quarta-feira, 22 de maio de 2024

A rejeição da cassação de Sergio Moro e o vale-tudo dos articuladores da impunidade


É muito mais do que uma coincidência a sintonia entre a rejeição por unanimidade nesta terça-feira, pelo TSE, da cassação do mandato de Sergio Moro e a anulação pelo ministro Dias Toffoli, do STF,  de todos os processos e investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato. Não estou dizendo que os acontecimentos venham de um plano bem arquitetado, até porque acredito que, se fosse assim, haveria mais cuidado para evitar um bater de cabeças, que levou ao chega-pra-lá nessa tentativa de cassação que juntou o PT e o bolsonarismo.


Ao contrário do que pensa a esquerda, ajustes que ocorrem na engrenagem da assim chamada História acontecem na maioria das vezes mais por acaso do que por alegadas razões “científicas”. A tentativa de consolidar simbolicamente a destruição da Lava Jato com a cassação do mandato de senador do ex-juiz da Lava Jato foi refutada não por sentimento e pelo respeito à justiça. Foi pelos riscos políticos perigosos dessa decisão e uma mudança sobre outros assuntos relacionados à manobras políticas na luta pelo poder.


A descondenação de Marcelo Odebrecht  entra como parte substancial do ataque — em grande parte coordenado — ao que a Lava Jato vinha fazendo com os corruptos. Os brasileiros já estavam se acostumando com o ambiente de favorecimento da ética e da honestidade. Então tem que “estancar a sangria”, como dizia Romero Jucá, em memorável gravação. Falando nele, ontem no STF também foi arquivado definitivamente um inquérito da Lava Jato contra o senador Renan Calheiros e Romero Jucá, ambos caciques do MDB. Neste caso, as engrenagens parece que foram azeitadas. A  Procuradoria-Geral da República (PGR) não chegou nem a fazer a denúncia formal.


Marcelo Odebrecht era um réu confesso. Teve como defensores advogados que estão entre os mais bem pagos do mundo (na esbórnia jurídica brasileira vaza dinheiro para todos os lados). Acabou fechando acordo de colaboração, admitiu as propinas e deu os nomes dos subornadores. A empreiteira que levava o nome da sua família — da qual era presidente — devolveu uma dinheirama da corrupção e não só no Brasil. Nos Estados Unidos, a Odebrecht confessou que realizou pagamentos ilegais em 12 países: mais de 3 bilhões de reais, de 2001 até 2016. 


Desse total, quase a metade foi entregue a corruptos, do início do governo Lula até o último mandato de Dilma Rousseff. Em documento oficial da Justiça dos Estados Unidos e da Suíça está registrado que por aqui houve o suborno de funcionários públicos, executivos da Petrobras, partidos políticos e lobistas, banqueiros e empresários. Muito dinheiro foi repatriado para o Brasil, a partir dessas investigações internacionais. E claro que nos Estados Unidos e na Suíça as decisões não podem ser revertidas pela canetada pessoal de um juiz.


Para Toffoli, o ex-presidente da Odebrecht — que mudou de nome para Novonor — foi um injustiçado. O ministro do STF aceitou a alegação da defesa de Marcelo Odebrecht, de que o empresário foi forçado a assinar a delação. Na tese da defesa, acatada pelo ministro, foram usadas mensagens hackeadas da força-tarefa, obtidas na Operação Spoofing. Como se sabe, os responsáveis pela invasão ao Telegram dos procuradores foram presos. Sabe-se também que essas provas são ilegais.


Como eu disse, a cassação de Moro poderia ter sido a consolidação desse clima de que não se mexe com corruptos e de que deve-se dobrar a língua antes de fazer críticas ao governo e aos demais poderes da República. Movida por ações do PT e do PL, de Jair Bolsonaro, a tentativa de cassação do mandato do ex-juiz da Lava Jato veio de ressentimentos de perdedores de eleição e de dirigentes partidários incompetentes. 


Uma das figuras é o ex-deputado bolsonarista Paulo Martins, que acreditava que seria fácil ganhar uma cadeira no Senado na rabeira da popularidade de Bolsonaro. Perdeu para Moro. Nisso, ele teve como parceira a deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, que já vem demolindo há alguns anos o partido de Lula no Paraná. Na última eleição, os petistas tiveram que recorrer ao ex-governador Roberto Requião para formar chapa na disputa ao governo estadual. Sob o comando de Gleisi, o PT paranaense não tem candidato competitivo nessas eleições municipais em nenhuma das cidades mais importantes do estado.

 

Na eleição de 2022, Moro se elegeu senador no Paraná mesmo tendo que montar uma campanha às pressas depois do PT causar a perda do seu registro eleitoral em São Paulo. Na eleição paulista estava em curso a habitual jogada de Lula de montar um cenário para facilitar a disputa para ele e seu partido. Moro tinha que ser eliminado. Como todos sabem, tomaram na cara. Fernando Haddad perdeu mais uma eleição, desta vez favorecendo a criação de mais uma força à direita, com Tarcísio de Freitas se elegendo governador.


Com a mudança forçada de Moro para o Paraná revelou-se que ainda permanecia o prestígio da sua imagem de combatente da corrupção, mesmo com a quantidade de equívocos políticos que ele cometeu desde que deixou de ser juiz da Lava Jato. Claro que para seus inimigos pesou bastante a cobiça de levar fácil a cadeira de senador, ainda com seis anos de mandato pela frente. Mas pesou ainda mais, especialmente para os petistas, a necessidade de acabar com o mito encarnado por Moro. 


Também dessa vez, a investida não deu certo. A decisão pela rejeição foi unânime, pela inexistência de “provas cabais”, como disse Alexandre de Moraes, no julgamento de ontem no TSE. Moraes destacou inclusive uma alegação das ações contra Moro, que ultrapassam o sentido jurídico. É uma indecência. O PT e o ex-deputado bolsonarista apontavam como “prova” de gastos excessivos na sua pré-campanha presidencial o aluguel feito pelo partido de um carro blindado.


Os riscos de Moro não se devem só ao que fez no combate a criminosos da política, mas também pelo seu trabalho corajoso de investigação rigorosa do crime organizado, com a prisão de chefes do narcotráfico. Moraes deu atenção a este ponto do processo contra o ex-juiz da Lava Jato, dizendo que, tendo sido secretário de segurança e ministro da Justiça, sabe o que é sofrer ameaças graves contra a vida, “ser ameaçado, você e sua família, de morte”.


Em março do ano passado, a Polícia Federal desarticulou um plano do PCC de ataques contra autoridades públicas, como o senador Moro e o promotor Lincoln Gakiya. A ação criminosa já estava em andamento, com o investimento pelo PCC de R$ 2,9 milhões. Um atentado contra Moro e suas família já tinha toda uma estrutura em Curitiba, com o aluguel de chácaras, armas e veículos para o cometimento do crime.


Este é um ponto bastante vergonhoso desse processo e de toda a perseguição política contra Moro, não só pelo seu combate contra a corrupção, mas pela imagem de forte teor simbólico que colou na sua carreira política. Isso desagrada não só aos larápios de colarinho branco, mas aos bandidos do narcotráfico e das facções paramilitares violentas. Mas dá para entender esta articulação de interesses que, afinal, miram no objetivo em comum da impunidade. A permanência de gente como Moro na política prejudica os negócios desses dois tipos de quadrilha.

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Por José Pires

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