quarta-feira, 3 de maio de 2023

O argentino Alberto Fernández pede socorro ao companheiro de Brasília: me dá um dinheiro aí

Lula não parece ainda estar satisfeito com a quantidade de tarefas que arrumou, entre elas a de levar a paz para o mundo, reformular o Conselho de Segurança da ONU, além de outras atividades de um complexo plano de transformação global que talvez um dia ele explique melhor. Ah, sim: tem também o projeto de revisar rigorosamente a bibliografia histórica do pensamento econômico, cujos livros, segundo afirmou, estão ultrapassados. O cara sabe arrumar coisas difíceis de fazer pelo mundo afora, de tal modo que um estrangeiro desavisado pode até achar que o país que ele governa é um tédio em matéria de coisas para serem feitas.


Pois agora Lula vai atuar também para tirar do buraco países da América Latina praticamente falidos. Começará por um dos países mais complicados, a Argentina de Alberto Fernández. O presidente argentino esteve com o presidente brasileiro nesta terça-feira em Brasília e voltou ao seu país depois de uma reunião de quatro horas, com a promessa de que o governo brasileiro vai abrir um crédito para que a Argentina compre produtos brasileiros.


O plano é espantoso: o Brasil financiará exportadores brasileiros e importadores argentinos para que os argentinos possam comprar nossos produtos. Provavelmente o processo será o mesmo usado pelos governos anteriores do PT, com o BNDES bancando o crédito. No final, quando a dívida não é paga, o custo fica para o governo brasileiro.


Lula ainda não falou do financiamento de obras na Argentina, como foi feito por governos do PT com Cuba e Venezuela, mas isso é questão de tempo. Fernández quer construir um gasoduto e veio buscar dinheiro com Lula. Não apenas sobre esta obra estrangeira, que tudo indica que ficará na conta do contribuinte brasileiro, Lula disse que irá fazer “todo e qualquer sacrifício” para ajudar o país vizinho.


Já se sabe o desfecho de coisas desse tipo. O preço é caro. A ditadura cubana e a ditadura venezuelana até hoje não pagaram o que devem. Outro país que teve contas pagas pelo Brasil foi Moçambique, em empréstimos concedidos entre os anos de 2009 e 2012 para a construção do aeroporto de Nacala. A obra da Odebrecht custou ao Brasil 125 milhões de dólares, 625 milhões de reais na cotação atual.


Lula aproveitou o encontro com Fernández para arrumar outras obrigações. Ele disse que vai procurar o FMI para defender seu colega argentino. "Eu pretendo conversar, através do meu ministro da Fazenda, com o FMI para tirar a faca do pescoço da Argentina. O FMI sabe como a Argentina se endividou, sabe para quem emprestou o dinheiro, portanto, não pode ficar pressionando um país que só quer crescer, gerar emprego e melhorar a vida do povo", ele disse.


Uma fala como esta revela um homem fixado num passado distante. Fico só esperando ele vir com a conversa do perdão às dívidas de países pobres ou do “Terceiro Mundo”, como esbravejava a esquerda nos anos 60 e 70 do século passado. Esse tipo de papo anacrônico vem voltando o tempo todo nas falas de Lula. Seria divertido assistir ao Lula e Haddad tentando convencer a diretoria do FMI a “tirar a faca do pescoço da Argentina”, de acordo com sua linguagem sofisticada. Talvez devessem levar o MST para ocupar este fundo improdutivo.


Pode até ter faca no pescoço nessa história, mas foi a Argentina que a colocou no próprio pescoço. Parece coisa de ficção a situação desastrosa da Argentina, que em grande parte tem sua origem nos governos do casal Kirchner, com dois mandatos do falecido marido de Cristina Kirchner, Néstor Kirchner, e mais dois dela, que atualmente ocupa a vice-presidência do país. Fernández era muito próximo do casal. Foi chefe de gabinete do marido de Néstor Kirchner. Hoje, ele e sua vice nem se falam.


A trágica situação tem lances até curiosos. O peso argentino vale tão pouco atualmente que os bancos não têm mais espaço para armazenar as cédulas. A inflação passa dos 100% ao ano. A cotação cambial está em 500 pesos para 1 dólar. O governo tem que emitir notas em tanta quantidade que esta impressão precisa ser feita no exterior. E tem até a ironia da dificuldade do governo para pagar esta impressão.


Uma solução para diminuir ao menos o desconforto do excesso de cédulas seria emitir notas de valor superior aos mil pesos — a mais alta que circula na Argentina. Porém, o governo acha que isso daria um sinal de que a inflação está fora de controle. Ah, bom.


Ainda assim, recentemente surgiu a notícia de que o governo pensa na emissão de uma nota de 10 mil pesos, que poderia ter a imagem do jogador Lionel Messi, uma “homenagem”, que, cá pra nós, não passaria pela cabeça nem dos torcedores que mais odeiam a seleção da Argentina.


Dados oficiais apontam 43,1% dos argentinos (19,8 milhões) abaixo da linha de pobreza. O cenário social é catastrófico, com famílias de argentinos tendo que morar nas ruas. O efeito político disso em um país com a população mais concentrada acaba sendo até pior do que em lugares — como sabemos bem — onde a miséria se esparrama amenizando, digamos assim, o cenário trágico.


Com um governo incompetente e de arrogância política que chega a ser risível, o país vai afundando. As reservas cambiais brutas estão no mais baixo patamar dos últimos anos. Suspeita-se que as reservas líquidas internacionais da Argentina estão abaixo de zero. Ou seja, nem é questão de raspar o cofre. Não tem nem raspa. O país de Alberto Fernández está sem dinheiro para pagar importações essenciais, o que explica a visita desesperada ao companheiro Lula.


Essa proposta de financiamento para a compra pelos argentinos de produtos do Brasil indica mais uma negociação política de Lula com dinheiro público dado a um governo amigo a fundo perdido. E o negócio deve ficar para ser resolvido depois, na Argentina, por um governo de oposição. Este governo acabou antes do fim do mandato. Fernández só não renuncia porque não tem dignidade. Ele já declarou que não é mais candidato à reeleição, desistência que tampouco é por honra, mas porque a derrota humilhante seria certa.


Terão de tentar inventar um engodo eleitoral, com um novo nome que o povo argentino engula. O esforço de Lula, por sinal, passa a impressão de interferência na eleição presidencial, em outubro. Tudo isso nada mais é que uma ajuda para que Fernández possa se revigorar para favorecer aliados. Até por defesa da própria imagem, muito parecida com este governo argentino que levou a Argentina a esta situação catastrófica, não interessa a Lula e seu partido que a oposição ao peronismo-kirchnerista seja vitoriosa.

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Por José Pires

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