem formulado sobre Lula, afinal, durante muitos anos ele teve o ponto de vista em equilíbrio com o interesse do lulismo. Conhece a coisa por dentro e, também por isso, hoje é um dos melhores críticos do sistema que ajudou a implantar.

É dele uma das melhores teorias sobre o sistema de governo implantado por Lula e a companheirada, depois de darem uma banana para o eleitor assim que subiram ao poder. Oliveira pegou emprestada do iugoslavo Milovan Djilas a idéia de uma nova classe se locupletando no poder, depois de levada ao governo pelas esperanças da população.

Djilas escreveu sobre esta nova classe no início da década de 50, numa crítica à burocracia comunista. Abria-se ali uma dissidência forte com o sistema comunista, ele que foi uma alta figura do regime liderado por Tito na antiga Iugoslávia. Chegou a ser vice-presidente.

Oliveira transferiu para cá o conceito de Djilas para explicar a camarilha petista dispondo de privilégios concedidos pelo Estado no governo Lula. O sociólogo brasileiro vê na elite sindical que subiu ao poder com Lula traços daquela nomenklatura criticada por Djilas.

Tem lá sua semelhança. O dissidente iugoslavo falou da nomenklatura comunista no livro A Nova Classe, publicado inclusive no Brasil. A edição que tenho em mãos é de 1958, da editora Agir. Faz tempo, muito tempo. Também lá se vão anos da derrocada do comunismo, simbolizada pela queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Mas o discurso socialista ainda é uma ferramenta de bom uso para alcançar o poder.

Oliveira tem uma visão lúcida sobre o que está se passando no Brasil dominado pela figura de Lula. Para ele, a popularidade do ex-presidente foi construída sobre uma pobreza que, longe de ser natural, é uma opção das classes dominantes, a opção pelo atraso, como ele diz.

Lula seria então a culminância desse processo. Nisso concordo com ele. Lula foi o golpe perfeito das forças econômicas que sempre dominaram o Brasil. Quem melhor que ele manteve o país atrelado ao interesse de banqueiros, grandes empresários e de uma classe política corrupta e subserviente aos que tem dinheiro?

Lula foi uma figura tão eficiente para isso que ficou difícil até a formação de uma oposição ao seu governo, já que as forças que teriam de compor esta oposição sempre representaram de outras formas os mesmos interesses que o petista contemplou tão bem.

O livro de Oliveira parece que será bom. Ao menos pelo que ele tem falado aos jornais. Segundo ele, temos aí uma felicidade do consumo barato, o que mantém a euforia e a ilusão que dá a falsa sustança, e aí já sou eu falando, aos discursos dos apologistas Singer e Denise Paraná.

A base do livro de Singer é sua tese de livre-docência na universidade Estadual de São Paulo (USP). Seu papo é o da inclusão social, dos efeitos benéficos do Bolsa Família, uma conversa já bem conhecida e que duvido que desperte o interesse fora da militância partidária.


O dia em que a Folha deu para
Lula o cargo mais alto da ONU

Outro livro que tenho curiosidade de ler é o de Kennedy Alencar, que é jornalista da Folha de S. Paulo. Alencar não é chapa-branca oficial, mas ultimamente andou escrevendo coisas que agradaram e muito ao governo de Lula. Aliás, num passado recente o jornalista foi assessor de imprensa do PT.

No ano passado, durante a eleição para presidente, os blogs petistas faziam a festa com os textos de Alencar. É que o jornalista facilitava bastante para os lados de Lula. Um de seus feitos mais notáveis virou até chamada de capa, uma inacreditável manchete da Folha em maio, que está na imagem acima.

Pelo texto escrito por Alencar, após o final de seu governo Lula poderia escolher entre ser secretário-geral da ONU ou presidente do Banco Mundial, se quisesse pegar um cargo de visibilidade internacional. Quando o texto saiu com uma — repito — inacreditável manchete, já se sabia de dificuldades técnicas para que Lula ocupasse um cargo desses, mas a chamada foi para a capa sem discutir nenhum desses impedimentos.

Apenas levantaram a bola para pouco mais de um mês depois o próprio Lula descartar ser secretário-geral da ONU, cargo que ele jamais teve chance alguma de ocupar.

Só na cabeça do Kennedy Alencar, é claro. Não sei se o jornalista da Folha, que agora vai escrever um livro sobre o Lula, combinou a publicação do texto sobre a secretaria-geral da ONU com o pessoal de propaganda em torno de Lula e da sua candidata, que já andava de braços dados com ele pelo país, mas também nem precisava, não é mesmo?

A verdade é que num período pré-eleitoral, quando tinha como meta das mais preciosas passar aos eleitores uma imagem de força política, nem o mais bem pago marqueteiro conseguiria criar para Lula algo com o efeito da manchete da Folha.


Mas não teve jeito da coisa colar. Além dos blogs petistas, que acatam sem discussão qualquer louvor ao Supremo Apedeuta, o único entusiasmo com a chance de Lula pegar esse cargo na ONU veio do presidente Evo Morales, da Bolívia.

Barriga é um termo usado quando o jornal publica matéria falsa ou errada, mas não dá para dizer que a Folha cometeu uma barriga. Isso só ocorre quando o jornal comete o desatino sem querer.

Mas o fato é que o debate ficou ainda mais ultrapassado depois da desgraça de um dos grandes amigos — além de irmão e líder — do Lula, o ditador Muammar Kadhafi. Acho que ninguém na Folha deve pensar num secretário-geral da ONU com um amigo e irmão desses.


Mas ainda bem que o Kennedy Alencar ainda está no processo de escrita do livro sobre o ex-presidente. Pegaria muito mal se ele tivesse publicado a obra lá atrás, com a menção entusiasmada sobre o Lula no cargo de secretário-geral da ONU. O pessoal da editora iria ter um trabalhão danado para arrancar essas páginas.
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POR José Pires

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