terça-feira, 10 de setembro de 2013

Além da imaginação

Com o ditador Bashar al-Assad em superioridade militar é estranho que suas forças tenham de fato atacado civis com armas químicas. O ataque parece improvável, mas não é impossível. O clima de ódio que impera internamente na Síria tem mais a ver com sentimentos tribais do que com uma lógica de Estado que até poderia evitar atos como este ataque que serve de justificativa para a intervenção dos americanos.

Bashar al-Assad acusa os rebeldes de terem feito este ataque contra civis para incriminar o governo. Não é difícil que isso ocorra. É uma atitude que foge ao padrão de uma guerra convencional, mas o tipo de conflito que ocorre na Síria nada tem de convencional. Para compreender o que ocorre em toda aquela região é preciso esquecer os modelos comuns de combate.

Existe um livro editado no Brasil que traz boas informações sobre o quanto são inusitados os métodos em uso no Oriente Médio. O livro é “De Beirute a Jerusalém”, do jornalista americano Thomas L. Friedman,  que virou um especialista no assunto depois de passar quase dez anos trabalhando naquela região. Em 1982 ele era chefe do escritório do The New York Times em Beirute. É o ano da invasão do Líbano por Israel e da expulsão da OLP do país. E foi em 1983 que a embaixada americana no Líbano foi atingida por carros-bomba suicidas, com dezenas de americanos mortos. O atentado é um ponto-chave na escalada mundial do terrorismo islâmico.

Neste livro, Friedman faz uma análise do comportamento político não só dos ditadores da região, mas também dos oposicionistas, muitos deles armados e ferozes. A esquerda brasileira costuma usar seu raciocínio maniqueísta também quando olha para o Oriente Médio. Talvez imaginem que lá é travada uma luta entre o bem e o mal. Não é bem assim. Por sinal, o livro de Friedman traz um retrato aprofundado da OLP e de seu líder, o falecido Arafat, que foi ídolo de sempre da nossa esquerda. Pois não iriam gostar do que ele descobriu. Isso se lessem o livro, é claro. Mas essa gente não lê nada.

Uma história contada por Friedman da época em que Israel ocupou o Líbano pode dar uma ideia de como por ali o uso apenas da lógica militar pode fazer qualquer um se danar feio. O jornalista americano diz que naquele lugar é preciso um outro tipo de imaginação. Mas vamos ao caso. O general israelense Amonn Shahak comandava uma divisão militar durante a ocupação de Beirute pelo exército israelense, quando um grupo de anciãos drusos muito exaltados o levou até três caixotes de laranja. Cada um continha cabeças humanas, troncos, mãos e pernas de drusos. Os velhos acusavam os falangistas cristãos de terem feito aquilo. Drusos e falangistas – todos libaneses – estavam em luta, num daqueles conflitos que parecem vir de tempos bíblicos.

O general Shahak então tomou um jipe e foi até o quartel-general dos falangistas tomar satisfações. O comandante falangista disse que de fato houvera um combate entre seus homens e os drusos. Mas os drusos é que recolheram seus mortos depois da luta, os mutilaram e levaram os pedaços de corpos para instigar seus próprios combatentes. E depois foram até o quartel israelense com a história. Era um truque já conhecido. O general israelense obviamente era um homem bastante experiente em combates e mesmo assim por pouco não se metera numa situação muito complicada. Ele disse disse ao jornalista que ficara pasmo com aquilo. E admitiu que deu-se conta que estava no meio de um jogo que não compreendia.
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Por José Pires


Imagem - A capa da revista The Economist retrata Bashar al-Assad do jeito certo: é um criminoso. Mas nas atuais condições é difícil saber se a Siria ficará melhor sem ele.

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