quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O Brasil enfrenta um novo mundo, com Lula empacado no passado

Enfim, Lula foi viajar. Vai fazer o que mais gosta na presidência da República, usufruindo do prestígio natural como presidente de um país em situação privilegiada estrategicamente e de grande população e peso econômico, principalmente do ponto de vista regional. Jair Bolsonaro foi o único presidente depois da abertura democrática que não soube usar com inteligência este fator natural. Rapidamente virou persona non grata mesmo em encontros tradicionais em que os governantes se juntam para decidir coisa alguma. Bolsonaro tinha dificuldade de se enturmar mesmo nas rodas de conversa fiada.


Ao contrário de seu antecessor, Lula sempre soube dar uma dimensão supervalorizada de seu papel internacional como presidente. Seu partido tem um histórico de relações internacionais bem organizadas, contando para isso, em vários países, da cumplicidade da estrutura de comunicações, de instituições da sociedade civil, com apoios nas universidades e no meio intelectual.


Essa rede de sustentação é anterior ao nascimento do PT, com uma origem que pode ser detectada desde os anos 50, quando se estabeleceu uma romântica aliança entre a intelectualidade européia e americana com a esquerda da América Latina, quando ainda havia o conceito de “Terceiro Mundo” como lugares de onde vinham as melhores intenções de transformação do mundo pela via esquerdista. Que uma dessas forças do bem fosse Fidel Castro serve para demonstrar o equívoco dessas ideias.


Lula e seu partido se aproveitaram durante muito tempo dessa, digamos, boa vontade, no exterior. O problema é que o mundo mudou bastante, com transformações fortes não só de 2003 para cá, como pela impressionante mudança que chegou com a invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin. É nesse ponto que está a complicação para Lula se fazer de grande estadista no exterior — com o Brasil, como naquela época, sem grandes obrigações práticas além da presença de uma figura pitoresca representando um país sem posicionamento claro em relação às divergências internacionais, essa é a verdade.


Pois agora a coisa mudou. Não é possível manter-se neutro no que já está praticamente desenhado no jogo de forças internacionais, em que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é o ponto simbólico. Neste caso, em pouco mais de um mês de governo já é possível recolher várias páginas de tolices ditas pelo chefão petista, uma delas muito forte, sobre um conflito que é definidor da relações internacionais e da linha entre democracia e autoritarismo, temas em que é absolutamente clara as posições dos Estados Unidos e da União Europeia.


No anúncio pelo Twitter da sua viagem aos Estados Unidos, Lula fala em debater com Biden “ações pela paz no mundo e contra as fake news”. Do que é que esse cara está falando? Espero que não seja a proposta de resolver a guerra contra a Ucrânia juntando Putin e Zelensky para uma “cervejinha” — uma bobagem até etílica: por lá se bebe vodka.


Lula teve uma chance para posicionar-se na visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao Brasil, na semana passada. Foi uma uma lamentável amostra do primarismo de Lula, quando tentou aparentar neutralidade e meteu no meio da conversa uma frase que na verdade condenava a Ucrânia por algo que o país de Volodymyr Zelensky não tem responsabilidade alguma. Lula disse que “quando um não quer, dois não brigam”, fazendo de conta que não sabe que a Ucrânia apenas reage a uma invasão estrangeira.


Para ser franco, a neutralidade de Lula e seu partido é apenas uma necessidade de oficializar uma posição que nada tem a ver com o que realmente desejavam ter que assumir neste conflito. Ficam em cima do muro porque a invasão russa não deu certo. A esquerda brasileira é totalmente favorável à Rússia de Vladimir Putin. O PT só defende a neutralidade porque os planos do ditador russo deram totalmente errados. Encontrou uma heróica resistência, quando pretendia apenas uma rápida “operação especial”, como chamou a guerra contra a Ucrânia. Se a invasão fosse um sucesso, com a rápida ocupação daquele país, não tenho dúvida de que agora o discurso de Lula e de seu partido seria outro: já teriam vergonhosamente aderido ao ditador russo.


Os acontecimentos exigem mais responsabilidade e os interlocutores não são capazes de aceitar frases jocosas. Durante a reunião com Lula, o chanceler alemão pediu que o Brasil enviasse munição ao exército ucraniano. Lula recusou. Estes armamentos são de fabricação alemã, exportados para o Brasil. Scholz simplesmente pediu que Lula repassasse as munições para a Ucrânia. A redefinição de objetivo de materiais que fabricam é uma política internacional de países exportadores de armamentos. Dessa forma, o passo foi noutro rumo. Como o nosso país necessita da importação de equipamentos militares, pode ser que as relações possam mudar até nesta questão.


A repercussão das falas de Lula foi péssima. Dá para imaginar o espanto de autoridades na Europa e nos Estados Unidos sobre esse negócio de “quando um não quer, dois não brigam”. Pode ser até que tenham a impressão de que no Brasil a mudança de presidente foi apenas do padrão de idiotia. As tolices agora são proferidas com relativa educação. Bolsonaro era tão grosseiro que o padrão de comparação na política eleva qualquer um que pelo menos não rosne ou dê mordidas. Mas sejamos francos: a análise rasteira é de um nível parecido ao de Bolsonaro, um presidente que afirmava que nada sabia de economia, mas que comprovou-se que estava sendo muito modesto sobre sua ignorância.


Vejo Lula do mesmo jeito, com uma dificuldade muito séria de compreender muitos assuntos sobre os quais, como presidente, detém a última palavra. A diferença entre ele e Bolsonaro é sua experiência como sindicalista, onde pode-se aprender a demonstrar falsamente conhecimentos que, na verdade, servem apenas para a expressão verbal que mal arranha a superfície dos temas tratados. Uma frase ou algum número, uma revelação estatística ou alguma especificidade técnica passada por assessores ou um marqueteiro dão uma aparência inteligente ao que na verdade é apenas argumento vazio.


É quando cai na conversa algo como “quando um não quer, dois não brigam”. Acontece que o conflito não é uma rusga qualquer entre o centrão e algum companheiro petista. No entanto, isso é nada mais que o Lula sendo Lula. Seria possível citar milhares de tolices parecidas. Sim, eu disse “milhares”. Existe um livro de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, onde ele juntou frases absurdas de Lula. A edição é de 2009. Ou seja, o jornalista recolheu frases de Lula apenas de seus dois mandatos. Deste período saiu um livro de 672 páginas.


Mas voltemos à pérola de Lula, que trata o conflito na Ucrânia com a sabedoria de um tiozão do churrasco apartando briga de dois moleques. O Washington Post foi no ponto certo sobre a ignorância do presidente brasileiro. O jornal americano publicou um artigo onde diz: “Lula não sabe diferenciar Vladimir de Volodymir”. No artigo, o presidente é criticado por fingir que “Kiev, a Otan e a União Européia são tão culpadas pela guerra genocida da Rússia contra a Ucrânia quanto o aspirante à Czar no Kremlin, Vladimir Putin”. Este fingimento é “uma vergonha”, diz o jornal.


Lula vem tratando desse assunto desde o ano passado, quando fazia sua campanha política. Em abril, ele dizia à revista Time que Zelensky era tão responsável quanto Putin pela guerra. Foi no final de fevereiro desse mesmo ano que as tropas russas atravessaram a fronteira da Ucrânia por terra e mar em diversos pontos do país. Não era possível ainda prever a admirável resistência do povo ucraniano, nem a capacidade de liderança do presidente Zelensky. Espertalhão como sempre, Lula estava mandando acenos para o ditador Putin.


Vejamos na íntegra a sabedoria de Lula no início da guerra: “Você fica estimulando o cara [Zelensky] e ele fica se achando o máximo. Ele fica se achando o rei da cocada, quando na verdade deveriam ter tido conversa mais séria com ele: ‘Ô, cara, você é um bom artista, você é um bom comediante, mas não vamos fazer uma guerra para você aparecer’. E dizer para o Putin: ‘Ô, Putin, você tem muita arma, mas não precisa utilizar arma contra a Ucrânia. Vamos conversar!”. Tentem imaginar governantes lendo uma coisa dessas. Costuma-se fazer piada com Dilma Rousseff, por causa daquela forma dela falar, apelidada de “dilmês”. Pois eu acho as lulices muito piores.


Lula me parece o homem errado em um momento crucial para o nosso país. Mas paciência, não é a primeira vez que isso acontece. É um político ultrapassado pelo tempo. Em tudo que ele se coloca, sua entrada é do ponto de vista de alguém que parece viver em 2003, naqueles bons tempos de commodities com os preços nas alturas e a casa arrumada anteriormente pelos tucanos. Ele parece esperar que apareça algum desavisado para dizer que ele “é o cara”. Não será assim dessa vez. O mundo girou bastante nessas duas décadas, parecendo que deu uma acelerada brutal recentemente. Lula terá que encontrar palavras mais inteligentes e ações práticas para situar-se e situar o Brasil de forma razoável nesse novo tempo.

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Por José Pires

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