sexta-feira, 6 de outubro de 2023

E o Nobel da Paz saiu para Narges Mohammadi, da oposição aos parceiros de Lula no Irã

Extra, extra, extra: Lula não ganhou o Prêmio Nobel da Paz! Esta deveria ser a chamada, nesta sexta-feira, em publicações que facilitam bastante para o petista nas suas armações para manter-se na mídia como alguém altamente prestigiado e de grande poder de articulação internacional. Parece que, se for o Lula, qualquer bobajada é aceita como se ele fosse um inimputável. Passamos os últimos meses tendo que ver esta lorota rasteira de propaganda ser tratada como se fosse algo sério, em alguns casos com o assunto colocado como parte de uma grande capacidade estratégica de Lula.


A premiação do Nobel foi exatamente no sentido contrário do que o chefão petista pensa de política internacional ou de paz, indo contra sua posição histórica de apoio a governos que desrespeitam os direitos humanos, com especial apreço pelo Irã, o que faz tempo que me parece suspeito. O Prêmio Nobel da Paz de 2023 foi concedido à iraniana Narges Mohammadi, engenheira e ativista política de 51 anos. Ela ganhou o prêmio pela sua luta pelos direitos das mulheres no Irã. É uma brava combatente pela democracia, em um país onde isso exige coragem de fato.


Essa notícia deve aumentar o ressentimento de Lula. E claro que, para o nosso alívio, acaba com essa conversa fiada de ele ganhar o prêmio. O petista tem uma ligação antiga com o regime teocrático islâmico do Irã, uma ditadura que pela base doutrinária religiosa tem um foco especial na opressão às mulheres. Mesmo nas piores fases da repressão do regime dos aiatolás, Lula tinha uma palavra de apoio aos aiatolás e fazia restrições à oposição democrática do país, até fazendo gozação sobre pessoas que eram presas e até mortas por se opor a uma ditadura.


Ficou famosa internacionalmente uma declaração sua, feita no seu segundo mandato, em 2009, quando seu governo estreitou relações com o Irã. Na época, ele tinha um grude especial com Mahmoud Ahmadinejad, eleito presidente com fraude. Enquanto a oposição iraniana era massacrada por forças policiais e de milícias governistas nas manifestações de rua contra a eleição roubada, sofrendo mortes e prisões, Lula comparou os manifestantes a uma torcida de futebol perdedora. Isso é “apenas como uma coisa entre flamenguistas e vascaínos”, ele disse.


Pois agora a valorosa oposição foi honrada com o prêmio. Este Nobel da Paz será um incômodo para os petistas. A pauta é difícil para a esquerda engolir. A retórica antiocidental de Lula tomou na cara. Neste sábado, a Fundação Nobel retirou o convite feito aos representantes da Rússia, Belarus e Irã para assistirem às cerimônias de entrega deste ano. Todo o clima político bate de frente com a política da cervejinha entre vítima e agressor, na receita de Lula que, tempos atrás, ele alegava que podia também ser uma solução para os iranianos.


Segundo os organizadores do Nobel, o prêmio foi pela luta de Narges Mohammadi pelos direitos das mulheres no Irã contra a “sistemática descriminação e opressão do regime iraniano”. Isso levanta um interessante questionamento direto a Lula, obrigatório do ponto de vista jornalístico, embora eu não acredite que seja feito — mesmo por mulheres, que atualmente parece que são maioria na profissão. As de esquerda não tocarão no assunto, afinal o relativismo faz esse pessoal defender que espancar e levar para a prisão por motivos alegadamente religiosos uma mulher — e até matá-la, como aconteceu no Irã — é um traço cultural que deve ser respeitado.


De qualquer modo, a relação do Nobel da Paz deste ano com a luta contra a opressão no Irã marcará um pouco mais a imagem de Lula no plano internacional, em razão da sua ligação com a ditadura dos aiatolás, sempre usando de forma hipócrita o conceito de autodeterminação dos povos, que na sua lógica torta cria uma equivalência entre invasor e país agredido, como ele já afirmou, referindo-se à guerra da Rússia contra a Ucrânia. 


Por sinal, a perseguição cruel do regime islâmico iraniano a Narges Mohammadi tem até uma coincidência curiosa para o PT: ela já foi presa 13 vezes no Irã e condenada a 31 anos. Nesses anos todos, a esquerda brasileira fala pouco, quase nada mesmo, desse assunto. Tampouco criticaram os absurdos que seu chefe diz. Só alguém muito cruel pode fazer piada com torcida de futebol sobre o que acontece no Irã, desde que os aiatolás subiram ao poder. 


Ali temos uma ditadura inclemente. As lembranças da ativista são terríveis, a partir da revolução islâmica de 1979, quando os aiatolás tomaram o poder. De uma família envolvida com política, um tio ativista e dois primos de Mohammadi foram presos. Ainda criança, todas as semanas ela ia para visitas à prisão com seu irmão e sua mãe, para ouvir numa televisão os nomes de prisioneiros executados. Numa tarde, o apresentador disse o nome do seu primo.


Mohammadi tem dois filhos gêmeos de 16 anos, Ali e Kiana. A última vez que ela esteve presencialmente com o filho e a filha foi há oito anos. Os dois vivem com o marido da ativista, Taghi Rahmani, 63 anos, também escritor e ativista que teve que fugir com as crianças para a França depois de ter ficado preso por 14 anos no Irã. Em 24 anos de casamento, apenas cinco ou seis foram de vida em comum com o marido.


De maio a outubro de 2020, Mohammadi esteve presa por acusações de ter "formado e liderado um grupo ilegal". O grupo defendia a abolição da pena de morte no país. Em maio de 2021 foi novamente condenada, desta vez a 80 chicotadas e 30 meses de detenção. A acusação: "propaganda contra o sistema" e "rebelião" contra a autoridade prisional. Por último, em novembro de 2021 foi detida perto de Teerã. Ela apenas assistia a uma cerimônia em memória de um homem morto em uma manifestação de 2019 contra o aumento dos preços dos combustíveis. Em janeiro do ano passado, a Prêmio Nobel foi condenada a mais oito anos de prisão e a 70 chicotadas.


As prisões iranianas são muito duras, especialmente para oposicionistas políticos, sem o respeito a certos direitos básicos, comuns em “democracias burguesas” ou de “europeu safade”, como costumam falar esquerdistas da nossa terra. A vida cotidiana do povo iraniano é de pressão constante. Os vigilantes oficiais do comportamento da população interpelam as pessoas, reprimindo qualquer comportamento tido como irregular, do ponto de vista político ou religioso, que no Irã é praticamente a mesma coisa.


Foi por pouca coisa que mataram Mahsa Amini, de 22 anos, em setembro do ano passado — no dia 13, vejam só! — foi exatamente depois dela ter sido presa porque havia deixado uma mecha de cabelo aparecer, saindo do hijab, véu islâmico obrigatório por lei. A pena pode chegar a 10 anos de prisão. Sua morte levou a protestos de rua contra o uso obrigatório do hijab que — olha que coisa! — no Brasil, entre a esquerda, defendem como um “traço cultural”.


Prender uma mulher por ela ter expressado suas opiniões também faz parte desse modelo de civilização que deve ser aceito passivamente? Esta é uma questão que Lula e seus companheiros precisam explicar. Que tipo de gente são essas militantes da esquerda brasileira, que aceitam sem um pio a liderança de um homem que apoia desse jeito a opressão contra as mulheres?


Entre as mulheres do Irã a opinião é de que a liberdade de escolha é que deve imperar. Elas também não aceitam o conceito absurdo de que não passa de uma questão de culturas diferentes. Pode acontecer de uma mecha de cabelo ser a diferença entre ser feliz ou não. A morte de Mahsa Amini acendeu no espírito das mulheres uma capacidade de luta e a coragem de queimar hijabs em manifestações de ruas e soltar os próprios cabelos, pois nem isso é permitido pela teocracia islâmica.


Nas cadeias, as mulheres que não querem se submeter às imposições do regime sofrem abusos, “espancadas e machucadas, com os ossos quebrados”, como escreveu a Prêmio Nobel em um artigo publicado no mês passado no New York Times. No texto, ela conta que conheceu muitas prisioneiras que foram abusadas sexualmente. Disse também que nada quebra o anseio de liberdade que o mulherio revigorou no Irã, depois de mais de 40 anos de uma das piores ditaduras do mundo. Da prisão, ela sintetizou a energia que emanou das manifestações femininas contra o véu imposto por um regime de força absolutamente cruel e desastroso para a vida dos iranianos: “O governo não compreende que quanto mais de nós eles prendem, mais fortes nos tornamos”.

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Por José Pires

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