terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Lula, Rodrigo Pacheco e companhias sem limites

Lula está tendo que colocar o governo em ação para evitar o crescimento da candidatura de Rogério Marinho à presidente do Senado. Até então a reeleição de Rodrigo Pacheco parecia garantida, não só porque detinha poder para oferecer regalias aos seus pares, o que é comum no Senado, onde até um gabinete mais caprichado pesa mais que valores institucionais, mas também pela falta de concorrentes. O fato de um nome de peso surgir entre o bolsonarismo serve para mostrar mais uma vez a dificuldade do governo do PT para abafar a direita como força expressiva da política brasileira.


Pelo menos até agora, Lula e seu partido estão atuando de um modo que, pouco a pouco, foi transformando o papel da direita aos olhos da opinião pública, alterando as posições de uma forma que até inverteu o sentido do debate político. É a direita que assume posição na defesa da liberdade de opinião e do atendimento aos direitos constitucionais, também é da direita que surgem os apelos pela tolerância e respeito ao pensamento divergente. A direita também assume a bandeira da independência entre os poderes e do protagonismo do Legislativo como elemento qualitativo essencial na democracia.


E isso acontece mesmo com a barbaridade do vandalismo de 8 de janeiro em Brasília. Ainda que não seja da responsabilidade da direita como um todo, não se pode negar que foi das repetidas falas de Jair Bolsonaro e de vários políticos do seu lado que foi-se estimulando o que havia de pior nas manifestações que começaram com a derrota eleitoral em outubro. Mas como é que mesmo com tamanha desgraça, a direita ainda consegue se posicionar desse jeito? É algo sobre o qual os petistas deveriam pensar, mas como para isso seria obrigatório uma séria autocrítica, creio que vão deixar para lá esse problema.


Cabe dizer que não estou apontando esses temas além da retórica, ou melhor, da conversa vazia que domina de fato a política brasileira. Mas é o que temos, além de que o uso de ideias como mero recurso de oratória é igualmente um recurso antigo da esquerda, numa farsa que foi comum nos governos petistas. O fato é que, sendo ou não uma enganação, inverteu-se a coisa: o governo do PT já assume perante a opinião pública uma imagem de autoritário e clientelista, enquanto a direita vai se posicionando em favor da independência dos poderes e do direito à livre expressão.


Nos dias anteriores à votação no Senado desta quarta-feira, senadores vêm sendo procurados por integrantes do governo petista com o oferecimento de mais espaço no governo. Isso não era chamado pelo PT de “compra de voto”? É claro que isso coloca Lula e seu partido ainda mais no domínio do clientelismo político, que já estava em campo desde antes da eleição e foi tomando corpo de maneira assombrosa na composição do governo. O “efeito Tostines”, quando na política não se sabe se quem manda é quem vende ou quem compra, supera o governo Sarney em matéria da absoluta dificuldade de fazer um governo com cara própria.


Não tenho dúvida sobre a decepção que será enfrentada por qualquer um que acreditar que desse modo o governo encontrará a tal da “governabilidade”, seja qual for o objetivo. Até para a corrupção não é aconselhável apelar abusos tão pouco disfarçados. Dessa maneira o resultado pode não ser exatamente o que se espera, como o próprio PT e seu chefão já tiveram oportunidade de experimentar, quando era na porta da cadeia e não no Palácio do Planalto que se juntavam para dar o “bom dia, Lula”.


Em menos de um mês no poder, já se pode ter certeza de que o governo do PT irá aos trancos e barrancos. Lula está montando um quebra-cabeças onde as peças não se ajustam. Ora, eu sei que isso não é novidade em um líder político que fez carreira ajeitando-se às oportunidades. Mas antigamente ele demorava um pouco mais acobertando as coisas com a encenação de estadista, permitida pelo cargo de presidente. No caso das eleições no Congresso Nacional, Lula teve que se adequar rapidamente às circunstâncias das duas candidaturas, com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco no comando das tratativas, inclusive sem a chance de negociações totalmente protegidas das vistas do público.


O presidente é obrigado a se expor nesta barganha politiqueira, sem a segurança da lucratividade certa, como ocorria em tempos passados. Ele terá que ceder ainda mais poder com a vitória de ambos, sujeitando-se depois aos acordos com negociação caso a caso, no que depender do Congresso. A moeda de troca estará inclusive nas gavetas fechadas com pedidos que complicam a vida do governo.


No caso da eleição no Senado a situação é um pouco mais complicada. É claro que a derrota de Pacheco é o pior cenário, mas ainda que ele consiga se reeleger, abre-se um espaço político de amplas possibilidades do crescimento político da oposição, pela via do debate público sobre o protagonismo do Senado esvaziado pela ação do Executivo, com a mesma intromissão antidemocrática do governo do PT, que atrapalha junto à sociedade civil a liberdade de ação e da expressão do pensamento crítico.

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Por José Pires

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