quinta-feira, 11 de junho de 2015

Biografias liberadas e com adendos

A polêmica em torno das biografias teve seu ponto final batido pelo Supremo Tribunal Federal e a conclusão foi boa, embora todo o enredo tenha sido de qualidade discutível. Agora as biografias não precisam ser autorizadas. Esse assunto é uma daquelas chateações que aparecem o tempo todo no Brasil e nos impede de nos concentramos no que realmente importa. É mais ou menos como debater de forma acirrada se homossexual deve ou não se casar na igreja, enquanto o país vai sendo destruído em seus aspectos mais básicos. Na violência, na falta de qualidade administrativa e na corrupção, no cinismo político e até na falta de trabalho decente para grande parte dos brasileiros. Mas falemos das biografias, antes que algum chato (heterossexual ou homossexual) venha tentar travar meu post fixando-se com comentários neste papo.

O interessante neste assunto das biografias é que havia até um certo descuido da opinião pública com o sério problema da censura sobre o trabalho dos biógrafos. Este é mesmo o país das atrapalhações. Já não bastando a dificuldade que temos de saber o que somos de fato, ainda vem herdeiros e pessoas famosas tentar censurar quem procura informar e trazer conhecimento a um país cada vez mais carente de identidade. Havia um impedimento jurídico de se escrever com liberdade e essa trava era exercida nos bastidores por estrelas que posavam de libertários em público. Com uma imprensa cada vez mais tonta, a coisa só veio à tona por força do abuso em arrogância de alguns ídolos. Principalmente Caetano Veloso, Chico Buarque e Roberto Carlos fizeram papel muito feio. O debate serviu para um desmascaramento e até da revelação do mau-caratismo encoberto por mitos de bom mocismo. Chico Buarque, por exemplo, tentou acabar com a credibilidade do biógrafo de Roberto Carlos, mentindo sobre uma entrevista dada por ele. O biógrafo estria destruído, se não tivesse filmado a entrevista, que Chico Buarque havia negado. E Caetano Veloso ficou na moita, enquanto a ex-mulher brigava (e como!) por ele.

Roberto Carlos foi quem se revelou de forma mais clara, ele que já tinha censurado o livro "Roberto Carlos em detalhes", de Paulo Cesar de Araújo, uma biografia que não traz nenhuma inverdade e também nada de espetacular. Ficaria restrita a um círculo limitado de leitores se o cantor não tivesse processado o autor e apreendido toda a edição. Esse tipo de censura acontecia na ditadura militar, período aliás que facilitou a vida do auto-intitulado "Rei da Jovem Guarda". Na época, com o porrete dos milicos caindo na cabeça de artistas de verdade a coisa ficou mais fácil para cantores como ele. Roberto Carlos é sem dúvida um grande cantor popular, sendo um dos poucos da área comercial que realmente sabe compor e cantar. No entanto, não tem obra que justifique o realce que a mídia dá a ele na música brasileira. Seu alto prestígio foi conquistado às custas de caros esquemas comerciais chefiados por ele com grande habilidade.

Porém, sua reação autoritária teve um efeito contrário ao pretendido. O assunto trouxe para a pauta da imprensa muitas das maquinações de sua carreira, que em grande parte foi toda construída de forma ardilosa e artificial. Nem preciso falar muito da sua parceria financeira com o poder de comunicação da Rede Globo. Mas vieram então histórias sobre sua arrogância, até com revelações das suas interferências inclusive na área de promoção das gravadoras para prejudicar o trabalho de artistas que, na sua visão, trariam concorrência ao seu sucesso. O desgaste foi tanto que, no julgamento desta quarta-feira que liberou a feitura de biografias, seu advogado já estava do lado da liberação.

Algumas censuras enfrentadas por livros que já estavam impressos e impedidos de circular são típicas de um país com o pensamento submetido a regras jurídicas provincianas. Herdeiros tinham impedido de circular livros sobre Lampião, Guimarães Rosa, Noel Rosa, Paulo Leminski e Garrincha. A biografia de Garrincha sofreu censura de sobrinhas do grande jogador da Seleção Brasileira, por causa de uma questão, digamos assim, menor na história da vida dele, escrita de forma admirável e com um baita esforço pessoal de Ruy Castro, que ocupou-se num longo tempo em trabalhosas pesquisas, bancadas financeiramente pelo próprio biógrafo e a editora. Os parentes de Garrincha se encresparam com a menção ao tamanho do pênis do jogador, uma das tantas histórias pitorescas dele e que por isso mesmo tinha que estar na obra. O livro estava impedido pelos herdeiros de ser vendido e a editora também teve problemas anteriores com parentes, questão que foi resolvida depois de um substancial pagamento. E só estou falando deste assunto íntimo por causa da censura. Além da qualidade de estilo e da pesquisa séria, o livro de Ruy Castro teve o papel de resgatar um ídolo esportivo de extrema importância na identidade nacional e que já estava sendo esquecido. E o que os herdeiros faziam antes disso pela imagem de Garrincha? Nada.

Agora, com mais de uma década com o pé no Terceiro Milênio, até parece um grito surrealista, mas acabou a censura. Quando a vida e a obra são públicas, o melhor que se faz é liberar a interpretação que se faz delas. E os herdeiros que arranjem outra forma de arrancar dinheiro do próximo. No geral, o interesse de biografados e seu pessoal entorno sempre foi com grana. As censuras se revestiam de hipócritas teorias em torno do respeito ao caráter privado de suas vidas, porém o objetivo era o de levar grana ou resguardar-se de revelações que afetassem negócios comerciais. Era com o caixa a preocupação das personalidades públicas que queriam manter as biografias sob a censura da exigência de autorização pessoal. Nada havia da busca verdadeira de uma interpretação sobre suas vidas. E, no final, com essa briga por poder e dinheiro o que cada um acrescentou à sua biografia foram algumas páginas lamentáveis.
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POR José Pires

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