sexta-feira, 11 de julho de 2014

O deserto cultural de Cuba

Um pianista cubano, Leonel Morales, apresenta-se em Londrina, no Paraná. Vai tocar Rachmaninoff. Fiquei surpreso: ora, um pianista cubano de nível internacional em Cuba? Eis aí algo difícil de existir em um país subdesenvolvido onde não existe liberdade de ir e vir. Fora a questão política básica, do respeito a este direito humano, a falta de liberdade destrói a capacidade técnica em todas as áreas. O aproveitamento do conhecimento é sempre muito limitado num país fechado por um regime político. E já vai para mais de meio século que Cuba está assim. Porém, o pianista Morales é um dos tantos cubanos que tiveram que fugir do país para exercer com qualidade seu ofício e viver com dignidade.

Cuba teve sua cultura aniquilada pela ditadura de Fidel Castro. É complicado fazer arte num país onde uma simples viagem ao exterior exige uma permissão direta do gabinete do ditador. O pais não tem imprensa livre, a internet é controlada e a indústria editorial idem. Televisão e rádio também são estatais. Dessa forma, os canais de informação ficam nas mãos de burocratas da cultura. Imagine a casta medíocre que se formou na área cultural, em décadas de um governo que não admite de forma alguma o pensamento crítico.

Esta é uma boa situação para a meditação de brasileiros da área da cultura que ainda têm alguma ilusão sobre o que acontece em Cuba ou em qualquer país submetido ao comunismo. Quando se vive numa terra com liberdade política e de informação é muito fácil se encantar com a efigie gráfica de um Che Guevara ou fazer propaganda vazia de médico cubano em posto de saúde brasileiro. Em Cuba é diferente. Antes de Fidel Castro, o país tinha uma cultura de qualidade, que foi gradativamente sendo esvaziada a partir do início da década de 60. Em poucos anos tudo foi dominado por um dirigismo ideológico que matou o que havia de bom. Revistas literárias foram fechando ou tornando-se redações de burocratas e a indústria editorial virou fábrica de panfletos ridículos. Jornalistas e escritores foram sendo sufocados ou tendo que sair do país, como aconteceu com o grande Guilherme Cabrera Infante, que foi um revolucionário e depois teve que fugir da ilha.

Quem se encantou com a qualidade dos velhos músicos do Buena Vista Social Club, com artistas populares de alto nível como Omara Portuondo, Ruben González, Compay Segundo, Eliades Ochoa e Ibrahím Ferrer, pode ter uma ideia da destruição cultural feita pelo regime castrista. Estes excelentes artistas só ressurgiram quando o músico americano Ry Cooder os descobriu. Todos estavam afastados desde a revolução, em 1959, e viviam precariamente até o final da década de 90, quando Cooder soube deles.

Mas, voltando ao pianista que está em Londrina, Leonel Morales falou rapidamente de política. Sua saída de Cuba foi "por motivos políticos, profissionais, de todo o tipo”, ele disse, explicando de forma muito objetiva as razões que o obrigaram a abandonar sua terra natal: "Como Cuba era um país onde não havia a possibilidade de sair e entrar, então troquei de país". Hoje ele vive na Espanha.

O escritor polonês Tad Szulc escreveu uma excelente biografia de Fidel Castro.Para isso teve permissão do ditador para pesquisar na própria ilha, onde entrevistou muitas pessoas e, claro, o próprio Castro. Teve uma série de encontros com ele. Ficou meses na ilha, trabalhando na biografia. O livro é excelente e evidentemente Szulc, que morreu em 2001, só aceitou fazê-la tendo relativa liberdade para pesquisar em Cuba, além do que, quando começou a escrever a obra já tinha muito trânsito na política internacional. O biógrafo chegou a ser recebido por John Kennedy, na Casa Branca. É dele também uma biografia do papa João Paulo II. Seus livros tiveram edição brasileira, a biografia de Fidel Castro saiu aqui em 1986.

É de Szulc uma das melhor definições sobre a situação de Cuba, onde ele diz que foi instalado um "deserto cultural". O biógrafo de Castro diz que o clima intelectual e literário da ilha é uma mistura de Cervantes, Kafka e Orwell. Cervantes ele credita ao uso constante pelo ditador da língua do autor de Dom Quixote nas suas famosas, intermináveis e também habilidosas arengas para multidões de cubanos. Kafka é pelo pesadelo na vida intelectual cubana. E Orwell — escritor inglês, autor de “1984”, obra que até já virou símbolo da crítica ao totalitarismo — é pela "aterrorizante eficiência do Estado todo-poderoso e de seu grande líder". Szulc diz que a cultura é obrigada a ter permissão do Estado para existir em Cuba.
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POR José Pires

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Imagem- O ditador e o artista: Fidel Castro e o pianista Leonel Morales, que teve que fugir de Cuba para exercer melhor sua arte

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