sexta-feira, 18 de julho de 2014

O adeus de João Ubaldo e Gullar se rendendo à Academia

Nas últimas semanas andavam fazendo lobby para que o poeta Ferreira Gullar entrasse na Academia Brasileira de Letras. Era um lobby de dentro, tentando puxá-lo para agregar seu prestígio literário à instituição. A meu ver, virando acadêmico a única vantagem de Gullar seria a possibilidade de tomar um chá com João Ubaldo Ribeiro, que nunca entendi bem o que fazia por lá entre as antiguidades. Era um dos poucos escritores de qualidade para encontrar na hora do chá (por favor, não me peçam para lembrar de outro) e devia ser um ótimo papo, o que Gullar também aparenta ser. Mas agora que João Ubaldo morreu o que é que o poeta vai fazer lá?

Li recentemente que sua candidatura já foi oficializada, uma mera formalidade já que a entrada depende só da sua aceitação. Espero que ele desista, como já aconteceu numa outra vez. Este é um caso de aliciamento sem nenhuma compensação que valha a cumplicidade. Escritores como Gullar levam a literatura de verdade à Academia sem receber nada em troca. Tentaram durante anos usar da mesma forma o grande Carlos Drummond de Andrade, mas ele resistiu até o fim. Em seu "O observador no escritório", ele fala sobre uma conversa com Austregésilo de Athayde depois de uma reunião do então nascente Conselho Nacional de Cultura. Athayde foi presidente da ABL durante 34 anos, até sua morte em setembro de 1993. Esta conversa é de 1961. Na saída da reunião, Atahyde diz a ele: "Gostaria de ver você voltando a esta casa, mas já integrado na Academia". E Drummond responde rindo: "Obrigado, mas não desejo a morte de ninguém". Durante toda a vida dele insistiram sem sucesso pela sua entrada. Mas felizmente não “tinha” uma Academia no meio do seu caminho. Drummond fez um bem à literatura. Numa cultura como a brasileira, em que o compadrismo costuma se sobrepor ao mérito, o gesto do poeta fortaleceu o caráter essencial de independência da arte.

Com a morte recente de Ivan Junqueira andaram aparecendo notícias de que Gullar fraquejava nas suas negativas e já teria acertado sua entrada, pegando a cadeira do falecido. A vaga deixada por Junqueira foi antes ocupada por Getúlio Vargas (1883-1954), Assis Chateaubriand (1892-1968) e João Cabral de Mello Neto (1920-1999). Nem é preciso dizer qual é o único dos três que tem mérito literário. Getúlio Vargas nunca escreveu coisa alguma. No seu livro memorialístico, Drummond também fala de uma das vezes em que esteve com Vargas, durante uma homenagem ao editor José Olympio, na sua editora. O encontro foi em janeiro de 1953, com Vargas eleito presidente. Drummond conta que a conversação do presidente era sobre parentes, viagens, coisas da vida de cada um. "Não há conversa sobre livros", ele diz.

Academia é sempre política. O que há de literatura é para justificar a existência da instituição. E para isso serve a inclusão de uns poucos escritores com prestígio literário conquistado pela qualidade do texto e não por outras vias. Daí a insistência para o ingresso de nomes como Ferreira Gullar ou Drummond e, claro, o recém-falecido João Ubaldo. Mas a instituição também é capaz de desfeitas com a verdadeira literatura, como foi a derrota do poeta Mario Quintana, rejeitado três vezes. Perdeu duas eleições e retirou sua candidatura quando estava para sofrer a terceira derrota. Os eleitos foram Eduardo Portella e Arnaldo Niskier, figuras da política. O primeiro foi ministro do governo Sarney. Outro eleito foi Carlos Castello Branco, respeitado jornalista de política, mas que de forma alguma teve uma obra literária.

Mas, voltando ao João Ubaldo Ribeiro, sua ausência vai alargar o vazio que já é grande na vida cultural brasileira. Vou sentir sua falta, pois gostava muito de ler todas as semanas seus artigos, perfeitos na opinião e no texto. Seu velório será na Academia, o que não deixa de ser prova de alguma utilidade.
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POR José Pires

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