terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Ecos de erros antigos

Quando finalmente for dado um fecho na Revolução Cubana e o grupo em volta dos irmãos Castro tiver que se mandar para um outro país o Brasil é um bom lugar. Quando soube das manifestações contra a blogueira cubana Yoani Sanchéz, que está em visita ao Brasil, tive a impressão de que temos aqui os últimos milicianos do regime de Fidel Castro. A selvageria e o despropósito das ações agressivas contra a moça me soou muito parecido com acontecimentos antigos ocorridos em Cuba. Mas isso há muito anos atrás, porque hoje em dia o desgaste que os cubanos sofrem no seu cotidiano não estimula um fanatismo de massa como já existiu antes dos anos oitenta.

Um grupelho bem restrito mesmo foi atazanar a visita de Yoani, conseguindo impedir até a exibição de um documentário sobre a liberdade de expressão feito pelo cineasta brasileiro Dado Galvão. A jornalista cubana é a figura central do filme. Ela ficou conhecida internacionalmente há poucos anos a partir de seu blog, onde trata de assuntos de seus país de forma crítica, na medida do possível em uma ditadura. O blog existe desde abril de 2007.

O bando que se articulou para ofender a blogueira tem por detrás o PCdoB, entre outros partidecos. Este partido foi o que lançou recentemente uma nota ridícula homenageando o falecido ditador da Coréia do Norte que deixou o filho para ocupar seu lugar no comando do país. O PCdoB está também sempre envolvido em escândalos de corrupção, uma rotina que levou até à demissão de um dos ministros da cota do partido no governo do PT.

Mas eu falava da nauseante nostalgia que vi nas manifestações contra a cubana Yoanni, em acontecimentos que lembram o que de pior já aconteceu em Cuba. Pois em um post publicado hoje em seu blog, ela escreve que ouviu durante as manifestações dos extremistas azucrinadores (o adjetivo é meu) lemas que não se escutam mais há anos nem em Cuba.

O texto publicado por ela é, de certo modo, uma resposta ao desrespeito que ela sofreu da parte dessa militância ridícula que tem logicamente mãos muito acima manipulando seus cordéis. Publico abaixo a tradução que fiz do post, pois vejo nele um documento interessante, quase um aviso de que podem estar sendo repetidos por aqui erros que fizeram muito mal ao país de onde a blogueira só conseguiu sair recentemente, pois em Cuba até pra viajar é preciso permissão do governo.

Só mais uma coisa, antes que a militância azucrinadora venha encher os meus piquás: não recebi nenhum tostão da CIA pela tradução.
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POR José Pires

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O TEXTO DE YOANI SANCHÉS:

“Talvez vocês não saibam – porque nem tudo se conta em um blog – mas o primeiro ato de repúdio que vi na minha vida foi quando eu tinha apenas cinco anos. A agitação no prédio chamou a atenção das duas crianças que éramos minha irmã e eu. Nos debruçamos sobre a grade do estreito corredor para olhar o que acontecia no andar de baixo. As pessoas gritavam e levantavam o punho ao redor da porta de uma vizinha. Eu era tão nova que não tinha a menor ideia do que ocorria. E mais, agora quando recordo aquilo tenho apenas uma lembrança do corrimão gelado entre meus dedos e um vislumbre brevíssimo dos que gritavam. Anos depois pude finalmente armar aquele caleidoscópio de recordações infantis e soube que havia sido testemunha da violência contras os cubanos que queriam sair do país pelo porto de Mariel (*).

Pois bem, desde aquele acontecimento vivi vários outros atos de repúdio. Seja como vítima, observadora ou jornalista... nunca – vale esclarecer – como vitimizadora. Recordo um especialmente violento que sofri junto às Damas de Branco [grupo de parentes de prisoneiros políticos de Cuba], quando os bandos da intolerância cuspiram em nós, nos empurraram e até puxaram os nossos cabelos. Mas o que aconteceu ontem à noite [no Brasil] foi inédito para mim. O piquete de extremistas que impediu a projeção do filme de dado Galvão em Feira de Santana [Bahia} era algo mais que uma porção de adeptos incondicionais do governo cubano. Todos tinham, por exemplo, o mesmo documento – impresso em cores – com uma série de mentiras sobre mim, tão maniqueístas como fáceis de rebater numa simples conversação. Repetiam uma cartilha idêntica e grosseira, sem ter a menor intenção de ouvir o que eu tinha para dizer. Gritavam, interrompiam, em um momento foram até violentos e de vez em quando gritavam um coro de lemas como esses que já não se diz nem em Cuba.

Entretanto, com a ajuda do senador Eduardo Suplicy e a calma diante das adversidades que me caracteriza, afinal conseguimos começar a falar. Resumo: só sabiam gritar e repetir as mesmas frases, como autômatos programados. E isso tornou a reunião ainda mais interessante! Eles tinham as veias do pescoço inchadas, eu esboçava um sorriso. Eles faziam ataques pessoais, eu levava a discussão para a situação de Cuba, que sempre será mais importante que esta humilde cidadã. Eles queriam linchar-me, eu conversar. Eles obedeciam à ordens, eu sou uma alma livre. No final da noite eu me sentia como depois de uma batalha contra os demônios do mesmo extremismo que atiçou os atos de repúdio daquele ano de oitenta em Cuba. A diferença é que desta vez eu conhecia o mecanismo que fomenta estas atitudes, eu podia ver o longo braço que os move desde a Praça da Revolução em Havana.”

(*) Aqui ela fala da saída em massa de cubanos do país ocorrida em dezembro de 1980, conhecido como "Fuga de Mariel". Um total de 125 mil pessoas deixou Cuba pelo porto de Mariel, com destino à Flórida.

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