segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Os exageros na dor por um José Dirceu bem de vida

Um ponto que também é interessante no flagra da Veja em José Dirceu é sua reação. O ex-capitão de Lula sentiu o golpe. E não é pra menos. A matéria da revista teve um efeito terrível na sua imagem, que já não estava boa e ficou bem pior. Basta dar uma olhada nos cartazes publicitários da revista espalhados pelo país afora para saber o que Dirceu deve estar sentindo. Eu tirei a foto ao lado numa rodoviária. Nem é preciso imaginar o efeito disso nas pessoas, pois eu fiquei algum tempo observando enquanto elas olhavam a capa da revista.

O efeito é dos piores para Dirceu, mas também ele não ajuda. Ou melhor, ajuda muito quem pretende fazer da sua figura uma capa com ares de suspeição. A capa da Veja é perfeita nisso, mas cá entre nós, com uma figura como Dirceu não é preciso muito esforço do editor.

Para ao menos amenizar os danos a blogosfera petista se movimenta. O próprio deputado cassado deu o tom logo que a reportagem foi anunciada. Já com uma semana da edição da revista é possível ver que a reação comandada por Dirceu não saiu do círculo de interessados em sua defesa.

Entre os petistas, o que o caso trouxe foi uma enormidade de absurdos mascarados como se fossem análises lógicas do fato. Mas isso ocorre sempre neste meio. Os absurdos retóricos vêm dos graúdos e se espalham pela rede governista na internet. Muitos desses exageros são repetidos como verdades absolutas pela militância.

Não sou eu que vou me preocupar com a sobrevivência política de gente que adota essa conduta, mas costumo pensar se esses líderes não percebem que estão criando uma cultura de baixa qualidade entre os seus. As interpretações que espalham podem até trazer benefícios políticos práticos e de curto prazo, mas será isso compensa o estrago cultural e até mental que isso causa entre seus aliados?

Um desses absurdos que transita na internet veio de Ricardo Kotscho, que creio que todos conhecem. Foi assessor de imprensa de Lula na presidência, saiu de uma forma estranha de seu governo, porém depois se aquietou. Quando saiu do governo, aparentemente contrariado, anunciou que contaria coisas sobre o período em um livro. Mas acabou lançando um livro chocho.

A última manifestação sua que teve alguma repercussão foi quando ele defendeu a censura do filme Serbia Film, uma dessas besteiras que acaba atraindo a atenção mais pela discussão que provocam do que pela obra em si. Qualquer moleque podia baixar o filme na internet enquanto Kotscho pedia a censura. E o mais espantoso é que ele pedia a censura para um filme que não tinha visto. Esse é o Kotscho.


Crítica ou bajulação, dois
estilos que não combinam
em técnica jornalística
Kotscho foi até recentemente repórter da revista Brasileiros, um projeto editorial estranhíssimo que parece não ter emplacado. Numa de suas edições disponíveis na internet, Kotscho escreve um perfil de Lula durante seus últimos dias como presidente. Deve ser sua visão de como se faz jornalismo. Mas não é a minha e de muitos profissionais, todos eles coincidentemente fora dos círculos petistas.

Na defesa que faz de Dirceu em relação à matéria da Veja, num dado momento Kotscho afirma que escreve “para defender minha profissão”. Para ele, tem veículos e profissionais na praça que estão “dedicados ao vale-tudo de verdadeiras gincanas para destruir reputações e enfraquecer as instituições democráticas”.

É dessas coisas que falo quando digo que é divertido acompanhar a tentativa de rebote de petistas e agregados quando a imprensa descobre alguma falcatrua ou mesmo um imbróglio qualquer no governo.

Nisso está também a importância do debate sobre a profissão. Na minha visão errado é embarcar em textos como o que Kotscho fez para a Brasileiros na despedida de Lula. Acho que dá para adivinhar o conteúdo pela capa, que está ao lado. Na despedida, Lula embarca no avião, mas o texto escrito por Kotscho passa a impressão de que o ex-presidente poderia voar com as próprias asas se quisesse.

E nem discuto a sabujice jornalística, comportamento que um profissional não deve ter com político algum, mas qual é o valor editorial de algo assim. A não ser, é claro, como um valor para reforçar os laços com grupos políticos.

Mas que cada um escreva o que quiser. Essa é uma das regras que respeito. Millôr Fernandes dizia que imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados. Quem quiser abrir um armazém, que o faça.

O julgamento deve ser dos leitores e, nesta forma de apreciar o que é oferecido na praça, me parece que o estilo de Brasileiros acabou sendo visto como um armazém pelos leitores. E também acho muito duvidoso um grupo de jornalistas que busca um público que queira ler uma revista que bajula um presidente da República, seja Lula ou Fernando Henrique Cardoso, ou qualquer outro que veio antes dos dois.

Porém, Kotscho é um jornalista experiente e sabe muito bem que o jornalismo pode ser crítico ou de bajulação. Penso que o estilo crítico é de melhor proveito para a democracia. E parece que a história mostra também que é disso que o povo gosta.


Invertendo a lógica e a ética, o
acusado de ser chefe do mensalão
é que eles tratam como vítima
Bem, José Dirceu é o assunto da matéria em questão na outra revista, a Veja, na qual parece que Kotscho vê o risco de "enfraquecer as instituições democráticas". Dirceu responde a um processo no STF, ele e mais de três dezenas de companheiros, num inquérito no qual ele é chamado pelo procurador-geral da República de “chefe de quadrilha”.

O mensalão todos sabem o que é. É um esquema que pode ser definido com palavras objetivas: foram propinas para comprar votos no Congresso Nacional. Acho que poucas coisas trazem tanto o risco de “enfraquecer as instituições democráticas” como foi o caso do mensalão.

No entanto, Kotscho tenta fazer o leitor crer que é a Veja que faz isso quando coloca nas bancas, às claras, uma reportagem contra os interesses de um poderoso político.

Em outro trecho, Kotscho fala em “regras e limites” e que ele vê nesta situação um “bom momento para a sociedade brasileira debater o papel da nossa imprensa”. É evidente o exagero do jornalista. Regras e limites já existem, a partir do código penal, e têm sido usadas bastante pelos petistas pelo país afora.

O próprio anúncio feito por Dirceu de que pretende processar a revista pouco tem a ver com pressões sobre seus editores. Ele sabe que quando uma matéria dessas vai pra banca seus responsáveis não temem retaliações. A ameaça é feita mais como um recado aos blogueiros independentes que repercutem com independência fatos como esse. Pra quem escreve sem grana do Estado é duro suportar processo de alguém cercado de advogados muito bem pagos.

Aliás, não é nada prático esse pessoal se doer tanto por Dirceu. Um profissional com condições materiais para fazer negócios em um hotel com diária de mais de 500 reais por dia deveria saber se defender muito bem sozinho, não é mesmo?

Logo que soube que seus encontros estavam sendo revelados, Dirceu deu o tom do que viria a ser a reação da blogosfera amiga. Uma das lorotas foi a comparação dos métodos da revista com os do magnata Rupert Murdoch. Isso pegou entre os blogueiros e até Kotscho, que é uma das estrelas desse ramo, repete a inverdade.

O interessante é que Veja faz seu jornalismo dessa forma há muito tempo, até porque não existe outro jeito de descobrir fatos como esses. Ou será que além de serem avisados de ações da Polícia Federal os petistas também querem receber também pautas antecipadas da imprensa?

Quando a Veja agia de forma semelhante, mas fazia isso com adversários do PT, como o então presidente Collor, os petistas não viam a atitude como um risco para a democracia. Ao contrário, o então deputado José Dirceu até dava uma mãozinha.

Mas entre os exageros que estão sendo jogados de forma combinada na internet, Kotscho deu uma das mais infelizes contribuições. Para contestar o uso das imagens de Dirceu e seus convivas saindo do quarto do hotel, ele implica com o fato de não ter sido revelado como a revista conseguiu os vídeos. Como se isso tivesse importância no contexto.

E aí ele escreve, em forma daquelas perguntas embutidas como resposta: "Se foi o próprio repórter quem instalou as câmeras, isto não é um crime que lembra os métodos empregados pela Gestapo e pelo império midiático dos Murdoch?”.

Isso mesmo: ele escreveu Gestapo. Ninguém foi preso, porta alguma foi derrubada por botas, ninguém foi levado na madrugada para ser torturado e desaparecer, mas ele traz a Gestapo para simbolizar seu desagrado. É abusar bastante do uso inadequado de imagens. Espero que não seja por esta linha que venha a discussão neste “bom momento para a sociedade brasileira debater o papel da nossa imprensa”.
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POR José Pires

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