sexta-feira, 17 de novembro de 2023

O país que já foi do futebol e hoje em dia não sabe mais qual é a sua

O torcedor de futebol tem algo parecido, na sua psicologia, com quem acompanha política sem estar em nenhum dos lados ideológicos onde se encaixam incompetentes e ladrões. Sofre-se muito, embora os acontecimentos sejam previsíveis. Estou falando do eleitor e contribuinte, que depois arca com tudo, às vezes até com a vida ou perdendo tudo que tem.


Digo isso ao observar o desespero da torcida brasileira com o que acontece nos campos, coisa corriqueira já de algum tempo, como o que se deu nesta quinta-feira com a derrota do Brasil para a Colômbia por 2 a 1. Não vejo jogo algum, mas não deixo de ficar atento ao debate esportivo, onde não só na linguagem mas na teorização sobre os objetivos pode-se obter muitos elementos de aplicação na vida e no trabalho.


Não era necessário assistir a este jogo para saber que o Brasil ia se estrepar, do mesmo modo que não é preciso esperar o final do governo Lula — e de anteriores, mesmo os outros dele — para saber que nada vai dar certo. Em ambos os casos, falta elenco e gestão de qualidade. Não tem como alcançar um objetivo bem sustentado do modo que o futebol brasileiro é pensado e praticado. O máximo que poderia ocorrer seria uma vitória do Brasil por acaso.  


Pelo que eu sei, o futebol é o esporte em que o acaso mais interfere no resultado final. Política também é assim. Entre as quatro linhas, é uma tristeza ver um bom time ser desmontado ou nascer uma ilusão por causa de um lance inesperado. Poderia acontecer, por exemplo, algo como o belo chute de bicicleta de Richarlison, contra a Sérvia, que encantou até quem não acompanha futebol e deu uma animação geral muito boba sobre o destino da Seleção Brasileira. Foi só a explosão de um acaso, que até o momento parece que foi inclusive do jogador.


É desse jeito que a coisa vai, mas no auto-engano cada otário se resolve com o que tem à mão. Teve até quem fizesse uma relação do lance de Richarlison com o famoso gol de Pelé, que inclusive virou uma marca gráfica do ganhador do tricampeonato. Mas é assim: a ilusão no futebol permite até achar que Gabigol pode se emparelhar historicamente com Zico — na verdade, Gabigol (ou, rá rá rá!, “Lil Gabi”) acha que está acima do Galinho.


O acaso poderia ter entrado no jogo de ontem, mas o destino da Seleção Brasileira permaneceria com o mesmo horizonte tenebroso que dificilmente conhecerá um tempo de estio até a próxima Copa do Mundo, simplesmente porque está tudo errado, lá de cima até embaixo da grama dos estádios.


Por causa da trágica gestão, já faz um tempo em que o ponto em que se toca sempre como solução é do craque que resolve tudo, uma expectativa besta que felizmente foi ficando para trás, afinal Neymar envelheceu caindo na grama e se lesionando enquanto foi enriquecendo sem salvar o escrete nacional. 


A ilusão do craque salvador é alimentada pelo noticiário esportivo. Serve para comentaristas desqualificados alimentarem semanas de conversa fiada, sem a necessidade de se aprofundar em um debate sério, que não serve para lacração e não é do gosto da cartolagem. Isso é também o que chamo de “síndrome do Pelé” (um problema sério para o Brasil em todos os setores), que acomete aos desinformados que falam da história do futebol, como se Pelé resolvesse tudo sozinho na Seleção Brasileira.


E o torcedor encara com realismo essa tragédia? Nada. O bruto liga a televisão e sofre. “Nunca foi tão desesperador”, chora a tigrada. O itinerário do torcedor de quem acompanha política é praticamente o mesmo. Comentaristas esportivos de qualidade — que existem, acredite — mostram como tudo está sendo organizado de forma errada, os elencos são fracos, não recebem bom treinamento nem estratégia que permita encarar o adversário com uma unidade no jogo.


A coisa está feia e de certo modo até humilhante. O mau estado do nosso futebol leva o brasileiro a ter mais interesse na próxima terça-feira, no Maracanã, em ver o time da Argentina com Messi do que a Seleção Brasileira.


Não me impressiono. Sabe-se que tudo está encaminhado de forma errada, mas estão sempre esperando um craque que resolva. Mas não é assim também na política? Em qualquer instância, das prefeituras ao governo federal e os parlamentos em todos os níveis, a tola esperança é de que a eleição de um craque venha a resolver os problemas, isso quando não se acredita que um craque vai tornar o Brasil numa potência.


E que a torcida brasileira não caia na falsa esperança de que o jogo vai melhorar. O torcedor e o eleitor brasileiro podem esperar muito chão pela frente, numa caminhada em que terão que suportar o domínio da cultura perna-de-pau instalada em nosso país. A gente sabe o que vai acontecer. Mas a tigrada tem razão: é desesperador.

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Por José Pires

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