quarta-feira, 17 de julho de 2024

Donald Trump e J.D. Vance: o apetite pelo poder se serve do prato cuspido no passado

Já faz alguns dias que a direita brasileira está envolvida em um intenso debate nas redes sociais sobre confiança política, com os bolsonaristas remexendo no passado de alguns ativistas para denunciar discrepâncias graves de posicionamento político com relação ao grande líder da tigrada, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Figuras de destaque que hoje em dia garantem que foram fiéis a Bolsonaro a vida toda, na verdade fizeram ataques pesados a ele, antes da sua eleição e durante o governo. 


Uma parcela de bolsonaristas cobra pelo menos um mea culpa público dessa turma que agora resolve comer com voraz apetite no prato em que cuspiu. Quem esteve sempre com Bolsonaro está morrendo de ciúmes dos novos amores políticos. A briga é para ter a proximidade política privilegiada a um líder populista com apelo de massas, mas nessa disputa de lealdade pesa também o foco financeiro, com ambos os lados de olho na lucrativa monetização das redes sociais. Bolsonaro dá voto, mas também dá dinheiro. Ele ainda concentra um grande número de seguidores, com uma grande audiência nas redes sociais, abrindo a possibilidade de faturamento alto com internautas ávidos de ouvir quem diga que afinal não são tão idiotas assim.

 

Jornalistas e youtubers que buscam seduzir a multidão de camiseta verde-amarela posam de adoradores daquele que chamam de “mito” e chegam a definir como “missão” seus textos e falas bajuladoras, mas a verdade é que nessa batalha para decidir quem é mais puxa-saco de Bolsonaro pesa bastante o ganho financeiro nas redes sociais. É um esforço brutal para dizer o que a massa digital bolsonarista prefere ouvir, seja no aplauso incondicional até mesmo às cretinices do ex-presidente, como também nos ataques pesados aos seus adversários, com o uso até mesmo de manipulações e mentiras.


Pois este embate pela integridade entre passado e presente da direita local ganha um material interessante com a definição da chapa da candidatura de Donald Trump, nos Estados Unidos, onde encaixou-se como vice o senador republicano J. D. Vance. Acontece que ele tem um passado recente como oposicionista ferrenho de Trump, bem mais até que grande parte dos políticos do partido de Joe Biden. Vance chegou a afirmar que Trump seria o “Hitler da América”.


Mesmo o mais empedernido adversário de Trump há de concordar com a opinião de Vance, não o de agora, mas o de antes de aparecer essa vantajosa oportunidade como vice. Há um vasto material de xingamentos não só ao titular da chapa, como também aos seguidores do ex-presidente, classificados como pessimistas e cínicos. O furor destrutivo faz lembrar de um outro vice que também destratava pesadamente seu colega, antes de surgir a chance de ocupar o poder. Vance não chegou a dizer que Trump quer voltar ao local do crime, no entanto agora também firmou parceria para o retorno do atiçador da invasão do Capitólio.


Mas que não se pense que Vance tem sérias discórdias com o colega de chapa. Mesmo no passado, os insultos eram mera disputa de espaço. Com a eleição de Trump, a ambição por poder anulou sua severa visão. E politicamente ele sempre foi um clone de Trump, como bem disse o presidente Biden. É um boquirroto do mesmo nível, incapaz de ser equilibrado mesmo em relação a antigos parceiros internacionais dos Estados Unidos. Sobre a recente vitória eleitoral dos trabalhistas no parlamento inglês, ele afirmou que o Reino Unido é "o primeiro país islamita na posse de armas nucleares". Isso serve como aperitivos do que pode vir por aí em matéria de desavenças internacionais, caso a dupla tenha sucesso. Não será só o presidente falando besteiras.


Suas falas anteriores sobre Trump, que já correm a internet, certamente terão ampla exposição na disputa eleitoral americana, com a divulgação evidentemente patrocinada pela campanha de Joe Biden. É difícil pegar mais pesado com Trump. Em entrevista à Bloomberg em 2016, ele disse que fazia parte do movimento contra Trump e que só pessimistas ou cínicos votariam nele. Também igualou Trump à droga heroína e o comparou a um dos piores crápulas do mundo, Richard Nixon, obrigado a renunciar à presidência com o escândalo de Watergate. Seu atual parceiro de chapa, que pretende ajudar a voltar à Casa Branca, “é um idiota cínico como Nixon”, ele disse.


Com isso tudo, como fica a política de depuração pretendida por alguns na direita brasileira? Lembrem que o exemplo vem de cima. Com o acerto entre Trump e seu antigo desafeto, J. D. Vance, parece que todas as porteiras se abrem na direita internacional, independente do teor de ataques, insultos ou qualquer outra pesada divergência do passado. Não cabe respeito algum por doutrina política, até porque doutrina alguma existe. Nem mesmo o compromisso com a honra e a dignidade está acima da ambição por dinheiro, fama e poder. Tudo depende do acerto com o inimigo, que pode muito bem dividir a mesma cama, mesmo que tenha habitado outros leitos.

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Por José Pires

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Lula e suas encrencas como comprador de arroz e seu ministro indiciado pela Polícia Federal

Partindo mais uma vez em viagem internacional, agora para Genebra, na Suíça, o presidente Lula disse que o ministro das Comunicações Juscelino Filho, “tem o direito de provar que é inocente”. O ministro foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.


Mas tem também a grave suspeita de irregularidades no leilão de 263 mil toneladas de arroz. O custo é de R$ 1,7 bilhão. Isso mesmo: bilhão. Dessa quantia, a Conab já desembolsou R$ 1,3 bilhão. O governo do PT vai sair caro para os brasileiros, mas não deixa de ser engraçado: a PF na cola do ministro acabou evitando que Lula tivesse que responder sobre a compra de arroz, com indícios tão fortes de corrupção que fez o governo anular o leilão.


O governo Lula é um fiasco como nunca houve antes neste país. Aqui cabe o chavão que ele gosta de repetir. Já faz muito tempo que o Brasil carece de governos que sejam sequer razoáveis, no entanto, como em política o sucesso se mede na comparação com as expectativas, o PT vai encarar essa responsabilidade de ter o pior governo depois da redemocratização. Os petistas vão ficar à frente até do governo Sarney, quando a corrupção era pelo menos melhor organizada.


Outra ironia dessas encrencas sérias que desmoralizam totalmente os petistas é que esta falência política é resultado de suas próprias ações combinadas de desmonte da Lava Jato, com a decorrente sensação de impunidade da corrupção. Com o efeito moral negativo vem também uma pesada complicação na eficiência de gestão — inclusive na dificuldade de controle do equilíbrio da roubalheira, como eu disse. 


Não é que precisasse experimentar para saber, mas o PT vai enfrentando mais uma vez, na prática, a incontestável consequência da corrupção no funcionamento da máquina pública. A roubalheira acaba com a qualidade de gestão. Na dimensão que os petistas costumam praticar maracutaias, no final sobra quase nada de bom na história de seus governos, com a sombra da escandalosa corrupção, em casos como mensalão, petrolão e outras gatunagens. Fica complicado até comprar arroz.


É muito simples. Se as licitações neste nível, imaginem a qualidade do arroz a ser oferecido para o consumidor com o logotipo de propaganda do governo. E outro exercício de imaginação interessante pode ser o de pensar sobre como andam outras negociações. Ora, quem “descuida” de compra de bilhão não vai prestar atenção à qualidade alguma em seus projetos de governo.


Será que os petistas não estão precisando de “compliance”? Lembram que falava-se bastante disso quando a Lava Jato dava a esperança de que o Brasil tinha jeito? É um procedimento interno para detectar ilegalidades e evitar sérios dissabores — como, por exemplo, ir pra cadeia, — como pode ocorrer com empresário que negocia com gestores de governos petistas ou seus aliados. 


Um problema para o PT é que acaba com a impunidade. Daí que o Lula não gosta nem de ouvir esta palavra. Mas é o que vem faltando no seu governo, como nesta compra de arroz, o que traz inclusive a suspeita de que algo parecido poderia acontecer numa negociação de vacinas, por exemplo. Lula provavelmente não seria grosseiro numa pandemia, como foi Jair Bolsonaro, mas com uma equipe de larápios como essa que aí está, além, do Lula — coitadinho — ser tão descuidado com bilhões, não é de se duvidar que praticariam muitas maracutaias durante uma pandemia, na compra de insumos e de vacinas.


Teve outra falta de compliance no caso desse ministro de Lula apaixonado por cavalos, agora indiciado pela PF. É tanto amor que ele foi capaz de requisitar um avião da FAB para fazer uma visita aos bichos. A viagem de Juscelino Filho custou R$ 130.392,87 e ainda desmoralizou um pouco mais os nossos militares. Epa, não era o Bolsonaro que fazia essas coisas? Vejam no que dá a falta de compliance.


Mas claro que os milhares de reais da conta da FAB não é nada perto de outros custos do ministro do Lula para os cofres públicos. Ele tem espírito empreendedor, além de contar com a parceria de uma variedade de parentes. Apenas no caso de empresas de amigos e de uma cunhada o rombo foi de mais de R$ 36 milhões, dinheiro do orçamento secreto que foi para a prefeitura de Vitorino Freire, no Maranhão. A prefeita do município é irmã de Juscelino. A cidade tem 31 mil habitantes. Uma das obras foi o asfaltamento de uma estrada de 19 quilômetros que beneficia oito fazendas da família de Juscelino em Vitorino Freire. Claro que foi um amigo que ficou com a obra.


Por esse e outros casos, na quarta-feira houve o indiciamento do ministro de Lula, que deu a evasiva justificativa de que ele “tem o direito de provar que é inocente”. Pois o indiciamento dele pela PF já foi remetido ao gabinete de Flávio Dino, no STF. É uma coincidência interessante, pois as carreiras políticas de ambos correram em paralelo, de forma muito colaborativa, por quase uma década no Maranhão.


E aqui temos uma comprovação não só da extrema utilidade da compliance numa gestão pública, como também do benefício que pode ter uma palavra amiga, que neste caso poderia ter evitado a própria nomeação feita por Lula, matando o mal pela raiz, digamos assim. Juscelino Filho fez uma carreira milionária como político no Maranhão, com uma parte substancial dessa trajetória lucrativa percorrendo oitos anos, durante os dois mandatos seguidos de Dino como governador, que, como todo mundo sabe, é um sujeito absolutamente perspicaz. Data venia, companheiros: parece que o Dino não fez uma compliance amiga para o Lula.

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Por José Pires

terça-feira, 11 de junho de 2024

Os apertos das universidades federais e os desacordos de Lula com as bases do projeto petista de poder

Quem está perdendo com a greve das universidades e institutos federais “é o Brasil e os estudantes brasileiros”. Quem disse isso foi o presidente Lula no encontro com reitores nesta segunda-feira. Ora, vejam só: é o mesmo argumento que fazia a militância petista armar-se toda, colocando seu gabinete de ódio no ataque contra qualquer um que ousasse dizer algo parecido.


Durante o encontro, Lula disse também, várias vezes, que vai expandir o número de instituições de ensino superior. Claro que neste caso as contas não fecham. Só para ficar em uma parte dos gastos, como é que vão ser pagos os salários de novos professores se o governo não consegue sequer recompor os salários atuais?


Ora, mas aí temos uma reação politiqueira usual do Lula, de vir com a criação de novos planos com sedutoras promessas, sempre que é cobrado por não cumprir com suas obrigações ordinárias. Os reitores são antigos parceiros — há quem diga que foram cúmplices — do projeto de poder de Lula e seu partido, até que agora deram de encontro com uma realidade que complica a própria profissão do professor do ensino superior.


Uma recomposição de salários teria como resultado apenas o retorno a uma condição profissional de baixa qualidade de remuneração, como os professores estavam antes de terem seus ganhos dilapidados por perdas progressivas. Outra questão altamente negativa é a péssima condição de trabalho em quase todas as universidades, onde falta de tudo, desde as necessidades mais básicas até as ações na área de pesquisa e na assistência estudantil. Entre outras coisas, em abril Lula cortou verbas no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).


E não existe nenhuma perspectiva de que a situação melhore até o final do governo, mesmo porque até agora, já quase na metade do mandato, Lula e sua equipe ainda não revelaram o que pretendem como ações de longo prazo para ao menos dar aos brasileiros um pouco de sossego para respirar ares de razoável normalidade. E nada de picanha. Agora ele veio com esse plano da entrada do governo no comércio de arroz. Mas claro que não é por aí que vai-se estimular a esperança em dias melhores.


Esse enfrentamento do governo petista e professores pode parecer uma daquelas complicações corriqueiras de governo, mas tem um peso muito importante, como causa e consequência. Serve como diagnóstico do desastre político em que se enfiou o partido de Lula, como resultado da sua gradativa transformação em uma sigla qualquer, como qualquer outro partido dos tantos que aí estão apenas para servir às ambições pessoais de seus caciques.


O grave desacordo se dá exatamente na área em que o PT sempre transitou como se fosse sua casa, não só utilizando o professorado como massa de manobra no aparelhamento político lamentável das nossas universidades, como aproveitando para enfiar na cabeça dos estudantes toda uma formação ideológica tosca no aspecto técnico e do conhecimento, mas apropriada para favorecer o projeto de poder de Lula e seus companheiros, que deu resultado até nesta última eleição, com o retorno à cena do crime, confirmando o antigo prognóstico do vice Geraldo Alckmin.


Não foi só com o país que o PT acabou. Lula demoliu suas próprias bases, O cenário é de total desmantelamento de qualquer esperança política da esquerda, mesmo porque, como eu já disse, não existe possibilidade alguma de haver uma transformação de qualidade nas universidades, não só pela falta de dinheiro como também porque falta capacidade a essa gente para aplicar com equilíbrio e inteligência os gastos do orçamento. 


Lula já disse que pretende expandir o ensino superior. Em razão das circunstâncias, um ato falho, vá lá. Seu instinto de trapaceiro falou mais alto. É só isso que vai pela sua cabeça. Ele pensa que é como no “Minha Casa, Minha Vida”, esta tragédia urbana em forma de programa habitacional. É um fazedor de prédio — diga-se, a propósito, que muitos sequer são concluídos, como pode-se ver em várias universidades —, sem ter a mínima preocupação sobre o que vai colocar dentro para um bom funcionamento da coisa, com recursos humanos capazes, com boas condições de trabalho e ao menos razoavelmente remunerados.


É o multiplicador de universidades que por funcionarem muito mal vão destruindo a capacidade técnica do país, com a colocação no mercado de grande quantidade de mão de obra da pior qualificação, prejudicando seriamente várias profissões. Do jornalismo, fizeram terra arrasada. A área do direito e da medicina estão em condições preocupantes. E por aí vai, na degradação do ensino superior, que, por sinal, Lula teve grande contribuição de Fernando Haddad, o mais longevo ministro da Educação da era petista, que agora demonstra sua incrível habilidade também na economia. 

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Por José Pires

quarta-feira, 22 de maio de 2024

A rejeição da cassação de Sergio Moro e o vale-tudo dos articuladores da impunidade


É muito mais do que uma coincidência a sintonia entre a rejeição por unanimidade nesta terça-feira, pelo TSE, da cassação do mandato de Sergio Moro e a anulação pelo ministro Dias Toffoli, do STF,  de todos os processos e investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato. Não estou dizendo que os acontecimentos venham de um plano bem arquitetado, até porque acredito que, se fosse assim, haveria mais cuidado para evitar um bater de cabeças, que levou ao chega-pra-lá nessa tentativa de cassação que juntou o PT e o bolsonarismo.


Ao contrário do que pensa a esquerda, ajustes que ocorrem na engrenagem da assim chamada História acontecem na maioria das vezes mais por acaso do que por alegadas razões “científicas”. A tentativa de consolidar simbolicamente a destruição da Lava Jato com a cassação do mandato de senador do ex-juiz da Lava Jato foi refutada não por sentimento e pelo respeito à justiça. Foi pelos riscos políticos perigosos dessa decisão e uma mudança sobre outros assuntos relacionados à manobras políticas na luta pelo poder.


A descondenação de Marcelo Odebrecht  entra como parte substancial do ataque — em grande parte coordenado — ao que a Lava Jato vinha fazendo com os corruptos. Os brasileiros já estavam se acostumando com o ambiente de favorecimento da ética e da honestidade. Então tem que “estancar a sangria”, como dizia Romero Jucá, em memorável gravação. Falando nele, ontem no STF também foi arquivado definitivamente um inquérito da Lava Jato contra o senador Renan Calheiros e Romero Jucá, ambos caciques do MDB. Neste caso, as engrenagens parece que foram azeitadas. A  Procuradoria-Geral da República (PGR) não chegou nem a fazer a denúncia formal.


Marcelo Odebrecht era um réu confesso. Teve como defensores advogados que estão entre os mais bem pagos do mundo (na esbórnia jurídica brasileira vaza dinheiro para todos os lados). Acabou fechando acordo de colaboração, admitiu as propinas e deu os nomes dos subornadores. A empreiteira que levava o nome da sua família — da qual era presidente — devolveu uma dinheirama da corrupção e não só no Brasil. Nos Estados Unidos, a Odebrecht confessou que realizou pagamentos ilegais em 12 países: mais de 3 bilhões de reais, de 2001 até 2016. 


Desse total, quase a metade foi entregue a corruptos, do início do governo Lula até o último mandato de Dilma Rousseff. Em documento oficial da Justiça dos Estados Unidos e da Suíça está registrado que por aqui houve o suborno de funcionários públicos, executivos da Petrobras, partidos políticos e lobistas, banqueiros e empresários. Muito dinheiro foi repatriado para o Brasil, a partir dessas investigações internacionais. E claro que nos Estados Unidos e na Suíça as decisões não podem ser revertidas pela canetada pessoal de um juiz.


Para Toffoli, o ex-presidente da Odebrecht — que mudou de nome para Novonor — foi um injustiçado. O ministro do STF aceitou a alegação da defesa de Marcelo Odebrecht, de que o empresário foi forçado a assinar a delação. Na tese da defesa, acatada pelo ministro, foram usadas mensagens hackeadas da força-tarefa, obtidas na Operação Spoofing. Como se sabe, os responsáveis pela invasão ao Telegram dos procuradores foram presos. Sabe-se também que essas provas são ilegais.


Como eu disse, a cassação de Moro poderia ter sido a consolidação desse clima de que não se mexe com corruptos e de que deve-se dobrar a língua antes de fazer críticas ao governo e aos demais poderes da República. Movida por ações do PT e do PL, de Jair Bolsonaro, a tentativa de cassação do mandato do ex-juiz da Lava Jato veio de ressentimentos de perdedores de eleição e de dirigentes partidários incompetentes. 


Uma das figuras é o ex-deputado bolsonarista Paulo Martins, que acreditava que seria fácil ganhar uma cadeira no Senado na rabeira da popularidade de Bolsonaro. Perdeu para Moro. Nisso, ele teve como parceira a deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, que já vem demolindo há alguns anos o partido de Lula no Paraná. Na última eleição, os petistas tiveram que recorrer ao ex-governador Roberto Requião para formar chapa na disputa ao governo estadual. Sob o comando de Gleisi, o PT paranaense não tem candidato competitivo nessas eleições municipais em nenhuma das cidades mais importantes do estado.

 

Na eleição de 2022, Moro se elegeu senador no Paraná mesmo tendo que montar uma campanha às pressas depois do PT causar a perda do seu registro eleitoral em São Paulo. Na eleição paulista estava em curso a habitual jogada de Lula de montar um cenário para facilitar a disputa para ele e seu partido. Moro tinha que ser eliminado. Como todos sabem, tomaram na cara. Fernando Haddad perdeu mais uma eleição, desta vez favorecendo a criação de mais uma força à direita, com Tarcísio de Freitas se elegendo governador.


Com a mudança forçada de Moro para o Paraná revelou-se que ainda permanecia o prestígio da sua imagem de combatente da corrupção, mesmo com a quantidade de equívocos políticos que ele cometeu desde que deixou de ser juiz da Lava Jato. Claro que para seus inimigos pesou bastante a cobiça de levar fácil a cadeira de senador, ainda com seis anos de mandato pela frente. Mas pesou ainda mais, especialmente para os petistas, a necessidade de acabar com o mito encarnado por Moro. 


Também dessa vez, a investida não deu certo. A decisão pela rejeição foi unânime, pela inexistência de “provas cabais”, como disse Alexandre de Moraes, no julgamento de ontem no TSE. Moraes destacou inclusive uma alegação das ações contra Moro, que ultrapassam o sentido jurídico. É uma indecência. O PT e o ex-deputado bolsonarista apontavam como “prova” de gastos excessivos na sua pré-campanha presidencial o aluguel feito pelo partido de um carro blindado.


Os riscos de Moro não se devem só ao que fez no combate a criminosos da política, mas também pelo seu trabalho corajoso de investigação rigorosa do crime organizado, com a prisão de chefes do narcotráfico. Moraes deu atenção a este ponto do processo contra o ex-juiz da Lava Jato, dizendo que, tendo sido secretário de segurança e ministro da Justiça, sabe o que é sofrer ameaças graves contra a vida, “ser ameaçado, você e sua família, de morte”.


Em março do ano passado, a Polícia Federal desarticulou um plano do PCC de ataques contra autoridades públicas, como o senador Moro e o promotor Lincoln Gakiya. A ação criminosa já estava em andamento, com o investimento pelo PCC de R$ 2,9 milhões. Um atentado contra Moro e suas família já tinha toda uma estrutura em Curitiba, com o aluguel de chácaras, armas e veículos para o cometimento do crime.


Este é um ponto bastante vergonhoso desse processo e de toda a perseguição política contra Moro, não só pelo seu combate contra a corrupção, mas pela imagem de forte teor simbólico que colou na sua carreira política. Isso desagrada não só aos larápios de colarinho branco, mas aos bandidos do narcotráfico e das facções paramilitares violentas. Mas dá para entender esta articulação de interesses que, afinal, miram no objetivo em comum da impunidade. A permanência de gente como Moro na política prejudica os negócios desses dois tipos de quadrilha.

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Por José Pires

quinta-feira, 11 de abril de 2024

A primeira derrota de bolsonaristas e o PT na batalha suja pela cassação de Sérgio Moro

Com a acachapante vitória no TRE do Paraná, o senador Sergio Moro venceu uma etapa importante da impressionante perseguição que movem contra ele, numa série de ataques que juntam direita e esquerda. A cassação de seu mandato foi negada por cinco desembargadores eleitorais contra dois indicados por Lula poucos dias antes do julgamento. 


É natural a importância dessa vitória para o enfrentamento em um segundo julgamento, no TSE, no entanto, em razão dos termos deste julgamento, ela fortalece ainda mais a defesa de Moro. O PL de Bolsonaro anunciou que não irá recorrer da decisão, mas é improvável que o PT faça o mesmo. O partido do Lula deve seguir a vendeta proclamada pelo chefão, na famosa frase, das suas memórias do cárcere. Conforme ele disse, “Não tá tudo bem, só vai estar bem quando eu foder esse Moro”.


Neste aspecto, parece que houve um cuidado especial de Lula. Um dos votos dados contra Moro foi do advogado Julio Jacob Junior, ligado ao ex-governador tucano Beto Richa, que foi alvo da Operação Lava Jato. E na instância superior não haverá surpresa se Moro perder o mandato, afinal o país segue à toda na perspectiva de evitar investigações e condenações só para um lado.


O processo de cassação começou com o PL de Jair Bolsonaro e logo o PT foi atrás, numa cobiça contagiante pela cadeira no Senado. A apelação para o chamado “tapetão” tem como origem Paulo Martins, deputado federal eleito na onda bolsonarista de 2018, com pouca projeção nacional. Martins perdeu a eleição para o Senado para Moro, que teve 1.953.188 votos, contra 1.697.962 do bolsonarista. O ex-senador Alvaro Dias amargou um terceiro lugar mais distante.


Várias figuras do estado já se lançaram como pré-candidatos, torcendo pela cassação, incluindo a presidente nacional do partido, deputada Gleisi Hoffmann. São os oportunistas de sempre da política, que a meu ver quebrarão a cara se ocorrer a perda de mandato. Pelo clima de injusta perseguição política, na minha opinião é improvável que um candidato apoiado por Moro não seja altamente competitivo nesta eleição. Ora, para começar, tal candidatura contaria com a simpatia dos eleitores que tiveram seus votos roubados.


No julgamento desta semana, o ex-juiz federal da Lava Jato teve também um reforço na sua batalha, com o conteúdo do voto do relator do caso, Luciano Carrasco Falavinha, uma peça jurídica imparcial e ao mesmo tempo demolidora do pedido de cassação que juntou petistas e bolsonaristas. Independente do que seja decidido no próximo julgamento, a exposição do relator deixa clara a falta de sentido jurídico do pedido de cassação, ficando claro que só tiram o mandado de Moro se for por perseguição política. 


A peça acusatória acusa Moro de abuso do poder econômico, com uma argumentação que usa uma equação que não bate com a lei: os gastos de pré-campanha são somados aos gastos eleitorais posteriores, da campanha legislativa em São Paulo e no Paraná. Criaram uma teoria conspiratória própria dessa época amalucada, em que Moro inventou a pré-candidatura a presidente apenas para ganhar visibilidade — como se ele precisasse disso — e depois disputar o Senado pelo Paraná.


Quanto aos gastos, acontece que nem sequer existe regulamentação alguma sobre isso. A acusação do PL e do PT também perde sustentação com o fato de que na lei que se aplica à pré-campanha, ou em qualquer outra, não consta uma definição de limite de despesas de pré-candidaturas. Moro também foi acusado de caixa 2, que foi acolhido por nenhum dos desembargadores.


O PT chegou a colocar na conta os gastos do partido de Moro com segurança, durante a pré-candidatura, o que fez o relator observar que, neste aspecto, uma punição inviabilizaria futuros pré-candidatos com a vida ameaçada. No geral, a cassação de Moro pode também criar jurisprudência que afetaria pré-candidaturas futuras.


O próprio Lula já havia revelado sua preocupação sobre efeitos colaterais da cassação de Moro, que poderia resultar em uma jurisprudência negativa até para o PT. Bem, aí temos um especialista que passou toda sua carreira em pré-campanhas de quatro em quatro anos, bancadas com bastante dinheiro.


Outro ponto que chama a atenção nesta perseguição a Moro é a resiliência do atual senador, com a firmeza da sua imagem como a encarnação simbólica do combate à corrupção e da honestidade política. Não vou tratar aqui se existe ou não sintonia nas atitudes do ex-juiz federal com este sentimento popular. 


É inquestionável que ele cometeu várias atropeladas éticas e até mesmo ao bom senso, desde que pediu demissão da Justiça Federal, porém, mesmo assim seu prestígio manteve-se em alta para uma larga faixa da população, como mostrou com a eleição no Paraná com dois milhões de votos. Além disso, sua esposa Moro Rosane se elegeu deputada federal em São Paulo.


Foi este prestígio, por sinal, que levou à perseguição incessante de Lula e seu partido, na tentativa da sua destruição política. Os petistas atuavam também para criar artificialmente um quadro eleitoral mais favorável aos seus interesses, quando foi cassado o registro eleitoral paulista de Moro, forçando sua mudança para o Paraná. Pois ele teve uma vitória destacada e agora querem cassar seu mandato, com alegações que não se sustentam.


Essa esquerda cretina gosta de colocar a “História” em qualquer banalidade em que se metem, pois aqui temos uma questão de fato histórica, numa inversão de seus objetivos. Se não tivessem se ocupado tanto em azucrinar a vida de Sergio Moro, o mais provável é que ele estivesse tocando seu mandato no Senado, encaixando-se na atividade natural de todo político, na labuta para manter a viva a própria carreira, tentando destacar-se para uma reeleição ou para a disputa por qualquer outra posição.


Um olhar retrospectivo sobre a quantidade de equívocos de Moro, desde sua saída da Justiça Federal — a começar pela entrada no governo de Jair Bolsonaro, além da absurda assessoria que deu para a tentativa de reeleição do então presidente —, permite acreditar que ele poderia até ter chances de sucesso, como ocorre com qualquer político, mas duvido que ele estivesse em patamar de tanta relevância, como um mito da política brasileira.

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Por José Pires

quinta-feira, 21 de março de 2024

Lula e as más lembranças de um passado que volta a ser realidade

A reunião da semana passada, entre o presidente Lula e seus ministros, me fez lembrar de outra reunião presidencial, essa do governo de Jair Bolsonaro, quando foi gravado o famoso vídeo que revelou o motivo da demissão do então ministro da Justiça Sergio Moro. A reunião de Bolsonaro foi no dia 22 de abril de 2020, com um ano e quatro meses de governo. Não só por coincidência, a reunião de Lula aconteceu com quase o mesmo tempo de governo.


Quando pudemos assistir ao vídeo da reunião de Bolsonaro, com sua espantosa confissão de que iria interferir na Polícia Federal para proteger os filhos e amigos, outra coisa que me chamou bastante a atenção foi a absoluta falta de qualidade do encontro de trabalho das mais altas autoridades do Governo Federal. Pois a reunião de Lula, da semana passada, causou a mesma impressão negativa.


Mais que grotesco, é muito triste — porque no final somos nós que vamos ter que suportar as consequências — saber que Lula usa uma reunião, que deveria ser objetiva e de resultados, para se gabar da sua capacidade política, dando conselhos a subordinados de idade e xingando o presidente anterior de “covardão”. Ele chegou a pedir “mais entusiasmo” ao ministro Rui Costa, na apresentação de PowerPoint dos resultados do primeiro ano de governo. Ora, Costa tem 61 anos, a vida toda fazendo política. E agora com alguém puxando-lhe as orelhas.


E entendo o desânimo do ministro na apresentação do ano de gestão petista. É de cortar os pulsos. Nosso país enfrenta graves problemas, com questões muito mal resolvidas durante anos, que no desenrolar dessa falta de cuidado leva a consequências que afetam duramente a vida dos brasileiros, com problemas, como o avanço da criminalidade e a carência de dinheiro até para comprar o básico em alimentação, além da destruição generalizada das profissões, do comércio e da indústria. 


No entanto, o que se soube pelos vazamentos depois da reunião, o encontro serviu para Lula expor para os subordinados sua total falta de sintonia com as mudanças da política, da tecnologia e de tudo o mais que foi se transformando no mundo enquanto ele envelhecia. Internamente no governo rola o mesmo lero-lero improdutivo que suportamos aqui fora. Mesmo no ordinário da política, o petista descolou-se completamente da realidade, dando conselhos banais e repondo, de forma incessante, platitudes que ele não consegue ver que podem até servir para o engodo eleitoral, porém não são de utilidade alguma para conduzir uma gestão.


Nas reuniões anteriores, Lula já vinha dando broncas nos seus subordinados (tudo gente de idade, como já disse), mas nessa ele teve que encarar o choro sentido de Nísia Trindade, depois da ministra ser cobrada rispidamente pelo agravamento da dengue e o mau atendimento aos Yanomamis. É o modo de ser do chefão petista, que costuma colocar a culpa nos outros quando ele mesmo falta com suas responsabilidades. A ministra da Saúde pode até ter se descuidado da dengue, mas onde andava Lula enquanto os mosquitos estavam proliferando?


Lula está totalmente alienado do que acontece ao seu redor, sem consciência até de cuidar com atenção do que é mais básico, na gestão e também na política, como, por exemplo, deixar de tratar questões sérias no improviso e na sua oratória de palanque. Talvez até de evitar trazer para cá encrencas pesadas que envolvem terrorismo, fundamentalismo religioso resolvido a se impor pelas armas, autocratas com planos imperialistas e outras barbaridades.


Pessoas em altos postos tendem a perder o contato com a realidade, problema que é ainda mais grave em um país sem transparência e cobrança de responsabilidade (vide os juízes do STF), mas Lula como presidente da República é um fenômeno em alienação. E ainda é um reincidente. O cara não é brincadeira: ostenta no currículo o mensalão e o petrolão, entre outros. De volta à cena do crime, como bem disse seu vice, parece disposto a repetir tudo que fez de errado, agora até talvez aperfeiçoando os desastres. 


É verdade também que ele está mal assessorado, como resultado de suas más escolhas. Quando a gente olha para esse governo, só vê as velhas caras e ideias de um passado que imaginávamos que ficaria para trás como uma má lembrança. Para ficar num só exemplo, muito significativo, da Casa Civil é que o presidente da República teria de receber informações precisas sobre o andamento das questões de governo, adiantando ao presidente inclusive táticas para evitar que problemas mal resolvidos fiquem ainda maiores perante a opinião pública.


Mas quem está na Casa Civil é Rui Costa, o desacorçoado do Powerpoint, que faz parte de uma nova oligarquia, agora da esquerda, que domina a Bahia há duas décadas, com ele como governador por dois mandatos seguidos. Após vinte anos, os baianos sofrem com a miséria, oprimidos por criminosos ferozes. Estou falando do crime comum, é claro. Não é na segurança pública, um dos piores problemas brasileiros, que Lula vai poder contar com o ex-governador baiano. Na Bahia está tudo dominado. A realização mais visível de Costa foi a nomeação da sua mulher como conselheira do TCM baiano, cargo vitalício com salário de R$ 37.589. Mas não é essa expertise que Lula vai precisar.  Disso, ele sabe tudo.

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Por José Pires

sábado, 9 de março de 2024

A falência moral de Lula e do STF nas páginas da revista The Economist

Lula tem feito um esforço além da conta para ter destaque internacional e parece que está mesmo alcançando esse realce político. Não é do jeito que ele pretendia, mas o fato é que vem brilhando. É um pária de muita fama, digamos. A revista britânica The Economist publica nesta semana uma matéria que traz um relato sobre um período importante da sua trajetória política, nas relações mais que estreitas dos governos petistas com empreiteiras, como por exemplo a antiga Odebrecht (agora Novonor), quando chegou a ser preso pela Lava Jato, ficando 580 dias na cadeia.


A reportagem da Economist serve para mostrar com nitidez como anda a imagem do Brasil no exterior, neste caso em terreno diverso ao lamaçal em que Lula meteu o nosso país ao aliar seu governo a autocratas como Vladimir Putin, a sua cumplicidade pegajosa com o ditador chavista Nicolás Maduro, além de se aproximar de forma vergonhosa do Hamas — depois do grupo ter trucidado cerca de 1.200 pessoas em um ataque cruel — com as suas declarações estapafúrdias sobre o conflito entre Israel e esses assassinos, na Faixa de Gaza.


A pauta da Economist é o avanço da corrupção na América Latina. O Brasil figura com destaque em um apanhado muito bem elaborado sobre a corrupção na América Latina. A Transparência Internacional trouxe em janeiro um levantamento sobre percepção de corrupção, em que o nosso país caiu dez posições, está com 36 pontos, sendo classificado na 104ª posição, entre 180 países avaliados. Estamos abaixo da média global (43 pontos), da média regional das Américas (43 pontos) e da média da OCDE, em 66 pontos.


Estamos voltando a ser altamente competitivos em negociatas, evidentemente como consequência do sucesso do esquema de esvaziamento do combate à corrupção, no ataque concentrado e bem organizado contra a Lava Jato, com o uso inclusive de hackeamento criminoso de conversas de autoridades da Justiça, além de mudanças abruptas de concepção do STF, até indo contra decisões do próprio tribunal, como foi a derrubada da prisão em primeira instância, uma medida adequada para tirar Lula da cadeia.


Entre os países com as piores avaliações no levantamento da Transparência está a Venezuela, com 13 pontos. Todo mundo sabe do especial apreço de Lula pelo governo deste país, comandado com mão de ferro pelo seu fraterno companheiro Nicolás Maduro. É claro que essas amizades do presidente brasileiro avacalham ainda mais com a imagem do Brasil. O tal do “Sul Global”, que junta uma diversidade de países sem nenhuma sintonia entre si e do qual Lula fala como se fosse um fator de transformação do planeta, é composto na sua maior parte de governos sem nenhuma preocupação com transparência e combate à corrupção. Imaginem a qualidade da relação comercial que pode vir disso. Nas transações em tecnologia poderemos contar com avançadas práticas de impunidade, talvez até trazer para cá mais expertise para o crime organizado.


O levantamento da Transparência cobre o ano passado. Desde então, a percepção de corrupção no Brasil vem aumentando. O pessoal não brinca em serviço. Nos primeiros meses deste ano tivemos vários fatos preocupantes, como a decisão do ministro Dias Toffoli, da suspensão do acordo de leniência de R$ 3,8 bilhões firmado pela antiga Odebrecht, atual Novonor.  Antes, Toffoli havia suspendido a multa de 10,3 bilhões de reais do acordo de leniência do grupo J&F, dos irmãos Batista. A esposa de Toffoli, Roberta Rangel, trabalha para a empresa como advogada. A decisão do ministro no acordo de leniência da Odebrecht, que trata de delitos confessados pela empresa, abre espaço para novas anulações.


A Odebrecht, agraciada com a decisão do ministro do STF de deixar de pagar bilhões, entre 2001 e 2016 pagou quase 800 milhões de dólares em subornos em três continentes. É o que informa a Economist. A revista conta também que é o maior caso de corrupção estrangeira tratado pelo Departamento de Justiça americano. Além dos Estados Unidos, a Odebrecht sofreu processo e foi condenada ao pagamento de multa também na Suíça. Nesses lugares o Supremo não determina retrocessos.


A reportagem lembra também de algo importante, sobre um fato marcante nesta onda organizada do desmonte do combate à corrupção. Foi com a censura decretada pelo ministro Alexandre de Moraes à revista Crusoé, do site O Antagonista. Moraes decidiu pela exclusão de uma matéria na edição de abril de 2019 que trazia Dias Toffoli na capa. A Crusoé tratava de e-mails da Odebrecht que falavam no ministro como “o amigo do amigo do meu pai” (“the friend of my father’s friend”, fica até mais cadenciado em inglês), numa referência a Lula, que era muito próximo de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht, dirigente da empresa que foi preso pela Lava Jato. Lula foi quem nomeou Toffoli — seu chapinha, que trabalhava para o PT — para o STF, em 2009.


O STF teve que voltar atrás da censura à Crusoé, devido ao clamor público. Mas estava dado o toque, pode-se dizer, simbólico do processo de ataque a quem combatia a corrupção, com o retrocesso político que tem a soltura de Lula como um fator de união de variadas forças políticas implicadas em ilegalidades, envolvendo todos os poderes da República. A Lava Jato estava descobrindo no emaranhado da rede de corrupção linhas atadas ao Judiciário e já havia chegado até à corrupção do PSDB. Como dizia um poderoso senador, quando os corruptos andavam acuados, era preciso “estancar a sangria”.


Como forma de defesa, articularam o retrocesso ético. As mãos sujas se juntaram, em um pacto para o ataque às mãos limpas, até aqui num esquema que vem obtendo sucesso, com a intimidação da opinião pública e um embaralhamento judicial que faz de detalhes técnicos a chave para soltar corruptos, intimidando a sociedade civil e a imprensa, afetando a própria democracia. Ou o Brasil se livra dessa impunidade ou é como a história da saúva: acaba-se o Brasil.

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Por José Pires

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Bolsonaristas na Paulista; a polarização entre a rejeição e a falta de rumo

Militâncias no geral, como acontece com a militância em torno de Lula, devem tomar muito cuidado em sair por aí defendendo bandeiras nas redes sociais, nos embates acirrados que sabemos muito bem que costumam acontecer também nos encontros familiares e entre amigos de longa data. Também é arriscado sair por aí seguindo ordens de Jair Bolsonaro, mas nesta semana quem se danou foi a esquerda. O resultado pode ser de amizades desfeitas, rusgas que acabam com o convívio com parentes e esta desarmonia brutal que aí está, emperrando o funcionamento do Brasil e fazendo deste país um lugar sem rumo certo.


Já no domingo que teve a manifestação bolsonarista na avenida Paulista, em São Paulo, a máquina de propaganda lulopetista havia colocado em andamento uma ação organizada para desacreditar o evento político convocado por Jair Bolsonaro. A máquina petista tentava criar a narrativa da falta de público e de que o ato público não daria em nada politicamente. Ora, foi um sucesso a primeira saída às ruas da direita, depois da desastrada manifestação de 8 de janeiro, quando Brasília foi vandalizada. 


A tigrada vermelha ficou pelo menos dois dias batendo forte numa avaliação absolutamente errada, desmentida por vídeos e fotos da Paulista já no início da tarde de domingo. Houve também a tentativa de confundir a opinião pública quanto a quantidade exata de pessoas que foram ouvir Bolsonaro, uma bobagem retórica facilmente desmentida por uma simples olhada nas imagens. Com a avenida Paulista lotada de gente a militância passou vergonha nas redes sociais. Imaginem as gozações que devem ter aguentado pessoalmente.


E a coisa foi só piorando. Nesta terça-feira, o próprio chefão do PT aceitou o que estava claro nas imagens do ato. "Eles fizeram uma manifestação grande em São Paulo. Mesmo que não quiser acreditar, é só ver a imagem”, disse Lula em entrevista a um jornalista governista.


A militância, coitados, foi desmentida pelo líder depois de passar dois dias acreditando mais nas suas ordens do que nos próprios olhos. Mas tem dessas coisas ser capacho de autocrata. E a direita manteve a animação que vinha desde o domingo, com mobilização nas redes, os vídeos repercutindo a volta às ruas, artigos na imprensa e nos sites, um vigor renovado para uma parcela significativa de brasileiros que se sentiam acuados desde os atos de vandalismo em Brasília. 


Mas a esquerda que se prepare. O evento de domingo foi com certeza um forte estímulo político, provavelmente com efeito na eleição deste ano. Para a próxima eleição presidencial, os indicativos que já não eram bons para o PT ficam um tanto mais negativos. E um ponto bastante interessante neste caso é que algo para o qual a militância vem torcendo de forma idiota, que é a sua prisão, se ocorrer fortalecerá ainda mais seu mito.


O ato de domingo na capital paulista pode ser visto como a cristalização da polarização política que Lula demonstrou que queria manter como um suporte de garantia eleitoral no seu projeto hegemônico de poder. Mas o plano se complica com esta comprovação de que a capacidade de juntar povo — que o PT perdeu há bastante tempo — agora está com a direita. Se Bolsonaro for preso, o acampamento em volta da cadeia vai fazer do acampamento petista na Polícia Federal de Curitiba um ajuntamento merreca de barracas.


Lula sabe dessa deficiência de seu partido, até porque a demolição da capacidade orgânica do PT vem sendo gradativamente feita por ele mesmo, nas alianças espúrias pelo país afora, ano após ano, para disputar eleições com larga vantagem. Atualmente, o PT está numa situação parecida com a do PSDB, arriscando-se ao destino de um grande partido que vai tendo cada vez menos relevância.


A direita corre no sentido contrário, com um horizonte de crescimento que vai sendo alargado pelos anseios da sociedade que a esquerda não soube contemplar. E que não se pense que estou falando de valores moralistas e religiosos. A disfunção esquerdista está nas carências do cotidiano brasileiro: segurança e a falta de aplicação de leis rigorosas contra o crime, pouco desenvolvimento econômico, qualidade de vida cada vez pior, o aumento da corrupção e da impunidade, os desastres naturais que tendem a se agravar, com a dificuldade dos mais jovens num país que oferece cada vez menos esperança para se ter um emprego de razoável qualidade, uma vida digna, com o direito de constituir família sem temer pelo futuro dos filhos. 


O que se pode avaliar no entorno deste domingo com a avenida Paulista lotada é o caldo cultural de um movimento de massas sem precedentes na nossa história recente. O que já era perceptível nos acampamentos na frente de quartéis militares, parece que ainda tem seu vigor. Lula queria polarização e parece que está tendo sucesso. Até aqui este potencial vem sendo mantido pela rejeição fortalecida pelo governo petista, mas esbarra na dificuldade de estar concentrado em uma liderança de covardes e incompetentes — com Bolsonaro como chefe. 


O núcleo dirigente do chamado bolsonarismo não tem capacidade sequer de compreender o fenômeno social do qual se beneficiam, muito menos de organizar e administrar este impressionante anseio popular. Esse pessoal é basicamente dinheirista e mantém-se deslumbrado com a possibilidade de faturar numa quantidade que não tinham visto antes, quando havia a trabalheira de correr de um caixa eletrônico para outro, para juntar a grana que tiravam de servidores de gabinetes.


Falta-lhes uma doutrina sólida, que eles nem tem onde buscar. Com exceções mínimas, não existem líderes com capacidade de pensar e executar um aprimoramento da organização política. E mesmo assim, a rejeição ao PT sustenta a adesão popular, como se viu na avenida Paulista. Lula ajuda muito nisso, com sua total indiferença ao motivo principal da sua eleição: o fim da divisão social em que estava o país, com a criação de um governo baseado na tolerância e na democracia, levando o equilíbrio e a sensatez para o Palácio do Planalto. 


Não é que seja uma surpresa para mim, mas o velhaco passou o ano passado inteiro e segue este ano fazendo o contrário do que prometeu. Eu já sabia que um governo do PT não teria capacidade e muito menos a intenção de trazer paz e dar espaço para que o país cuide de seus problemas, mas Lula é mesmo um bamba na decepção, mesmo quando quase nada se espera dele.


Até nas relações internacionais, onde o governo anterior só trouxe complicações, ele conseguiu ser pior que Bolsonaro. É a decepção costumeira, por menores que sejam as expectativas. Quem é que poderia imaginar que o chefão petista chegaria a acende o antissemitismo entre os brasileiros com tamanha intensidade? Pois acredite. Para seus seguidores, Lula tem razão, mesmo na minimização da crueldade do Hamas e nos xingamentos a Israel, que foi atacado pelo terror. Até nas absurdas sobre o Holocausto, para eles Lula tem razão.


O boquirroto internacional conseguiu marcar o Brasil como um país aliado de autocratas como Vladimir Putin e condescendente com o terrorismo do grupo Hamas. Também ficamos alinhados com o Irã e as ditaduras da África, além dos governos corruptos e ditatoriais do nosso continente, parceiros antigos da esquerda brasileira. O que mais Bolsonaro precisaria para se limpar das suas sujeiras e jogar para debaixo do tapete seu histórico como presidente incompetente?


Com um governante como Lula no poder muitas avenidas Paulista virão. Ao que se indica até aqui, lotadas pela direita. Ao menos por enquanto, não existe nenhum prenúncio da tal da terceira via, que não deu as caras para nos livrarmos desses dois trastes — um da direita e outro da esquerda — na eleição passada. É alarmante? Claro que é. Com a política tomada por uma polarização que produz apenas balbúrdia, atrapalhando a vida dos brasileiros, os mais jovens vão começando a vida já na desesperança e nós, de mais idade, ficamos com a angústia e o sentimento de culpa de que erramos mais do que era aceitável.

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Por José Pires