quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Arma contra o terror

Os atentados dos terroristas islâmicos vêm tendo resultados contrários aos que eles parecem ter planejado com suas matanças. Tentaram destruir o “Charlie Hebdo” e o que aconteceu foi um aumento da importância e o fortalecimento da simbologia do jornal. O “Charlie Hebdo” sempre foi um jornal de grande valor. Seus desenhistas foram essenciais na modernização do humor internacional, desde sua criação no final da década de 60, tanto na tematização quando na forma de satirizar o acontecimento. A fundação do jornal é um pouco anterior a do nosso “O Pasquim”, que já fechou há muito tempo e nem é lembrado mais. Mas aqui não é como na França, que preserva sua cultura. E por isso mesmo o Brasil não sai do buraco. “O Pasquim” teve bastante influência do “Charlie Hebdo”, inclusive no traço e no humor cáustico de um dos mais geniais humoristas do semanário brasileiro, o Henfil, que teve bastante influência do cartunista Reiser — que era da velha guarda do jornal francês e morreu cedo de câncer, em 1983, aos 42 anos. Reiser era do grupo que criou o “Charlie Hebdo”, junto com Cabu e Wolinski, dois dos desenhistas que foram covardemente assassinados em janeiro deste ano na redação do jornal pelos terroristas islâmicos, no dia em que foram mortas 12 pessoas. O jornal sempre teve cartunistas ótimos, sendo que um dos melhores da nova geração, Tignous, estava entre os mortos do início deste ano.
O “Charlie Hebdo” sempre foi fundamental na história da imprensa mundial, no entanto essa importância não era do conhecimento geral, a não ser entre os franceses e quem é da área. O atentado chamou a atenção de todo o mundo para o jornal, que virou um símbolo de resistência e não só da França. Somos todos Charlie, mesmo quem se incomoda com certas coisas que eles fazem. Até o direitista que busca justificativa para o massacre numa ou outra charge violenta contra o cristianismo sabe muito bem que como alvo do terrorismo islâmico os cristãos estão bem antes que qualquer cartunista impertinente. Bem, queiram ou não, a situação fortaleceu ainda mais a percepção já bem antiga que diz que enquanto alguém estiver fazendo uma piada que nos incomoda é sinal de que a democracia vai indo relativamente bem.
Hoje em dia, qualquer acontecimento mais importante logo faz o mundo inteiro querer saber o que é que o “Charlie Hebdo” vai publicar. Isso traz uma lembrança boa em relação a nós, pois é o que acontecia também com “O Pasquim”, quando quase toda semana esperava-se pra ver o que é que o jornal ia aprontar contra a ditadura militar. E essa turma valorosa (a “Turma do Pasquim”) foi essencial para atravessarmos aquele período tenebroso. É um papel parecido ao que agora vem sendo tocado pelo “Charlie Hebdo”, que aprontou uma muito boa nesse número publicado agora, depois do horroroso ataque dos terroristas islâmicos em Paris. A capa com uma pessoa tomando champanhe que vaza de buracos de bala é uma daquelas sacadas que dão um reforço na importância da existência não só de uma imprensa livre, mas também de um espírito aberto e tolerante a qualquer manifestação de crítica ou humor. Num momento amargo, de dor e indignação entravadas em nossa garganta, o deboche com o terror veio como um desafogo. Desse jeito podemos ir avançando, buscando uma forma de conter e punir esses bandidos, evitando afetar direitos universais que nasceram exatamente na boa e velha França e sem que inocentes levem as cacetadas que devem ser só para os criminosos fundamentalistas. Umas das nossas armas é também rir deles, sem ceder ao medo que o terror quer impor o mundo.
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POR José Pires

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