segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Ferreira Gullar num lado estranho

Nas primeiras eleições diretas para governador, em 1982, a disputa mais acirrada foi no Rio de Janeiro. Lá aconteceu até uma tentativa de fraude contra Leonel Brizola, que foi valente na denúncia e reação ao golpe, afinal elegendo-se governador pelo PDT, que ele acabara de fundar. Naquele época ainda havia política vibrante no Rio, ao contrário de hoje em dia, quando o quadro eleitoral é de uma artificialidade que chega a ser cômica.

Naquela eleição o candidato favorito era Miro Teixeira, pelo PMDB, que era o herdeiro do chaguismo, estrutura corrupta comandada pelo governador indireto Chagas Freitas, que mandava no estado desde o golpe militar de 1964. A disputa dividiu os artistas, a intelectualidade e os jornalistas. O destino do semanário "O Pasquim" foi decidido ali pelo Ziraldo e o Jaguar. O primeiro estava com Miro Teixeira e o segundo apoiava Brizola. O dois decidiram que o jornal de humor ficaria com aquele que estivesse com o candidato ganhador. Parece piada, mas foi realmente isso que eles fizeram.

Outra personalidade muito importante que também apoiava publicamente Miro Teixeira para governador era o poeta Ferreira Gullar. Como contribuição para a campanha de seu candidato, Gullar resolveu fazer um poema. Isso mesmo, ele fez um poema para o Miro Teixeira. Mas com apenas uma observação Jaguar matou o poema de propaganda. Ele escreveu em "O Pasquim" que o poema de Ferreira Gullar para Miro Teixeira era o Poema Sujo Nº 2.

Me lembrei disso hoje sapeando no site do candidato à reeleição para prefeito do Rio, Eduardo Paes. Surpreendentemente para mim, Gullar está apoiando Paes e até gravou um vídeo que deve estar passando na televisão. Meu estranhamento é que o prefeito do Rio faz parte de um esquema político nacional sobre o qual Gullar tem escrito artigos bastante críticos.

O vídeo de Gullar está ao lado do vídeo do Lula falando muito bem de Paes. Ao menos nisso os dois concordam, mas da parte do poeta não vejo coerência no apoio . Ele não chegou a fazer um poema para o candidato (aí seria o Poema Sujo Nº 3), mas diz que o prefeito é um político ético. É muito discutível uma afirmação dessas sobre alguém que como deputado federal do PSDB fazia oposição ferrenha a Lula e depois mudou de lado da forma que ele mudou.

Não sei a razão para Ferreira Gullar nesta altura da vida se meter numa eleição como esta e ainda mais do lado de um prefeito que faz parte do grupo do governador Sérgio Cabral e seus secretários cabeça de guardanapo com suas festas com empreiteiros em Paris. É um esquema em que está até o Lula, sempre tão criticado pelo poeta.

Mas independente do apoio errado, eu penso que alguém na posição de Gullar na cultura brasileira deveria evitar a atividade política direta, atuando do modo que ele vem fazendo muito bem em seus artigos e entrevistas na imprensa. O país precisa muito de artistas e intelectuais que tenham compromisso com a discussão crítica e criativa da realidade brasileira, sem o envolvimento com correntes políticas e muito menos com qualquer candidato.
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POR José Pires
 

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