quarta-feira, 25 de março de 2015

Da defesa do mensalão aos direitos humanos

A militância deve estar satisfeita com o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. É o deputado Paulo Pimenta, do PT. Sua eleição foi há cerca de duas semanas, mas pouco se falou disso, pois até as minorias andam ocupadas com a magnitude da corrupção na Petrobras e a crise econômica, que hoje em dia tomam o noticiário. No entanto, Pimenta está com uma pauta que é do acordo daquele pessoal que andava bravo com o deputado Feliciano, que antes ocupava o mesmo cargo. Vejam o que disse o deputado Pimenta em entrevista ao site da Carta Capital: “Vou trabalhar pela descriminalização da maconha e do aborto, pela criminalização da homofobia, pela reforma da segurança pública, em defesa das terras indígenas e dos direitos das crianças e adolescentes”.

Está aí uma declaração de emocionar militância, mesmo que não seja gay e puxe ou não um fuminho. Que senso de humanidade o deste político e quanta consideração pelos outros, não é mesmo? Político retíssimo e democrata de reputação ilibada. Bem, ele pode ser isso para quem não tem boa memória e conhece pouco o que esses lideres petistas andaram fazendo.

O deputado Pimenta é aquele que teve que renunciar ao cargo de vice-presidente da CPI do mensalão, em agosto de 2005. Naquela ocasião, ainda no início do escândalo do mensalão, os petistas já procuravam confundir a opinião pública criando falsas denúncias envolvendo também políticos adversários, principalmente do PSDB. O esquema de compra de apoio político no Congresso tinha sido revelado em junho de 2005, na famosa entrevista do então deputado petebista Roberto Jefferson ao jornal "Folha de S. Paulo".

Num esforço para emplacar aquela técnica petista de se safar com a desculpa de que "todos fazem a mesma coisa", o deputado Pimenta teve um encontro reservado com o empresário Marcos Valério durante a madrugada na garagem do Senado. Isso foi depois de uma sessão da "CPI do mensalão", que teve naquele dia o próprio Marcos Valério como depoente. O encontro na garagem era para obter uma lista de políticos beneficiados por recursos, claro que com nomes da oposição. E lá estava o petista pegando a tal lista com o empresário que era o chefe do esquema publicitário do mensalão, que foi uma das conspirações mais perigosas contra a democracia brasileira. Acontece que Pimenta teve o azar de ser visto entrando no carro do empresário. Então ele teve que renunciar à vice-presidência da CPI. Na época disseram que o petista iria ser levado a um julgamento por falta de ética, mas nada aconteceu.

Marcos Valério todo mundo sabe que está preso. E o deputado Pimenta está aí, posando de político de espírito libertário. Eu sei que a militância governista tem não só indignação seletiva como também empatias seletivas. Já devem estar gostando do Pimenta, que traz uma pauta e tanto. Mas comigo não tem disso. Eu não gostava nada do deputado Feliciano, mas tampouco o deputado Pimenta me representa.
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POR José Pires

Limpeza partidária

A Operação Lava Jato deve fazer uma limpa no sistema partidário brasileiro. A eleição do anos que vem já vai causar uma grande quebradeira em bons colhedores de votos, como o PMBD e o PP, que sempre aparecem junto com o PT nos grandes escândalos de corrupção. Mesmo para essas notórias siglas de gatunos a rapinagem na Petrobras foi exagerada. Como é que os candidatos a prefeito e vereador desses partidos vão se apresentar em suas cidades? Eu acho até que os dirigentes do PP podem optar pela extinção da sigla. A corja que comanda este partido pode muito bem se alojar em outras siglas, tão indecentes quanto o PP, mas ainda com imagens menos sujas.

Mas além dessa limpeza pelas urnas, o Ministério Público Federal está com uma boa ideia, que é a de apresentar denúncia à Justiça contra a figura jurídica das legendas pelos crimes na Petrobras. Até agora só os figurões dos partidos é que eram denunciados. Dessa forma nova, os partidos teriam de devolver o dinheiro embolsado, que só no caso do PT pode chegar a pelo menos 200 milhões de dólares.

A tese jurídica não tem aceitação plena no meio jurídico, embora existam procuradores que entendem que o partido pode ser responsabilizado e obrigado a devolver os recursos e estão lutando para que isso ocorra. Especialistas em legislação eleitoral também acreditam que um partido pode ser extinto se for comprovada lavagem de dinheiro com doações de campanha. É o crime que pode atingir o PT, agora que apareceu seu tesoureiro João Vaccari Neto como um grande recebedor de propina.

O caminho até a punição dos partidos não parece fácil, mas podia ser um bom instrumento de limpeza da política brasileira. Pensem na quantidade de porcarias das quais teríamos nos livrado se já existisse uma lei clara que obrigasse os próprios partidos a devolver dinheiro roubado. Está aí uma boa exigência para colocar na pauta de melhorias da política brasileira.
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POR José Pires

Maracutaias em campo

Não foi por falta de aviso, mas os brasileiros podem se preparar para pagar mais uma conta pesada na área esportiva. Já tivemos o custo da Copa do Mundo e vem aí o das Olimpíadas. Preparem-se, sempre levando em conta que no Brasil paga-se não só pelo que realmente é feito — tudo sempre muito caro — como também se paga o por fora. Os dois eventos são de origem eleitoreira das mais baixas, maquinação vinda evidentemente da cabeça do ex-presidente Lula, onde o diabo encontrou oficina bastante operosa. Com a proposta de trazer as duas competições para o Brasil, o chefão petista criou um jeito muito prático de reforçar a sustentação do projeto de poder do PT. Pegou um esporte altamente popular em nosso país para colar à imagem de seu partido e da candidatura de sua sucessora, abrindo espaço para uma ativada na economia metendo dinheiro público na jogada e a partir desses investimentos aproveitou para amaciar ainda mais as relações com empresários amigos deste projeto de poder, especialmente os magnatas das empreiteiras.

O truque sujo de ligar eleição com futebol só não deu certo porque faltou combinar não com os russos, como dizia o jogador Garrincha, mas com os alemães, que meteram um sete a um na Seleção Brasileira que acabou com o plano de Lula, que previa até a entrega da taça em um dia com o mesmo número de seu partido. Eles pensavam que iria dar o 13, se lixando para o azar que isso já deu pro Brasil. Mas a corrupção foi muito bem, obrigado. E só não tem aparecido mais malfeitos na Copa porque o volume de roubo na Petrobras ocupa a atenção exclusiva de todos, incluindo o Ministério Público e a imprensa.

Porém, em países menos contaminados com roubalheiras a nossa Copa do Mundo pode render resultado no campo da Justiça. Na Alemanha, a empresa de engenharia e serviços Bilfinger SE faz uma investigação interna sobre denúncias de corrupção de uma das suas subsidiárias na Copa do Mundo realizada no Brasil. A empresa alemã foi contratada para equipar centros de controle de segurança em 12 cidades-sede, em negócios que envolvem 21,2 milhões de reais recebidos do governo brasileiro. O caso veio a público em reportagem do jornal alemão "Bild am Sonntag". O resultado da investigação da Bilfinger SE será encerrado nas próximas semanas.

O ministério da Justiça (o nosso aqui e não o alemão) informou que foram tomadas no domingo (sic) providências para analisar o caso. É claro que essa suposta (aqui vale o chavão) medida foi anunciada depois do ministério ter sido procurado pela imprensa. Mas em relação à Justiça, o que dá para esperar de sério só pode vir da Alemanha, de onde é muito provável que venha mais lama sobre o governo do PT e políticos brasileiros. Ainda não apareceu o nome de nenhum recebedor de propina, mas segundo a denúncia do jornal alemão, além de funcionários públicos, políticos também meteram a mão na grana. E é claro que a Fifa também está no rolo, assim como é óbvio que responsáveis pela entidade juram inocência. No entanto, a nota divulgada por eles indica que a denúncia é séria. Segundo a Fifa, os serviços sob suspeita “são claramente responsabilidades das autoridades locais”. Eles conhecem muito bem seus parceiros.
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POR José Pires

quarta-feira, 18 de março de 2015

Demissão na pátria educadora


A "pátria educadora" de Dilma Rousseff já havia começado mal com a nomeação como ministro da Educação do ex-governador do Ceará, Cid Gomes. Já era uma piada pronta porque Gomes é conhecido pela má educação. Ele e o irmão, Ciro Gomes, são famosos pelos quiproquós que arrumam. Tem até vídeos na internet que mostram as encrencas que eles arrumam. De início, a escolha deste slogan para o novo mandato de Dilma já era de uma infelicidade sem tamanho, mas não há nada que um petista não consiga piorar. Então colocaram Cid Gomes na Educação.

O ex-governador acaba de entrar para a história como um fenômeno político difícil de ser suplantado. É com certeza o ministro de menor duração no cargo neste período petista e também um dos mais rapidinhos de toda a nossa história. Não durou três meses. Foi demitido agora há pouco pela presidente Dilma Rousseff, depois de bater boca com deputados na Câmara. E ele estava lá atendendo à convocação oficial para explicar a frase de que “a Câmara tem 300 a 400 achacadores”. Pois é, seu comparecimento era para botar panos quentes na polêmica e ocorreu o contrário. Brigou feio com os parlamentares. Ele chegou a dar de dedo no presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dizendo que prefere ser acusado de "mal educado"do que ser acusado de achacar empresas, o que, de fato, é mesmo a atual condição de Cunha, envolvido no escândalo da Petrobras.

A bem da verdade, nesta conversa de "deputados achacadores", a maioria dos brasileiros teria discordância com o efêmero ministro apenas na questão dos números, uns achando que é mais do que ele falou e outros com a opinião de que é um pouco menos (talvez 285 ou 286 achacadores). Mas o caso é que um governo de ouvidos zunindo de tanto panelaço não pode de forma alguma sustentar ministro levando sua panela para bater na Câmara. Então Dilma foi obrigada a demiti-lo, o que é também inédito neste país em que presidente da República nunca demite ministro. Eles sempre se demitem, mesmo quando é muito óbvio o pé na bunda. Desta forma, Cid Gomes também nisso coloca seu nome na história. É o primeirão a ser demitido. Valeu a passagem pra lá de fugaz na Educação do governo da "pátria educadora".
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POR José Pires

Milionário necessitado


A militância petista não vai fazer passeata contra o José Dirceu? Como no Brasil ultimamente qualquer assunto tem servido de motivo para sair às ruas, esse pessoal está no direito de protestar, depois da notícia de que o ex-ministro de Lula faturou 29,2 milhões de reais com prestação de serviços de consultoria, depois de deixar o governo e de ter o mandato cassado por falta de decoro pela Câmara Federal. De 2006 a 2013, Dirceu foi talvez o consultor mais bem pago do país (tem que conferir os ganhos de outros "consultores" petistas). E mesmo em cana ela não descuidava dos negócios. Em 2013, ano que foi condenado pelo STF e preso na penitenciária da Papuda, em Brasília, a empresa do mensaleiro faturou mais de 4 milhões de reais.

Mas por que é que a militância sairia às ruas para protestar contra o companheiro milionário? É que esse pessoal andou doando dinheiro ao Dirceu, para que ele pagasse a multa aplicada pela Justiça como castigo por seus crimes de corrupção. Na época em que montaram esta farsa, tentando vitimizar o corrupto condenado, fizeram até campanhas na internet. Montaram até um site para os solidários doarem. A campanha teve um grande sucesso financeiro, até superando a multa, que era de R$ 971.128,92. Foram arrecadados R$ 1.083.694,38. E como eu já disse, seu faturamento foi alto inclusive no ano em que e petistas tiravam dinheiro do bolso para a vaquinha mensaleira.

A militância esquerdista tem todo o direito de extravasar sua indignação nas ruas, exigindo reparação ao companheiro ricaço. Ou podiam ao menos fazer um panelaço de protesto por terem caído no conto do vigário de José Dirceu. Ou melhor, conto do mensaleiro.
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POR José Pires

segunda-feira, 16 de março de 2015

Cada qual com sua cor

Um ótimo efeito da manifestação deste domingo foi o do resgate cívico das cores do Brasil. O governo do PT fez questão de marcar sua imagem com a cor vermelha, principalmente nos últimos tempos, no que pareceu uma animação com a onda bolivarianista que teve origem no regime chavista da Venezuela. Na eleição anterior de Dilma, quando Hugo Chávez ainda estava vivo e seu governo ainda não demonstrava os sinais da falência posterior, os petistas chegaram até a fazer questão de vestir camisas vermelhas em eventos públicos e até mesmo na campanha eleitoral de televisão. O marketing petista copiava dessa forma a encenação que Chávez vinha fazendo na terra dele, quando todos usavam a cor vermelha nas grandes manifestações públicas governistas de apoio ao regime.

Nesta eleição de 2014 com certeza os petistas foram alertados pelo marqueteiro, porque o vermelho já não teve o destaque de antes. Mas já era tarde. O governo do PT já estava caracterizado definitivamente pelo uso da cor do partido. Eles próprios criaram uma relação que no final acabou sendo prejudicial como marca política. E agora o uso maciço do verde-amarelo que ocorreu nas manifestações em todo o país criou uma contraposição que descolou ainda mais o governo do PT das cores pátrias. O verde-amarelo passa de agora em diante a ser o tom do brasileiro que discorda, dos que são contra este governo marcado pela incompetência e a corrupção. Eu até gosto da cor vermelha, mas o estigma que tanta safadeza criou sobre esta cor ainda há de durar muito na história brasileira.

Esta relação de cores com a corrupção já havia acontecido antes, na nossa história recente, quando o então presidente Fernando Collor fez a besteira de pedir que as pessoas saíssem às ruas vestindo verde-amarelo no dia marcado para a manifestação contra seu governo. Foi a deixa para que multidões vestindo preto tomassem as ruas pedindo a sua cabeça, que enfim caiu. Desta vez foi o inverso. Mesmo que o governo do PT não tenha convocado, sindicalistas pelegos e o MST tentaram encher de vermelho as ruas brasileiras no dia 13, mas acabaram fazendo manifestações de gatos-pingados. Foi então que o protesto deste domingo trouxe as cores da bandeira brasileira, num atendimento praticamente espontâneo das pessoas às convocações na redes sociais. Gostei bastante de ver o verde-amarelo tomando as ruas brasileiras, desta vez em ação contrária à corrupção. Os brasileiros vão precisar bastante dessa ligação simbólica nesta luta para levantar esta nossa pobre pátria enxovalhada pelo bandos de vermelho.
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POR José Pires

O PT perdendo sua própria guerra

O PT e sua máquina de comunicação suja tentam fazer das manifestações contra a presidente Dilma Rousseff uma guerra de números, o que demonstra que essa guerra eles já perderam. Aliás, especialmente em São Paulo o sucesso do protesto se deve em parte ao serviço feito por blogs sujos e uma militância muito chata que azucrina a todos nas redes sociais e atacam ainda mais os paulistas das formas mais idiotas. Desta vez tomaram. O Brasil viveu neste domingo um acontecimento que marca a nossa democracia. De forma honrosa e muito equilibrada uma parcela importante dos brasileiros disse não ao PT. Dilma pode até não sofrer o impeachment, mas se ficar até o fim (ela tem também a renúncia como opção) conduzirá sem autoridade alguma um governo que já começou acabado.

A discussão sobre números de manifestantes não importa. Até porque os que foram para as ruas levaram o respeito e a admiração dos que ficaram em casa. Poucas vezes o Brasil teve um dia de protesto com tamanha atenção de todos os brasileiros. Também pudera. Desta vez não teve ninguém que não tivesse um conhecido nas ruas. Seja o filho, a nora, o tio, o vizinho, o colega de trabalho, a sogra e até avós, alguém chegado estava numa manifestação, nas mais variadas cidades.

Os protestos são ainda mais importantes por esta diversidade da multidão, com alta participação de famílias na condenação pública ao governo do PT. Haja "varanda gourmet", companheiros. Na minha visão, pode ser especialmente esta ida de famílias inteiras às ruas, inclusive com os adolescentes e as crianças, que dá o tom de esperança para desentortar o mau caminho em que este governo corrupto meteu o país.

A guerra de números pretendida pelos petistas mostra a falta de capacidade de reação política do governo e da sua militância. Já se vê o grotesco mais do mesmo. Eles já estão nas redes sociais com suas conversas bestas. Nem é preciso de Data Folha para ver que são em cada vez menor número, mas é claro que os mais chatos é que persistem. As manifestações em todo o país soaram com um desabafo inclusive contra a chateação dessa turba de doidos.

Mas quem tem sensatez e não sofre de sentimento de culpa de estar ao lado de gatunos de dinheiro público não está nem aí para a polêmica estatística que surgiu em São Paulo com a divergência entre os números do instituto Data Folha e a Polícia Militar — respectivamente, 210 mil e 1 milhão. A Folha arrogou para si uma autoridade científica que ela não tem. Nem é preciso cotejar com os números da PM a opinião do instituto. Em estimativa sobre a Parada Gay de 2012, ocorrida no mesmo lugar da manifestação de ontem, o Data Folha estimou em 270 mil os participantes. E a comparação de imagens mostra que havia mais gente na manifestação contra Dilma. Por aí se vê que só nisso o instituto já fica devendo ao menos 60 mil ao protesto de domingo.

Mas esta polêmica traz também um dado curioso e revelador sobre a força que o sentimento sobre as coisas exerce no julgamento do valor dessas mesmas coisas. Já falei da transformação surpreendente de jornalistas e articulistas conservadores que até há pouco nem queriam ouvir falar em manifestações populares e de repente tornaram-se entusiastas da força do povo nas ruas. Encanto pelas massas não tem nada a ver com filosofia conservadora, mas não seria o conservadorismo que ficaria de fora da avacalhação costumeira que acontece no Brasil no terreno das ideias. Outra coisa muito curiosa deste domingo foi que pela primeira vez manifestantes não ficam bravos com as estimativas feitas pela PM sobre a quantidade de gente. Nunca vi algo assim. A calculadora da polícia nunca bateu com a de manifestantes. Mas agora todo mundo gostou do 1 milhão definido pela polícia paulista e ninguém reclamou também das estimativas da PM em outros estados. Outro fato marcante da manifestação foi o admirável equilíbrio das massas em todo o país. É uma nova lição de como sair às ruas para exercer um direito sem atropelar os direitos alheios.
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POR José Pires

Conservadorismo de massas


Os brasileiros vão acabar avacalhando o conservadorismo. Passei toda a minha vida adulta vendo os conservadores horrorizados com manifestações de massa, que até os anos 80 era uma atitude quase que exclusiva da esquerda, principalmente em países de língua espanhola desta nossa América Latina. Na Argentina era a beligerante militância de lá, muitos deles peronistas, que fazia as manifestações mais ruidosas e eram capazes de atrair multidões com suas palavras de ordem. Por sinal, foi de lá que vieram os "panelaços", essa forma de protestar batendo em panelas. No Brasil foi sempre também a esquerda que tomava a iniciativa de ir para as ruas. São antológicas as espinafrações feitas pelo grande Nelson Rodrigues às passeatas que havia em seu tempo. E notem que os protestos eram contra a ditadura militar, o que não impede de eu achar geniais até hoje o sarro que ele tirava.


Esta preferência da esquerda em tomar as ruas é com certeza uma razão prática do conservadorismo em nosso país não gostar de protesto, mas a aversão tem raízes intelectuais mais fortes. Ótimos textos filosóficos já foram escritos sobre o risco das multidões para a liberdade do indivíduo e da facilidade de manipulação do sentimento coletivo por ideologias autoritárias e pelo totalitarismo, seja à esquerda ou à direita. Os conservadores desconfiam sempre de muita gente na rua gritando lemas superficiais e esse é um dos poucos pontos em que dou razão a um conservador.


Não havia novidade quanto à isso dentre os conservadores brasileiros, tanto é que da parte deles sempre houve uma severa condenação das manifestações anteriores, bem lá atrás quando parecia que a ida do povo para as ruas podia beneficiar o PT. Acompanhei bem este assunto na época, divergindo inclusive de vários deles que condenavam em absoluto qualquer manifestação, quando eu penso que este direito é que é absoluto, mesmo que eu discorde totalmente da motivação do protesto.


Ocorre que esta manifestação do dia 15 de março parece ter dado uma virada na cabeça dos nossos conservadores. Eles estão animadíssimos com a ideia do povo saindo às ruas para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Algo mudou e não foi a Dilma, que merece mesmo ser tirada do poder, nem que seja só pela estupidez pessoal, mas isto é outra história. Duas das figuras de proa do conservadorismo na internet — o Reinaldo Azevedo e Olavo de Carvalho — estão vendo com grande entusiasmo o evento e ambos têm procurado estimular o movimento de rua. Olavo de Carvalho chegou a escrever que vê nos protestos uma “revolução social”, um exagero e até muito estranho vindo dele, que lembra sempre que desistiu do comunismo depois de ler Ortega y Gasset. Ele levaria com certeza um puxão de orelhas do filósofo espanhol. Já o Reinaldo Azevedo deixou de recriminar qualquer saída às ruas, como fazia diante das manifestações anteriores. Agora é do bem protestar na multidão.


Na minha visão, escrever o que vier na telha é um direito impreterível de qualquer um, mas também penso que é preciso ter respeito à razão e à lógica, principalmente num assunto desses e ainda mais quando a posição anterior dos conservadores era contrária à manifestações populares. Coerência intelectual e política é algo muito bom. Eu falei que o Ortega y Gasset não iria gostar disso. E citei também o Nelson Rodrigues, de quem esse pessoal gosta tanto. Pois sorte dele de não estar aí para ver isso. Estão avacalhando o conservadorismo, Nelson.
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POR José Pires

quinta-feira, 5 de março de 2015

Extrapolando a piada

Em meio aos vazamentos dos depoimentos de delação premiada da Operação Lava-Jato apareceu uma revelação até curiosa sobre o senador Renan Calheiros, dizendo que os pagamentos feitos a ele furaram o teto de 3% estabelecido pela quadrilha como limite dos repasses a políticos. Quem disse isso foi o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, preso durante as investigações. Não foi nada ético da parte de Renan esse comportamento com os companheiros de corrupção. Levou bem mais que os colegas. Sabe-se que este limite foi imposto pelo PT. Pela condição de deter a presidência da República, os companheiros sentiam-se "legitimados"a ficar com 3% da rapina na estatal e dar entre 2% e 1 % aos demais aliados.


É até engraçada a relação desse fato com um cartum que publiquei há algumas semanas aqui. Não se trata do velho chavão da vida imitando a arte, nada disso. Fiz a piada como observação de um comportamento comum dos políticos brasileiros, principalmente em períodos como este, de escândalos aparecendo todo tempo. É quando cínicos tentam surfar na onda de indignação popular. Às vezes a atitude de alguns hipócritas pode até ser confundida como posição ética ou ao menos de reprovação às indecências, mas é melhor ter bastante atenção com as informações. Tem político que aparece muito bravo no noticiário apenas por desavenças com a distribuição da propina. Estou republicando o cartum, mas deixo esclarecido que não vou cobrar direito autoral de Renan Calheiros e de nenhum dos outros pelo uso da obra.
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POR José Pires

Pagando a língua

Como é bom ver um bravateiro tendo que prestar contas de suas ameaças públicas. Estou falando do ministro da Educação, Cid Gomes, que terá de ir até a Câmara dos Deputados explicar o que quis dizer exatamente quando falou que por lá tem "tem uns 400, 300 deputados achacadores". O ministro foi governador do Ceará por duas vezes consecutivas, porém é mais conhecido como irmão do Ciro Gomes. Está no ministério pela cota pessoal do ex-deputado, que durante a campanha eleitoral prestou serviço ao projeto do PT, primeiro tentando puxar o PSB para a grande aliança que os petistas sempre armam para facilitar suas vitórias eleitorais e depois batendo firme em Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tornou-se candidato e o obrigou a sair do partido. Se Campos não tivesse morrido no acidente de avião com certeza Ciro Gomes estaria na linha de frente das tropas de choque, em ataque à candidatura.

O ministro Cid Gomes é boquirroto igual o irmão e também é grosseiro. No Ceará os dois comandam a política local com mão de ferro e são capazes até de gestos violentos, como costuma fazer Ciro Gomes em comícios, ameaçando fisicamente seus adversários e até descendo do palanque para arrumar briga, pouco se importando com o risco para mulheres e crianças. Tem vídeo na internet mostrando isso. O costume dos dois de usar o poder para bater forte na política cearense certamente deixou Cid Gomes distraído quando ao equilíbrio de forças muito diferente no plano federal. Daí seu insulto generalizado à Câmara Federal.

O momento escolhido também não podia ser pior. O irmão de Ciro Gomes resolveu xingar os deputados exatamente quando a presidente Dilma Rousseff precisa ao menos contornar os graves problemas que ela mesma arrumou com a Câmara. Ao saber da fala do ministro, o presidente da Câmara levou ao plenário um pedido de convocação para que ele se explique. O requerimento foi aprovado, com apoio inclusive da base aliada do governo. Gostei dessa, embora saiba que isso pode estar ocorrendo só por causa dos conflitos de ocasião entre líderes parlamentares e o governo Dilma. Habitualmente na política brasileira eles costumam se acertar nos bastidores depois de jogos de cena como este.

Mas não seria mal que essa postura da Câmara virasse uma prática. Seria uma política que pode-se chamar de "falou-levou" e que podia se espalhar pelo conjunto das relações da política no Brasil, incluindo nisso a imprensa, acabando com o clima de bravatas e fofocas que a eliminou a lógica e a razão do debate político. Isso obrigaria os políticos a terem responsabilidade sobre o que sai de suas bocas. Não estou falando de perdigotos, é claro. E no geral, esta posição daria bastante qualidade às relações entre as pessoas, aumentando o nível de um país que parece estar cansado de tanto tempo na sarjeta.
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POR José Pires