terça-feira, 10 de março de 2020

Regina Duarte na cultura filosófica da fritura bolsonarista de Olavo de Carvalho

A passagem de Regina Duarte pela Secretaria da Cultura, do governo Bolsonaro, pode servir muito bem para um conhecimento mais apurado da cultura política deste governo. Quando se fala em “bolsonarismo”, quem faz isso com conhecimento de causa sabe que o termo serve apenas para categorizar um movimento político que na verdade não tem conteúdo próprio que possa definir para que afinal se elegeu esta coisa. Neste sentido, o chamado bolsonarismo vai-se definindo pela prática, no que podemos ver como um “work in progress”, para usar a expressão literária em inglês, evidentemente pedindo perdão ajoelhado no milho pela, digamos, licença poética.

Na pressa em ocupar o poder, faltou tempo para a direita estabelecer anteriormente uma doutrina filosófica para tocar o serviço. Foi uma falha do guru Olavo de Carvalho, mestre muito ocupado e que parece sofrer de hiperatividade desde o berço, um empecilho que não permitiu sequer que ele sistematizasse tudo que fez até agora, dando uma ordem no todo de sua conturbada experiência de vida para que pudéssemos ler o que afinal estava em sua cachola.

Nesta ansiedade que prejudicou o cuidado com sua própria obra, claro que Olavo também não conseguiu estabelecer princípios básicos para montar um governo de eficiência razoável. Mas agora é tarde, tanto para a obra filosófica quanto para a tal da governabilidade.

Nesta andadura vai valendo mais o empirismo, a experiência em cada passo ou mesmo cada patada, dependendo de como se vai fazendo o caminho — que esclareço nada ter a ver com o grande poeta espanhol Antonio Machado, coitado, totalmente inocente do que está acontecendo por aqui. A entrada de Regina Duarte teve a serventia de acelerar conceitos essenciais desta filosofia olavo-bolsonariana, que tem como base elementar muito ruído e fritura constante de qualquer um que, mesmo de longe, seja visto como empecilho para a gloriosa missão do olavismo, que por ora depende bastante de boquinhas no governo.

Antes de assumir o cargo, Regina Duarte já estava sendo fritada pelo olavismo, porque antecipadamente fez uma limpa na Secretaria da Cultura, demitindo olavistas incrustados no organismo de governo. Antes do presidente assinar a nomeação o próprio Olavo de Carvalho deu a deixa do ataque em massa contra a ex-atriz da Rede Globo.

Agora ela já está sendo obrigada a plantar notícias na imprensa garantindo que não pedirá demissão, isso quando completa apenas uma semana na pasta. Não deixa de ser uma impressionante exacerbação da tradicional fritura de costume na política brasileira, mas o olavismo é assim mesmo, altamente revolucionário no tratamento aos adversários, postura que provavelmente mestre Olavo aprendeu nos anos em que serviu ao comunismo, na sua juventude.

A atriz que acabou de saltar para a banda de lá do balcão da política também está sendo forçada a engolir sapos repelentes, como as provocações do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, olavista que Regina queria substituir por um dos seus, mas foi impedida pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Camargo dá uma tuitada atrás da outra esculhambando aquela que deveria ser sua chefe. E fica por isso mesmo. Regina também teve uma nomeação na sua equipe anulada pelo presidente.

Da fritura da atriz participa até um padrinho dela, o ministro Luiz Eduardo Ramos, general que Bolsonarou levou para a Casa Civil. Nesta segunda-feira, Ramos enquadrou sua pupila pelo Twitter, puxando-lhe a orelha em público por ela ter dito numa entrevista que é atacada por uma “facção” dentro do governo.

Para alguém da idade de Regina, uma palavra deveria bastar, mas o general foi quase que didático, ainda que na linha do educador Weintraub, mas foi. “São seus ministros e secretários que devem se moldar aos princípios publicamente defendidos pelo presidente da República, não o contrário”, ele avisou pelo Twitter.

O recado pode ter também uma leitura nas entrelinhas, mesmo que não tenha sido a intenção do general. Como os princípios de Jair Bolsonaro como presidente com certeza são providos de lições filosóficas assopradas diretamente em seus ouvidos por Olavo de Carvalho ou repassadas ao pai pelos filhos, que são fãs do velho professor da Virgínia, para evitar uma queda rápida do cargo, a nova secretária da Cultura terá de submeter-se a um amoldamento com um perfil olavista.
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POR José Pires

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