sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Volodymyr Zelensky, o brilho que ofusca a projeção internacional de Lula

O presidente Lula demorou para ter um encontro com Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, mas enfim apareceu ao lado dele. Não teve como fugir ao ao compromisso, afinal cumpria o protocolo histórico, como presidente brasileiro, de abrir a 77.ª Assembleia-Geral da ONU. A cara amarrada não se devia apenas ao desconforto da pose com um estadista que faz sombra ao papel de alta relevância que Lula pretendia ter internacionalmente. Aconteça o que for nesta agressão da Rússia ao seu país, Zelensky já é um dos grandes homens deste século. Já está inscrito na história mundial como governante que enfrenta com rara coragem a violência autoritária de um país muito mais poderoso em vários aspectos, até armas nucleares.


A cara amarrada é o estado natural de Lula, desde que tomou posse, além do estilo tosco de falar o tempo todo como se estivesse pronto pra sair no braço com alguém. Foi assim até no discurso inaugural da sessão da ONU. Por que falar desse jeito, com tanta irritação? É o vício do palanque, da técnica manjada de superdimensionar adversários. É também uma dificuldade de reconhecer que o microfone é uma invenção para que não seja preciso acabar com as cordas vocais, que é o que ocorre com o gogó do chefão petista. Não é uma praga, mas é um espanto que Lula ainda tenha alguma capacidade vocal.


A má-vontade de Lula na recepção a Zelensky contrasta com a atitude de outras personalidades que estiveram na ONU, a começar pelo presidente americano Joe Biden — que depois recebeu em Washington o presidente ucraniano, que estava acompanhado da mulher, Olena Zelenska. Estava presente a primeira-dama Jill Biden, que nesta visita não estava indisposta, como aconteceu quando Lula e Janja apareceram na Casa Branca. O casal ucraniano esteve também no Canadá, com o primeiro-ministro Justin Trudeau.


É visível o entusiasmo das pessoas que recebem o presidente da Ucrânia, personalidades das mais diversas, representantes de missões diplomáticas, chefes de Governo e de Estado, claro que como demonstração de apoio e compromisso com alguém que enfrenta bravamente uma guerra de agressão, cometida, além de tudo, com a crueldade de bombardear premeditadamente a população civil para tentar vencer impondo o terror a inocentes.


Acompanho Zelensky e sua esposa no Instagram. Sigo também fotógrafos que cobrem a agressão russa. É de chorar o que se vê todos os dias. A Rússia faz uma guerra terrorista, genocida, até mesmo com os sequestro de crianças em território ucraniano, milhares delas, para “russificá-las” com educação forçada. Esta política étnica racista e imperialista vem dos tempos do czarismo, foi reforçada depois com o comunismo e segue até agora com Putin.


O discurso de Zelensky na Assembleia-Geral da ONU foi aplaudido de pé na quarta-feira por dezenas de delegações internacionais. Foi clara a manifestação coletiva de apoio ao povo ucraniano, ressaltada inclusive pelo comportamento da delegação russa, que não se levantou, nem aplaudiu o discurso. Foi a primeira vez, desde o começo da guerra com a invasão feita pela Rússia em fevereiro, que Zelensky se dirigiu aos líderes mundiais na ONU. Era também a chance de Lula ser o protagonista no palco da ONU.


Esta foi uma coincidência que obviamente deve ter desagradado o petista. Do ponto de vista internacional a pauta foi de Zelensky. Este é um ponto essencial na má-vontade de Lula com o presidente da Ucrânia. Podem existir também outras obrigações, talvez haja alguma dívida histórica ou mesmo recente que explique a submissão abjeta e explícita a Vladimir Putin, mas isso fica apenas no terreno de suspeitas. A inveja ressentida a Zelensky, no entanto, é certeza absoluta. Não seria o megalomaníaco Lula, acostumado a atuar incansavelmente para derrubar quem pode atrair mais atenção do que ele ou mesmo na mesma intensidade, que iria aceitar o fantástico brilho político do presidente ucraniano.


E não é a primeira vez que Lula tem que enfrentar uma situação em que surge uma figura política que ofusca sua imagem, exatamente quando parecia que ele se projetaria internacionalmente. Quem não se lembra quando Barack Obama, durante um almoço de líderes do G-20, disse de forma brincalhona que Lula “é o cara”? Foi em abril de 2009. A cena reservada foi captada de longe por jornalistas e depois vazada na internet. Mas a intimidade entre Lula e Obama não foi adiante. A inveja do brasileiro não deixou.


Com a eleição de Obama, em novembro do ano anterior, não havia espaço na mídia para ninguém mais que o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Como é que Lula iria gostar de um cenário internacional assim? Além disso, o perfil liberal de Obama também atrapalhava muito o prestígio do petista na América Latina e claro que também no Brasil, onde é essencial exibir um discurso anti-americano, não só para faturar votos internamente com uma coragem fácil de ostentar, como também para colher apoios esquerdistas na região e evitar o enfrentamento de fato dos problemas de cada lugar.


Nessa época, Lula estava no penúltimo ano de seu segundo mandato, muito encalacrado com a corrupção do mensalão. Internacionalmente havia dissipado o prestígio da sua primeira eleição. Acabou fazendo sua sucessora. Voltou depois ao poder, agora no ano passado — com uma variedade de maquinações e articulações de interesses a meu ver moralmente condenáveis. No entanto, não apagou a imagem de chefe político corrupto, de república bananeira, uma fama que fica ainda mais marcada em razão das parcerias políticas com o que há de pior na política da América Latina, além dos apegos a ditadores de outros continentes.


Neste ano, é certo que Lula exagerou bastante em anacronismos, na sua dificuldade de perceber como o mundo mudou. Parece um presidente bolivariano, com o agravante da imagem de presidente submisso à China e à Rússia de Vladimir Putin. O desgaste é antigo. A imagem que ficou pode ser observada no último livro de Obama, de 2020, memórias que incluem os anos em que esteve na Casa Branca. Duvido que Lula tenha lido, mas deve saber da breve citação ao seu nome. Breve e esclarecedora.


Vamos a ela. Obama descreve resumidamente o brasileiro como um “ex-líder sindical grisalho e cativante, com uma passagem pela prisão por protestar contra o governo militar, e eleito em 2002, tinha iniciado uma série de reformas pragmáticas que fizeram as taxas de crescimento do Brasil dispararem, ampliando sua classe média e assegurando moradia e educação para milhões de cidadãos mais pobres”. O ex-presidente americano fecha com o seguinte: “Constava também que tinha os escrúpulos de um chefão do Tammany Hall, e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões”.


“Tammany Hall” é uma relação feita de Lula com uma lembrança histórica muito pejorativa de um grupo que que dominou a política da cidade de Nova Iorque entre a segunda metade do século 19 e o início do século 20, que nos Estados Unidos é a imagem da mais baixa corrupção. Não se deve ter dúvida de que Obama ponderou bastante sobre a publicação em livro desta analogia condenatória. Para isso não deve ter faltado relatórios e documentação demonstrando o que ocorreu nos governos de Lula, do mensalão ao petrolão. Talvez Obama saiba até sobre coisas que ainda desconhecemos. Vale lembrar que a Odebrecht teve que pagar multas bilionárias por condenações na justiça americana.


Esse tipo de material chega nas mãos de políticos em cargos importantes de vários países. Do mesmo modo que chegam transcrições do que Lula e outros governantes falam sobre temas do interesse internacional. Já escrevi aqui que políticos estrangeiros em posição de destaque em seus países devem ficar surpresos com as platitudes de propaganda de Lula nas suas falas e devem rir das tantas asneiras e propostas sem nenhuma sustentação teórica ou mesmo prática na realidade.


No ponto em que estamos, esta é a imagem internacional de Lula. Claro que vai haver sempre uma relativa contemporização com os despropósitos do petista, afinal nos outros países, em muitos deles, não se mistura temperamento e melindres pessoais com o interesse nacional. Eles devem dar boas risadas das asneiras e depois partem para os negócios e a realpolitik. Fica feio para o Lula. Ele tinha que consertar os estragos na sua imagem, que de fato, está no nível do escrúpulo de “um chefão do Tammany Hall”, como escreveu Obama.


Na idade em que Lula está pode ser até desesperador a avaliação da diferença na ampulheta entre a areia da parte de cima e a de baixo. A concertação de interesses — para mim, na maioria escusos — permitiu sua eleição mais uma vez, criando uma abertura para uma guaribada na imagem, talvez até com a possibilidade de deixar para trás tanto lamaçal, ao menos na opinião pública mais ampla e com menos acesso ao que é real, aquela que não recebe relatórios reservados contando tudo que aconteceu.


De qualquer modo, esta reposição da marca política não seria uma tarefa fácil, demandando muita organização e criatividade, com pautas relevantes e conclusivas, de realizações de fato e não o mero lero-lero de palanque, que é muito mais difícil de emplacar internacionalmente do que com plateias locais, engabeladas pela propaganda paga e a imprensa chapa-branca idem. É sempre uma trabalheira retrabalhar no plano mundial uma imagem tão arruinada. E claro que fica mais complicado se exatamente nessa hora aparece um Volodymyr Zelensky. É por isso que Lula anda com a cara tão amarrada.

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Por José Pires

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