sexta-feira, 2 de julho de 2010

Matando a bola

Independente do resultado do jogo entre Brasil e Holanda, que começa agora, seria bom para o futebol brasileiro que prestassem atenção às opiniões do ídolo holandês Johann Cruyff dadas em entrevista à imprensa nesta semana. Cruyff é uma raridade como Sócrates e Tostão, um teórico que tem prática no assunto. E que prática, hein? Sua seleção, o nunca esquecido “carrossel holandês”, é daquelas que deixou sua marca no futebol mundial sem ter ficado com o primeiro lugar.

E precisa? Futebol é um espetáculo proporcionado por quem vence e por quem perde. Quando se busca um arranjo técnico para buscar apenas a vitória, abafando com isso a criatividade, quem sai derrotado é o espetáculo. É o que vem acontecendo com o futebol.

Cruiff perguntou aonde está o futebol brasileiro e lembrou que já tivemos Gerson, Tostão, Falcão, Zico e Sócrates. Podemos botar na lista também Pelé, Garrincha, Didi, Rivelino... é um elenco maravilhoso. São os criadores desta marca brasileira de expressão mundial, o nosso futebol.

O holandês disse que o futebol brasileiro agora é decepcionante. Que aqui criaram a cultura de “tratar a bola como inimiga”. Citou Dunga neste aspecto. E disse mais: "A bola é no pé, tocada com carinho e como uma amiga. Não como uma inimiga".

Cruiff falou que o Brasil precisa jogar com mais intensidade e ele está certo. É assim em qualquer arte. E no futebol não pode ser diferente, porque o público reconhece a intensidade no estilo. Aquilo que não tem alma não sustenta absolutamente nada no longo prazo.

O talento brasileiro ainda existe, reconhece o holandês. É claro, é de cima, de dirigentes e técnicos como Dunga, que vem a armadura que impede a finta, a alegria, o jogo habilidoso e espetacular que deu cara ao futebol brasileiro. O Brasil ainda tem uma seleção que os torcedores querem ver jogar, ele disse. E eu digo que os torcedores ainda querem ver, porque isso pode acabar. E isso não é uma crítica baseada apenas na teoria. Nosso estádios vivem vazios.

Mas, segundo Cruiff, “os torcedores não estão desfrutando desta fantasia criativa” porque os brasileiros “escolheram jogar de uma forma defensiva e menos brilhante. É uma pena para os torcedores e para a Copa".

No meio da entrevista, ele disse que “nunca pagaria uma entrada para assistir a um jogo dessa seleção do Brasil”, o que melhor expressa a ameaça que pesa sobre o futebol brasileiro” e a nossa imprensa destacou isso de forma pitoresca como sempre. Na seção de esporte, os jornalistas fazem do mesmo jeito que na seção política.

Depois foram fazer fofoca com Dunga, que respondeu do seu jeito superficial. Fez piada ruim. Disse que Cruiff não precisa pagar. E os jornalistas riram e não foram no essencial desta discussão, o futuro do futebol brasileiro. Ninguém perguntou sobre o risco que o estilo imposto por Dunga e outros representa para a esta marca brasileira tão preciosa.

A imagem de Cruiff é precisa. O futebol não sobrevive sem pagantes, isso no sentido de toda a estrutura que move este e outros esportes. A bem da verdade, aqui foi apenas no futebol que esta estrutura foi composta. É o único esporte brasileiro que se move sem subsídios. E internacionalmente acabou trazendo vantagens impressionantes para o país.

Na minha opinião estão matando esta marca, já falei disso aqui, é mais um homicídio cultural cometido por dirigentes inescrupulosos, que permanecem no comando em várias áreas, sendo mantidos por golpes e favorecidos pelas impunidades jurídica e política. Ajuda-os também a leniência dos brasileiros.

A marca do futebol brasileiro nada deve aos dirigentes esportivos. Nasceu no campo, no toque de bola habilidoso, no drible. Os dirigentes sempre atrapalharam, impondo a corrupção e a incompetência ao esporte. Essa má-fé, não podemos esquecer até já causou mortes em estádios de futebol.

Na entrevista, uma afirmação de Cruiff deveria ser vista como um alerta. Mesmo o torcedor fanático concorda com ele. O Brasil hoje é "um time como qualquer outro da Copa". Já li isso em alguns lugares e já ouvi muitos brasileiros dizendo o mesmo. Mas pelo menos a luz amarela — para mim, a vermelha — deveria ser acesa quando isso surge na voz de uma pessoa sem nenhuma obrigação em defender o que é nosso.

Mesmo que o estilo de Dunga e esses dirigentes seja vitorioso hoje, alguém duvida que Cruiff não esteja certo e que um dia falte gente afim de ver o futebol brasileiro? Estão acabando com mais esta marca. Neste caminho, duvido que num futuro não tão longe haja torcedores ávidos para ver a Seleção Brasileira. Mesmo a próxima Copa do Mundo sendo aqui, se continuar jogando dessa forma o Brasil corre o risco de ser em 2014 apenas um anfitrião chato.

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