Não é difícil entender a razão de milhões de brasileiros se ocuparem com um incidente ocorrido em um campo de futebol — de uma forma muito parecida com tantas outras agressões habituais dessa atividade — e pouco se importarem com outro acontecimento muito mais grave e também relacionado a esta Copa do Mundo: a queda do viaduto em Belo Horizonte, que matou duas pessoas e feriu dezenove.
No Brasil, vivemos numa ditadura comercial do futebol. É uma ditadura tão absoluta que até abafa os outros esportes. Eu já falei outras vezes dessa máquina que está em andamento e que força a deixar pra lá tantos assuntos mais importantes, entre eles a morte de pessoas comuns, ocorrida em uma situação muito mais relacionada com a segurança pessoal de todos nós do que um embate entre milionários de calção. Afinal, todo mundo passa embaixo de viadutos, não é mesmo? Inclusive atletas ricos e famosos. Já uma dividida na grama é opção pessoal. E quem está nisso profissionalmente sabe que não é no campo do respeito humano que rola a bola.
O que ocorreu entre Zuñiga e Neymar é obviamente lamentável, mas não está fora do padrão do futebol. A diferença entre esta agressão e tantas outras foi a consequência, que parece ter sido muito mais grave do que costuma acontecer na rotina de deslealdade e violência entre os jogadores. Se Neymar tivesse saído apenas levemente contundido a reação da torcida viria só na forma de piadas. Mas, afinal, moralmente é ou não a intenção que vale?
Outra diferença é o grau de indignação, que é sempre relativo ao time em que o agressor e o agredido jogam. Esta diferença é que determina se um jogador violento será definido como brigador, combativo, aquele que realmente veste a camisa ou será xingado de macaco e de outros insultos.
Hoje em dia o futebol profissional nem pode ser tido como um esporte. É uma atividade meramente comercial em que se vê em campo os piores exemplos humanos. Onde deveria existir a camaradagem e a construção de um espetáculo promovido em conjunto, por dois times e duas torcidas, na verdade acaba sendo explorado um antagonismo agressivo. Na maioria das vezes é uma guerra, que costuma inclusive ser transferida para as ruas nos quebra-quebras de torcedores. Não é à toa que já se tornou uma convenção mesmo entre torcedores pacatos o tratamento mútuo por meio de pejorativos. Também é parte disso o fato da corrupção no meio futebolístico ser tolerada e até tratada de forma pitoresca e também o engodo durante o jogo ser visto com simpatia.
Rodeiam o futebol más influências para a consciência humana e os mais destrutivos produtos industriais. É uma atividade centrada na ambição da acumulação rápida de fortunas, sem nenhuma responsabilidade sobre o que isso vai ocasionar na vida dos outros. O que vale é o interesse pessoal. Até gestos de solidariedade fazem parte de projetos de marketing. Bananas atiradas em campo, que parecem ser contra o preconceito, são na verdade para alimentar a vaidade de um ídolo. Os produtos vendidos por jogadores e apoiados nas marcas de times são em sua maioria uma desgraça para a saúde, em séria contradição aos objetivos de qualquer esporte. No geral, são porcarias que nada acrescentam de bom à economia do país e muito menos para a vida das pessoas.
Pouquíssima coisa que presta sai da mão desses mercadores, mas tem até a desgraça do consumo excessivo de bebida alcoólica, agora com um reforço nesta Copa do Mundo, depois que a Fifa derrubou a lei que impedia a venda de cerveja nos estádios. Se for feita a conta do estrago causado por todos esses estímulos a uma vaidade tola, à ambição desmedida pelo dinheiro e a venda incessante de porcarias, o resultado será certamente um grande prejuízo para o Brasil. Mas pode ser ainda pior. Existe sempre o risco de um viaduto desses cair perto demais da vida da gente.
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POR José Pires
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