terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Surpresa no surfe

O Brasil vive de espasmos na área esportiva, defeito ainda pior no plano internacional. De vez em quando aparece algum atleta ou equipe excepcional que faz o país brilhar por uns tempos, período em que essa figura ganhará muito dinheiro, para depois talvez manter-se em algum lugar honroso como alguém que foi especial. Porém, tudo fica mantido no aspecto do sucesso individual, que é o problema de um país sem planejamento e uma dificuldade danada de administrar suas qualidades e ainda mais de driblar dificuldades.

Nesta situação, o atleta da hora é Gabriel Medina, que nesta sexta-feira se consagrou campeão mundial do surfe. É um fato inédito. É a primeira vez que um brasileiro consegue esse feito e isso só não é um motivo de espanto porque nesta nossa terra a prática habitual é ficar só na exaltação, sempre deixando para lá a análise aprofundada. Essa vitória espetacular que aparece de supetão deveria ser tomada como um ponto para o crescimento desse esporte. Aí o prazer iria além da festa. Dessa forma, o Brasil sairia da idolatria pura por uma figura excepcional, partindo para um planejamento sério de qualidades potenciais, favorecidas até pela geografia do país.

Como é que só agora temos um campeão mundial de surfe num país com essa imensidão de mar e com tantos surfistas em praias belíssimas? Ora, a explicação óbvia está na incapacidade de planejamento na área do esporte, dominado hoje por dirigentes corruptos e incompetentes. A situação do esporte brasileiro é tão grave que dentre a cartolagem dinheirista que ocupa os cargos de direção esportiva estão inclusive os piores políticos brasileiros. É uma terrível dobradinha do prejuízo nacional.

Existe também um problema muito sério, que é o excesso do domínio do futebol em nossa imprensa esportiva. O único assunto cotidiano da imprensa é o futebol. O jornalismo brasileiro tem sido desatento a muita coisa neste país, no entanto em poucas áreas o descuido é tanto quanto acontece no esporte. Costumo dizer que no Brasil não existe jornalismo esportivo, mas sim jornalismo de futebol. E o pior é que é feito por jornalistas que são torcedores fanáticos, o rebaixa ainda mais a qualidade da cobertura do próprio futebol.

O resultado disso é que até mesmo o futebol está indo à breca, o que deu pra ver no sete a um tomado da Alemanha, uma marca que afetou gravemente tudo de bom que nossos jogadores já haviam feito antes. Apesar dos tantos talentos que temos, os dirigentes avacalharam até a Seleção Brasileira. E só quem não quer ver é que ignora que a derrocada até desta marca essencial no esporte brasileiro vem desta mania malandra de se apoiar apenas na explosão individual do atleta.

E o engraçado neste exemplo da goleada tomada da Alemanha é que ficou muito claro que a razão do sucesso do adversário do Brasil foi tomar medidas exatamente inversas às que dominam o nosso futebol. Todo mundo ficou sabendo que aquela espetacular vitória alemã foi fruto de mais de dez anos de planejamento. E o que foi que aconteceu depois disso? Deu no Dunga como técnico da Seleção Brasileira, com toda a casta dirigente altamente incompetente mantida em seus lugares.

E o Brasil segue nesta toada esportiva, com um espasmo aqui e outro ali, como acontece agora com o surfista campeão, que é óbvio que deve ter todos os aplausos (viva o Gabriel Medina). Ninguém está aqui pra desdenhar brasileiros geniais. O que é preciso é que o esforço individual tenha o reforço de boas práticas política e administrativas.

É preciso parar de ficar à espera de um Neymar, ou de um Ronaldinho, um Romário – um Gabriel Medina também –, e tantas outras figuras geniais, que dão tudo de si e conseguem muita coisa. Mas falta sempre o planejamento e a boa administração para construir vitórias que se sustentem além da exaltação eventual, com ganhos políticos e culturais mais amplos e lucros financeiros que não fiquem restritos à meia dúzia de corruptos.
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POR José Pires

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