A edição histórica do jornal francês "Charlie Hebdo" já está na mão. Achei o conteúdo bastante fraco. Estou falando de uma visão editorial geral, especialmente nos cartuns. Os textos terei de ler bem devagar, ainda mais que estou sem tempo. Só leio francês com um certo esforço, com dicionário ao lado – e olhe lá. Mas na área do cartum não há nada de novo, muito menos com impacto.
O bom é que esta edição está vendendo mais que cassoulet quente. A tiragem aumentou para 5 milhões. Isso deve permitir a manutenção futura do jornal por um bom tempo. Com o ataque criminoso e covarde dos terroristas islâmicos, a sobrevivência do "Charlie Hebdo" virou uma questão de honra para os que defendem a liberdade de expressão. E é muito provável que a publicação cresça muito em qualidade, ampliando seu projeto editorial. Nesse momento dá para entender a dificuldade de fazer algo melhor.
Por ora não deve estar fácil tocar nem a própria vida para os que estão mais próximos da tragédia. No Brasil nós nunca tivemos nada parecido ao que aconteceu com o "Charlie Hebdo", mas a situação lembra as pressões que a imprensa alternativa sofria na época da ditadura militar. Colaborei com vários desses bravos jornais e trabalhei durante toda a existência do semanário "Movimento", que foi de 1975 a 1980, a maior parte desses anos sob censura prévia. No "Movimento" tínhamos que produzir ao menos três edições inteiras para que sobrasse uma para ir às bancas depois da censura do governo militar vetar a maioria do material. Não era fácil no dia em que textos, fotos e desenhos voltavam de Brasília ver as melhores coisas com o xis de uma caneta grossa por cima. A morte do jornal veio desse esgotamento, que dava inclusive um alto custo financeiro.
Das pressões sofridas naquele tempo a pior foi contra a criativa redação do "Ex", onde também publiquei e que tinha um pessoal que eu gostava muito. A corajosa edição sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog foi proibida e recolhida nas bancas pela polícia, além do jornal ser obrigado a se submeter à censura prévia. E sob censura era impossível fazer algo como o “Ex”. Tiveram que fechar o jornal e desistir de fazer outro quando foram ameaçados na própria redação de maiores violências. E isso aconteceu exatamente quando o "Ex" começava a melhorar muito editorialmente e a crescer bastante em vendas. Ali fechou-se a possibilidade do Brasil ter uma criativa publicação. Repito que é óbvio que é bem menos do que aconteceu na França, mas na época foi uma decretação de morte para o espírito criativo.
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POR José Pires
A edição do “Charlie Hebdo” está no link abaixo, em PDF
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