quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Lula e seus parceiros de negócios latino-americanos

Não é nenhuma surpresa que Lula não tenha descido do palanque depois de assumir o governo. É mais do mesmo, como se costuma dizer de governos do PT, indo agora para o quinto período de tormento político, econômico e também moral. Nesta semana, Lula estendeu o palanque para o plano internacional, no encontro com seus chapas da esquerda latino-americana, cada um tocando o serviço de atormentar seus próprios países. O plano é criar um bloco ideológico que junte os governantes latino-americanos de sempre, o venezuelano Maduro, o boliviano Evo Morales, o nicaraguense Daniel Ortega, o argentino Fernández, além do ditador comunista que estiver mandando em Cuba enquanto a dinastia castrista estiver no poder.


A megalomania de Lula está se alargando cada vez mais no seu mundo de ilusão. Parece que ele não se basta com a tarefa difícil do enfrentamento da crise brasileira: quer resolver também problemas alheios. Chegou a Buenos Aires com a promessa de ajudar a Argentina a sair do buraco, bem largo, na medida desastrosa de um governo populista de esquerda, por enquanto com a inflação beirando 95%, o maior nível desde outubro de 1991. Nunca o país esteve em tal grau de dificuldade, com desemprego recorde e uma pobreza terrível que abala a vida da população.


No país vizinho, Lula chamou o presidente Alberto Fernández de “amigo”, que é coisa bem dele, na sua dificuldade de separar a devida solenidade do cargo — que é também decoro — do tratamento pessoal de nível de cervejada no boteco. Com o ditador líbio Muammar Kadhafi, ele também costuma se embeber por este linguajar. Kadhafi era chamado de “amigo e irmão”. Ao longo de seus oito anos de mandato, Lula teve com ele pelo menos quatro encontros. No entanto, na época o petista ficou calado quando o ditador líbio foi caçado feito um rato nos esgotos da Líbia e depois espancado e morto por revoltosos. Nos dias anteriores a esse desfecho, o “amigo” Kadhafi reprimia pesadamente, com mortes e feridos, as multidões que nas ruas de algumas cidades da Líbia pedia democracia no país.


São muitos os “amigos” populistas e também de ditadores que Lula tem ou teve no coração, numa lista que se estende a ditadores africanos da África, até os autocratas do Irã e até mesmo na Rússia de Vladimir Putin e claro que na América Latina, onde agora ele tenta ocupar no papo um papel de liderança de um bloco de países cujos governantes têm em comum a situação desastrosa causada por eles em seus países, alguns deles na mais absoluta falta de democracia.


Os petistas estão numa fase do “quem quer dinheiro?”. Acompanhando o chefe, agora no papel de poste na economia, Fernando Haddad, disse que o governo brasileiro quer “estabelecer linha de crédito para a Argentina”. O que dizer de uma coisa dessas? Talvez que Lula e Haddad são “muy amigos” dos brasileiros. Na pauta da comitiva brasileira estava também a tal da “moeda comum”, que está mais para uma aliança de políticas desastradas. É mais uma conversa fiada para distrair a atenção sobre questões que merecem atenção de fato. Outro motivo desses acenos é o de ajudar internamente o presidente argentino, responsável por um país onde famílias inteiras lotam as calçadas das grandes cidades, vivendo miseravelmente nas ruas. É coisa combinada. Em outubro tem eleição na Argentina.


Durante essa passagem festiva de Lula por Buenos Aires, Fernández se animou e meteu a lenha no presidente anterior, Mauricio Macri, comparado por ele a Bolsonaro, o que é um evidente exagero. Ah, sim: Macri perdeu a eleição em 2019 por causa de sérios problemas econômicos. Deixou o governo com 53,8% de inflação, que pegou com 27% de Cristina Kirchner, governante anterior e vice atual. O país havia sido destruído em duas décadas por ela e pelo marido, Gustavo Kirchner. O atual presidente, repito, agora bate o recorde, com a mais alta desde 1991.


O chefão petista reclama da situação do Brasil — claro que concentrando a culpa apenas no período que vai de Michel Temer a Jair Bolsonaro; antes disso só havia maravilhas, por coincidência nos governos em que ele mandava. Nas reclamações sobre a nossa crise, não entra a explicação sobre como vai dar dinheiro brasileiro para a Argentina. Mas vem mais por aí: não duvido que logo apresentará a volta do esquema de médicos cubanos, na importação de mão de obra escrava do socialismo da dinastia fundada por Fidel Castro.


A conhecida arrogância de Lula foi até ultrapassada nessa sua volta ao poder. O petista tentou até impor ao governo do Uruguai a sua visão sobre o rumo da economia daquele país. Os uruguaios estão numa rota própria, fora de um Mercosul que não anda desde que foi criado. O presidente Luis Alberto Lacalle Pou manteve-se firme na sua posição e ainda deu um alerta sobre blocos econômicos contaminados politicamente. “Cuidado com a tentação ideológica”, ele disse, apontando que tecnicamente isso costuma dar em nada em matéria de economia. No encontro com Lula, o uruguaio ainda teve que suportar a deselegância do brasileiro falando mal de Michel Temer, vice escolhido pelo próprio Lula nos dois governos de Dilma Rousseff.


Sobre Temer e os acontecimentos que tiraram o PT do poder, Lula também usou o palanque internacional para tratar de nossa política interna. Alguém duvida que a manutenção interna de poder não faz parte de forma prática da aliança de seus sonhos? Foi uma descortesia bárbara com os países anfitriões, no uso político da sua tentativa de reescrever nossa história recente. Lula anda animado depois de ter sido “inocentado”. Agora trata como “golpe” o impeachment da sua pupila, que arrasou com a economia nacional, lançando o Brasil na pior crise econômica da história recente.


A acusação de golpe é muito séria. O impeachment foi um processo legítimo. Dilma teve direito à defesa, não só da bancada legislativa do PT e partidos aliados, como também constituiu advogados que participaram de todo o processo. O processo, precedido por amplo debate político, foi depois presidido pelo STF, na figura de seu presidente de então, Ricardo Lewandowski, que por sinal, foi indicado ministro por Lula. Na opinião de Lula, foi um golpe do Judiciário, do Legislativo e de uma ampla parcela de brasileiros que foram às ruas, deram entrevistas, escreveram e até desenharam, manifestaram-se enfim para acabar com o trágico período de poder do PT. Atentem à falta de isonomia no tratamento de um ataque desses à democracia. Principalmente quando isso vem do presidente da República, é muito grave e inaceitável, do mesmo modo do vandalismo de 8 de janeiro em Brasília.


Tampouco surpreende a tentativa de reescrever a nossa história, nem é apenas da cabeça do Lula. É mais uma herança da qual ele não reclama. Isso vem do histórico da esquerda brasileira, na manipulação importada d’além dos tempos. A esquerda sempre teve dificuldade de viver com o factual e a realidade, então cria sua própria versão. Lula foi pegando esse hábito do seu entorno desde que entrou pela primeira vez em um sindicato.


Puxo esse dois assuntos — dos passos iniciais da política externa petista e o plano de revisão ideológica do nosso passado — para apontar riscos graves desse governo que precisam ser contidos pela via democrática. Não foi por acaso que Lula juntou essas duas coisas. É a base daquilo que é fundamental para o PT: a hegemonia política e a dificuldade de aceitar a alternância no poder. A caracterização do impeachment de Dilma como um “golpe” daria a base política para eliminar toda a responsabilidade do PT sobre a condição extremamente difícil do país.


Sobre isso houve pouca reação, até pelo fato de grande parcela da imprensa não ter até agora estabelecido uma posição crítica e de independência em relação ao governo. Esse papel ético e técnico já não foi cumprido antes da eleição, mas agora o que se vê é uma dificuldade grave de encarar com visão crítica os primeiros passos de um governo que parece empurrar essa nossa terra novamente para o abismo. O vice Geraldo Alckmin falava na “volta à cena do crime”. A volta à beira do abismo é outra consequência.


Das figuras que reclamaram quando Lula falou em golpe, um bom destaque é Miguel Reale Jr., que esteve à frente do impeachment em parceria com Janaina Paschoal e o falecido Hélio Bicudo. É uma distinção simbólica, porque Reali Jr. teve um papel equivocado durante a eleição, junto a uma parcela significativa de democratas que caiu no engodo de Lula e seu partido, favorecendo o plano petista de compor um cenário favorável desde o primeiro turno.


Foram na onda de “manifestos pela democracia” em favor de Lula, que arrastou muitos ao apoio de um político que saiu da cadeia a partir de um arranjo suspeito que teve até o STF se desdizendo sobre jurisprudências do próprio tribunal. Com isso, ajudaram a arrasar com a possibilidade do crescimento de forças democráticas para o enfrentamento da tarefa complicada de unir os brasileiros para consertar o país. Deram apoio a Lula ainda no primeiro turno, com opções no mínimo menos piores do que Lula e Bolsonaro.


Do mesmo modo que tantos ingênuos da “luta contra o fascismo”, o jurista do impeachment de Dilma não se abraçou a Lula quando só restavam duas opções. O aval foi ainda no primeiro turno. Ora, é exatamente o momento que serve para abrir a possibilidade da construção de forças políticas decentes para influir na escolha final, além de também dar vigor eleitoral a uma oposição qualificada que evite ao menos que o país caia de vez na imoralidade.


Essa função do primeiro turno é fundamental em qualquer condição. Teria ainda mais utilidade durante a última eleição. Na prática, ao dar aval a Lula ainda no primeiro turno, figuras como Reale Jr. atuaram contra essa óbvia necessidade política. Mataram as outras candidaturas, deixaram de estimular a visão crítica da sociedade civil, caindo no jogo de Lula e do PT. Depois, no segundo turno, fugiram à responsabilidade de exigir de Lula e o PT um programa realmente amplo com reforço na democracia e na pacificação política.


No abraço ao encardido, Reale Jr. abalou seriamente sua respeitabilidade. Outros também jogaram arriscaram a reputação, incluindo os criadores do Plano Real e de outras melhorias institucionais, que Lula pretende anular. A justificativa do apoio no primeiro turno era colocar Lula no poder para a defesa da democracia. Não dá para rir porque é mais trágico do que cômico. Chega a ser idiota: o sustentáculo da democracia estaria nas mãos de um político que ainda no seu primeiro mandato criou o mensalão, um plano para calar e dominar o Legislativo por meio da compra dos parlamentares.


Só podia dar nisso que estamos voltando a viver. podemos cair também num clima de discórdia, da falsa atribuição de responsabilidades, na retórica contraprodutiva do bem contra o mal. Com um acordo de lideranças que só pensam em dinheiro e poder, na intimidação da capacidade crítica da população. Que ninguém descuide do que Lula foi propagandear no encontro de governantes latino-americanos na Argentina e naquilo que já está sendo colocado em prática aqui, no Brasil. Tem tudo a ver com democracia, mas é na direção oposta da sua preservação e aprimoramento.

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Por José Pires

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