quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Bolsonaristas na Paulista; a polarização entre a rejeição e a falta de rumo

Militâncias no geral, como acontece com a militância em torno de Lula, devem tomar muito cuidado em sair por aí defendendo bandeiras nas redes sociais, nos embates acirrados que sabemos muito bem que costumam acontecer também nos encontros familiares e entre amigos de longa data. Também é arriscado sair por aí seguindo ordens de Jair Bolsonaro, mas nesta semana quem se danou foi a esquerda. O resultado pode ser de amizades desfeitas, rusgas que acabam com o convívio com parentes e esta desarmonia brutal que aí está, emperrando o funcionamento do Brasil e fazendo deste país um lugar sem rumo certo.


Já no domingo que teve a manifestação bolsonarista na avenida Paulista, em São Paulo, a máquina de propaganda lulopetista havia colocado em andamento uma ação organizada para desacreditar o evento político convocado por Jair Bolsonaro. A máquina petista tentava criar a narrativa da falta de público e de que o ato público não daria em nada politicamente. Ora, foi um sucesso a primeira saída às ruas da direita, depois da desastrada manifestação de 8 de janeiro, quando Brasília foi vandalizada. 


A tigrada vermelha ficou pelo menos dois dias batendo forte numa avaliação absolutamente errada, desmentida por vídeos e fotos da Paulista já no início da tarde de domingo. Houve também a tentativa de confundir a opinião pública quanto a quantidade exata de pessoas que foram ouvir Bolsonaro, uma bobagem retórica facilmente desmentida por uma simples olhada nas imagens. Com a avenida Paulista lotada de gente a militância passou vergonha nas redes sociais. Imaginem as gozações que devem ter aguentado pessoalmente.


E a coisa foi só piorando. Nesta terça-feira, o próprio chefão do PT aceitou o que estava claro nas imagens do ato. "Eles fizeram uma manifestação grande em São Paulo. Mesmo que não quiser acreditar, é só ver a imagem”, disse Lula em entrevista a um jornalista governista.


A militância, coitados, foi desmentida pelo líder depois de passar dois dias acreditando mais nas suas ordens do que nos próprios olhos. Mas tem dessas coisas ser capacho de autocrata. E a direita manteve a animação que vinha desde o domingo, com mobilização nas redes, os vídeos repercutindo a volta às ruas, artigos na imprensa e nos sites, um vigor renovado para uma parcela significativa de brasileiros que se sentiam acuados desde os atos de vandalismo em Brasília. 


Mas a esquerda que se prepare. O evento de domingo foi com certeza um forte estímulo político, provavelmente com efeito na eleição deste ano. Para a próxima eleição presidencial, os indicativos que já não eram bons para o PT ficam um tanto mais negativos. E um ponto bastante interessante neste caso é que algo para o qual a militância vem torcendo de forma idiota, que é a sua prisão, se ocorrer fortalecerá ainda mais seu mito.


O ato de domingo na capital paulista pode ser visto como a cristalização da polarização política que Lula demonstrou que queria manter como um suporte de garantia eleitoral no seu projeto hegemônico de poder. Mas o plano se complica com esta comprovação de que a capacidade de juntar povo — que o PT perdeu há bastante tempo — agora está com a direita. Se Bolsonaro for preso, o acampamento em volta da cadeia vai fazer do acampamento petista na Polícia Federal de Curitiba um ajuntamento merreca de barracas.


Lula sabe dessa deficiência de seu partido, até porque a demolição da capacidade orgânica do PT vem sendo gradativamente feita por ele mesmo, nas alianças espúrias pelo país afora, ano após ano, para disputar eleições com larga vantagem. Atualmente, o PT está numa situação parecida com a do PSDB, arriscando-se ao destino de um grande partido que vai tendo cada vez menos relevância.


A direita corre no sentido contrário, com um horizonte de crescimento que vai sendo alargado pelos anseios da sociedade que a esquerda não soube contemplar. E que não se pense que estou falando de valores moralistas e religiosos. A disfunção esquerdista está nas carências do cotidiano brasileiro: segurança e a falta de aplicação de leis rigorosas contra o crime, pouco desenvolvimento econômico, qualidade de vida cada vez pior, o aumento da corrupção e da impunidade, os desastres naturais que tendem a se agravar, com a dificuldade dos mais jovens num país que oferece cada vez menos esperança para se ter um emprego de razoável qualidade, uma vida digna, com o direito de constituir família sem temer pelo futuro dos filhos. 


O que se pode avaliar no entorno deste domingo com a avenida Paulista lotada é o caldo cultural de um movimento de massas sem precedentes na nossa história recente. O que já era perceptível nos acampamentos na frente de quartéis militares, parece que ainda tem seu vigor. Lula queria polarização e parece que está tendo sucesso. Até aqui este potencial vem sendo mantido pela rejeição fortalecida pelo governo petista, mas esbarra na dificuldade de estar concentrado em uma liderança de covardes e incompetentes — com Bolsonaro como chefe. 


O núcleo dirigente do chamado bolsonarismo não tem capacidade sequer de compreender o fenômeno social do qual se beneficiam, muito menos de organizar e administrar este impressionante anseio popular. Esse pessoal é basicamente dinheirista e mantém-se deslumbrado com a possibilidade de faturar numa quantidade que não tinham visto antes, quando havia a trabalheira de correr de um caixa eletrônico para outro, para juntar a grana que tiravam de servidores de gabinetes.


Falta-lhes uma doutrina sólida, que eles nem tem onde buscar. Com exceções mínimas, não existem líderes com capacidade de pensar e executar um aprimoramento da organização política. E mesmo assim, a rejeição ao PT sustenta a adesão popular, como se viu na avenida Paulista. Lula ajuda muito nisso, com sua total indiferença ao motivo principal da sua eleição: o fim da divisão social em que estava o país, com a criação de um governo baseado na tolerância e na democracia, levando o equilíbrio e a sensatez para o Palácio do Planalto. 


Não é que seja uma surpresa para mim, mas o velhaco passou o ano passado inteiro e segue este ano fazendo o contrário do que prometeu. Eu já sabia que um governo do PT não teria capacidade e muito menos a intenção de trazer paz e dar espaço para que o país cuide de seus problemas, mas Lula é mesmo um bamba na decepção, mesmo quando quase nada se espera dele.


Até nas relações internacionais, onde o governo anterior só trouxe complicações, ele conseguiu ser pior que Bolsonaro. É a decepção costumeira, por menores que sejam as expectativas. Quem é que poderia imaginar que o chefão petista chegaria a acende o antissemitismo entre os brasileiros com tamanha intensidade? Pois acredite. Para seus seguidores, Lula tem razão, mesmo na minimização da crueldade do Hamas e nos xingamentos a Israel, que foi atacado pelo terror. Até nas absurdas sobre o Holocausto, para eles Lula tem razão.


O boquirroto internacional conseguiu marcar o Brasil como um país aliado de autocratas como Vladimir Putin e condescendente com o terrorismo do grupo Hamas. Também ficamos alinhados com o Irã e as ditaduras da África, além dos governos corruptos e ditatoriais do nosso continente, parceiros antigos da esquerda brasileira. O que mais Bolsonaro precisaria para se limpar das suas sujeiras e jogar para debaixo do tapete seu histórico como presidente incompetente?


Com um governante como Lula no poder muitas avenidas Paulista virão. Ao que se indica até aqui, lotadas pela direita. Ao menos por enquanto, não existe nenhum prenúncio da tal da terceira via, que não deu as caras para nos livrarmos desses dois trastes — um da direita e outro da esquerda — na eleição passada. É alarmante? Claro que é. Com a política tomada por uma polarização que produz apenas balbúrdia, atrapalhando a vida dos brasileiros, os mais jovens vão começando a vida já na desesperança e nós, de mais idade, ficamos com a angústia e o sentimento de culpa de que erramos mais do que era aceitável.

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Por José Pires

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