Nesta eleição, Lula voltou a fazer seu velho jogo de aliciar muitos partidos por meio de promessas de cargos e sabe-se lá o que mais, montando um quadro eleitoral favorável. O exemplo de São Paulo serve para provar a montagem deste esquema obscuro que sustenta depois o mito de ganhador de eleição por meio do carisma político. Na disputa pelo governo paulista houve também a anulação de candidaturas, sejam aliados ou inimigos, que poderiam complicar para o lado do chefão do PT. Lula parte para o ataque direto ou apela para o aliciamento.
Contra Sergio Moro articularam a demolição da sua própria possibilidade legal de se candidatar para qualquer cargo em São Paulo. Guilherme Boulos foi presenteado com futuras mordidas em fatias do poder. Deram até o cargo de vice na chapa de Fernando Haddad para a esposa de Márcio França, uma mulher que nunca disputou cargo eletivo algum. Com esse mimo familiar, França abandonou o sonho de voltar ao Palácio Bandeirantes e virou candidato ao Senado, sabe-se lá com quais vantagens de campanha garantidas por Lula.
Foi com jogadas parecidas em vários estados, anulando obstáculos e formando artificialmente um ambiente favorável ao seu interesse, que Lula ganhou força, além de sua candidatura dispor de uma dinheirama – quinze dias antes da hora do voto já tinha alcançado o limite legal de 86 milhões (isso, milhões!) de reais, apenas no oficial, sem falar na mansão em que foi morar na capital paulista, alugada não se sabe por quem, que evidentemente não entra na contabilidade obrigatória do TSE.
Sejamos francos: com esses arranjos, até o “carisma” do eterno candidato Eymael faria diferença nesta eleição. E aqui cabe expor uma questão. Já se vão 40 anos com ele mandando em um partido e tendo o apoio, ano após ano, das mais variadas instituições civis, como sindicatos, movimentos organizados do meio rural e das cidades, além da relação estreita com a imprensa e as universidades. Lula ainda precisa desse esquema todo para confrontar um candidato desprezível, do feitio de Jair Bolsonaro?
Primeiro, o óbvio, o ex-trabalhador há muitas décadas sabe muito bem que não é pelo carisma que ele se mantém por tantos anos em destaque na política brasileira. E depois, Lula com certeza tem o conhecimento, com dados e avaliações de especialistas e cercado de conselhos de políticos experientes, de que não é contra Bolsonaro a disputa deste ano, do mesmo modo que não foi Bolsonaro o adversário da eleição passada.
Lula e seu partido se movimentam contra forças sociais que nasceram dos erros e das más intenções dos governos em que ele mandou. As políticas que arrasaram o país moralmente e na economia trouxeram o risco de gerar um monstro, que poderia ser qualquer político com o senso de oportunidade de aproveitar-se da desgraça. Foi por acaso que este oportunista se chamava Bolsonaro.
Pesam também contra Lula e o PT as atitudes políticas no governo ou na oposição, criando divergências destrutivas entre a população, intrometendo-se nos valores religiosos e morais das pessoas, estabelecendo um discurso de desrespeito à opiniões contrárias que trouxe ao Brasil um clima de divisão até entre familiares, de irmão contra irmão, amigos que não mais se falam. E teve também a impressionante roubalheira, no revolucionário método do rouba e não faz.
O ódio passou a prevalecer sobre o sentimento de amor e amizade, do respeito ao que o outro fala. E claro que vou concordar se disserem que isso é o que faz Bolsonaro, no entanto com a observação de que o caldo de cultura dessa cizânia nacional e de tanta maldade veio da pioneira prática petista – primeiro para ganhar eleições e depois dividindo a opinião pública e atiçando ódios para manter-se no poder e tocar um projeto político que não tem em vista a alternância no poder.
Que Bolsonaro é um coisa ruim, não se questiona. Cabe, no entanto, juntar aos seus malefícios a compreensão de que ele alcançou o poder alavancado pelo ambiente criado pelo PT no país.
A medida do significado do ressentimento popular pelo período petista está neste esforço extraordinário exigido de Lula para se contrapor ao presidente mais asqueroso que este país já teve que suportar. Usando a linguagem do próprio, Bolsonaro é o torturador que não faz questão de parecer bonzinho. Isso é com o Lula. O legado que se volta contra o PT é tão pesado que, mesmo depois de Bolsonaro ter feito até gozação com a terrível mortandade que abalou o Brasil, sua popularidade se mantém com uma extensão capaz de juntar multidões em todo o país, como se viu neste Sete de Setembro.
E que não se acredite que milhões de pessoas saíram às ruas nesse dia movidas por uma liderança carismática de direita. A motivação é muito mais poderosa e terá continuidade a partir do ano que vem. O PT sabe disso, mas suas lideranças não estão em condição de se ocupar agora do pós-eleição. A complicação mais urgente é a de encarar um segundo turno neste clima. Daí o esforço de resolver tudo no primeiro turno.
Vem disso tudo a preocupação em criar um oponente com uma imagem diabólica, o “genocida”, “fascista” e outras definições que não se encaixam de verdade nos crimes de Bolsonaro, que foram terríveis, mas não podem ser caracterizados dessa forma, a não ser que se reescreva a História. Como farsa, é claro. A estratégia é antiga: valoriza-se ao extremo o perigo do oponente, estimulando o orgulho da participação na sua derrota. O sujeito é um ogro, não tenho dúvida. Mas os petistas não ficam com vergonha de ter que piorar a imagem até de um ogro para obter vitória?
A questão é se desta construção eleitoral nascerá energia maior do que o peso da rejeição ao estado de coisas terrivelmente negativo, que veio do período petista de poder. Lula criou uma herança maldita para ele mesmo e junto com isso pode ter estabelecido a impossibilidade de convencer os brasileiros de que não é pior do que um adversário terrivelmente insuportável.
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