terça-feira, 14 de março de 2023

As meninas debochadas de Bauru e o cancelamento do debate público sério e responsável

Por estes dias corre pela internet um vídeo que serve como exemplo perfeito da consequência de uma metodologia jornalística sobre vários temas sérios da atualidade, que envolve meios de tornar a vida ainda mais chata e também de complicá-la de uma forma que os temas em discussão pioram, ao invés de serem esclarecidos. Como este acontecimento traz algumas variáveis causadoras do próprio problema, achei sua aparição até interessante. Estou falando do vídeo postado por três jovens de uma faculdade da cidade de Bauru, em que comentam sobre uma colega de curso mais velha, que tem 44 anos, mas que para elas já deveria “estar aposentada” e não estudando.


É claro que depois do vídeo espalhar-se começou a lacração e o cancelamento das moças na internet. O que é mais engraçado nessas situações é como surge tanta gente virtuosa, sempre com muita fúria. É no cacete que procuram impor a tolerância. Duvido que exista outro país no mundo com tanta gente bacana como no Brasil, todos de coração aberto, prontos para acender a fogueira. Agora, com as bobagens das moças, a atenção dessa gente boa é com os mais velhos, o que para mim é ainda mais preocupante. Este é o meu “lugar de fala”, como se costuma dizer. Vai que queiram me salvar. Aí é que estarei mesmo lascado.


Mas aqui começa o estudo de metalinguagem. Com o caso envolvendo apenas mulheres, o foco da lacração é o do “etarismo” ou “velhofobia”, que sem trocadilhos, para mim é uma novidade em fobia. O curioso — aqui, com mais metalinguagem — é que nesta situação eu entro como vítima.


Mas, se a agravada fosse negra? Ora, em vez de preocupados com os mais velhos, estaríamos agora sendo obrigados a tratar do “racismo estrutural”, tendo como base tolices ditas por quase crianças. E se fossem três rapazes a debochar de uma colega, o vozerio descalibrado na imprensa e nas redes sociais estaria destacando o “machismo”. Aí, meu velho, eu estaria envolvido em um conceito que já está decidido como algo “estrutural”. Neste caso, meu lugar de fala seria a fogueira. É o que acontece com todo homem, mesmo os que dedicaram a vida aos direitos da mulher, que, modestamente, é uma luta que tem contado com o meu esforço desde os tempos em que isso era bem mais difícil do que hoje em dia.


Mas o tema, vejam só, é uma “velha” de quarenta anos. Que coisa: com essas garotas, o bom e velho Sócrates teria de beber cicuta algumas décadas antes. O vídeo delas debochando da colega mais velha é bem bobinho, como não podia deixar de ser uma conversa de corredor de pessoas desinformadas sobre o que estão falando. Nesta questão do “etarismo”, o problema no Brasil é exatamente o contrário do que elas comentam. Tecnicamente o país não avança e até anda para trás exatamente porque pessoas mais velhas foram tiradas do mercado de trabalho em razão meramente das empresas lucrarem mais e obterem mais controle sobre os profissionais.


Entram os mais jovens com salários mais baixos e menos poder sobre sua profissão, saem os mais velhos que, puxa vida, como dizem os empresários, complicam demais o trabalho e ganham — ou ganhavam — salários que trazem custos que desequilibram nossa economia. É evidente que do ponto de vista tecnológico este raciocínio tem um caráter destrutivo. A desqualificação da mão de obra leva a uma porção de fatores negativos, afetando a qualidade industrial e das empresas.


Mas como explicar isso para um empresariado que tem mais ou menos a compreensão do mundo dessas jovens tolinhas? Nossa classe dirigente é aquela que vive falando do sucesso da Coreia do Sul, enquanto vai atochando o ferro em seus quadros profissionais.


No deboche com a quarentona — quase escrevo “balzaquiana”, mas quem iria entender? —, elas erram inclusive a faixa etária em que ocorre esta exclusão do mercado de trabalho. Não é mais depois dos quarenta. Atualmente a troca já é feita na faixa dos trinta ou menos. Já faz tempo que estagiário era alguém que entrava para adquirir experiência com profissionais mais velhos. Agora o “estagiário” substitui o profissional.


O vídeo foi alçado ao debate nacional, da forma que a imprensa vem fazendo há algum tempo. Pega-se um mal entendido qualquer, seja no Twitter, no Whatsapp, Tik Tok, ou qualquer outra rede social, para fazer do caso uma pauta cuja única evidência é uma conversa fiada que poderia ter sido resolvida simplesmente mandando as alunas para explicarem-se na diretoria da escola. Quando o mundo era adulto, este era o lugar de fala de pirralhas como essas. Com um pito, como se dizia naquela época, liquidava-se o assunto sem a necessidade de discutir com o Brasil inteiro.


É um modo novo de fazer jornalismo, nesta novidade trazida pela internet: cria-se uma debate vazio, com ares de escândalo, envolvendo milhões de brasileiros em um debate vazio, que na maioria das vezes serve mais para piorar a situação, sem que seja possível sequer encaixar um maior esclarecimento sobre o tema criado artificialmente — neste caso, como já falei, como “etarismo”, mas que poderia ser o machismo ou o racismo, até do transexualismo, dependendo da categorização dos envolvidos na encrenca. O tema da lacração pode variar. A leviandade é sempre igual.


Neste jornalismo moderno, uma fofoca de corredor numa faculdade do interior tem uma abrangência enorme como pauta, avançando em tudo que afeta socialmente as nossas vidas, sempre desse jeitão em que o clima de escândalo vale mais que o debate criterioso.


Dessa forma, é evidente que serve muito pouco para desenvolver a consciência sobre graves questões atuais, mas se o assunto traz audiência quem é que se preocupa com isso? Até agora o que esta metodologia de lacração e cancelamento tem alcançado é a banalização de questões muito sérias da atualidade, na maioria das vezes servindo mais para estabelecer uma confusão, que em vez de descomplicar e apontar caminhos para enfrentar os problemas pode até piorar o que já não está fácil de suportar.

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Por José Pires

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