quarta-feira, 5 de outubro de 2022

A esquerda na surpresa do segundo turno, dando com a cara na realidade fora da bolha

Estou observando atentamente as movimentações da militância petista nas redes sociais e na imprensa — no partidarismo entranhado no jornalismo, feito por profissionais que não aprenderam nas universidades que o distanciamento crítico é ferramenta essencial desse trabalho. Antonio Gramsci se espantaria com o que andei assistindo. O filósofo italiano comunista ficaria decepcionado em saber que a esquerda brasileira compreendeu pouco, quase nada mesmo, o que ele escreveu.


O que é isso, companheiros? A estratégia é a sedução das massas e não sentar o sarrafo no povo, diria o amado mestre da esquerda. Capisci? E guerra cultural não é só encaixar projeto nos esquemas para descolar uma grana.


Isso faz lembrar outro ponto histórico, sobre aquela frase dita por Winston Churchill: "A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história”. Quem vive em um país que já experimentou pelo menos duas ditaduras na história recente sabe muito bem como isso é verdade. Democracia, entanto, não precisa ser algo tão chato, como a esquerda e a direita fazem no Brasil.


Mas esta balbúrdia não deixa de ser um campo interessante para o estudo político, com material que deve se prolongar por muito tempo pela frente. A estupidez coletiva não vai terminar com o sinal de “confirma” no final deste mês. O furdunço certamente terá um acirramento, com os polarizadores do ódio — dos dois lados — postados a partir do ano que vem na oposição ou no poder, tanto faz.


Pobre eleitor. É uma escolha complicada. Optar pelo menos pior é cada vez mais difícil, com a diferenciação ficando embaralhada por esta competição entre esquerda e direita, com um querendo chegar na frente do outro, na disputa para saber quem rebaixa mais a sarjeta.


Numa avaliação do que tem que ser prático em uma eleição, nota-se que a esquerda complicou-se em seu mundo ilusório, no universo fechado que tem um exemplo no pessoal se reunindo no apartamento de Caetano Veloso e Paula Lavigne para decidir os rumos do país. Tudo bem, pouco importa o espaço físico para exercer consciência política, mas precisa sair depois fazendo videozinhos e posts nas redes sociais dando de dedo na cara dos outros e dizendo que a outra metade do país é fascista?


Ainda que a bolha não deixe de ser confortável, esta convivência restrita vai causando um retardamento na compreensão básica de elementos fundamentais no diálogo com o povo, o que fez, por exemplo, Marcelo Freixo levar décadas para compreender que a maconha é um desastre na vida familiar de quem vive na periferia. Ele entendeu esta questão só no mês passado, em conversas com donas de casa, que explicaram pra ele que um filho — ou “filhe”, tanto faz — fumando maconha desestrutura a vida familiar nas periferias.


Bem, agora é tarde para Freixo, que perdeu feio a eleição para governador do Rio de Janeiro no primeiro turno, não sem deixar uma boa lição sobre forma de fazer política, com especial atenção ao ilusório poder de gente famosa e de suas ideias — muito bem protegida nas suas bolhas — na hora de ganhar votos. É o fantasma de Gramsci, coitado, penando por aqui. Quem tiver curiosidade de passar pelo Instagram do Freixo vai pensar que entrou no catálogo de artistas de algum agente poderoso. Não falta por lá nenhuma dessas estrelas do lado do bem.


Claro que não é só por isso que o pobre Gramsci se espantaria. Ele, que escreveu toda sua obra trancado numa cadeia pelo fascismo comandado por Benito Mussolini. Foi preso em 1926 e saiu da cadeia só em 1937, para morrer em uma clínica de Roma. Gramsci acharia bastante estranho a moleza desse combate ao fascismo aqui no Brasil, assim, de boa, como diz a moçada.


E o que diria o mestre comunista italiano se soubesse que sua estratégia de sedução das massas pela via cultural acabou em funk, rap e grafiteiro semianalfabeto subvencionado pelo Estado?


Na ilusão do poder sobre o destino do povo, voltando ao aspecto prático da política, descuidaram da chamada “realpolitik”, o não é surpresa para mim, que conheço bem a tigrada, mas cabe apontar essa insensatez da militância esquerdista ainda descendo o porrete no outro lado, oposto de onde eles estão — sempre do lado do bem, claro. Nunca é aconselhável bater em vez de convencer, mas é ainda mais idiota quando isso é feito na véspera de uma decisão de segundo turno.


É a filosofia do ódio do bem, que pode ser sintetizada em uma tuitada da impagável Marcia Tiburi, em uma mensagem tão favorável ao bolsonarismo, que deve ter deixado o Carluxo vermelho de inveja. A tuitada faz sucesso nas redes sociais. Ela embraveceu junto com a militância, por não terem ganhado a eleição já no primeiro turno.


“Preferia que fossem urnas fraudadas do que o povo elegendo fascistas”, escreveu a professora que há de ter sua obra nos anais da nossa vã filosofia. Isso é que é solidificar preferência eleitoral. Para o adversário, claro. Só falta agora aparecer outra musa da militância esquerdista, a decana Marilena Chauí.


“A classe média é estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante”, ela disse em uma manifestação pública com Lula presente, gravada em vídeo. Lula aparece rindo gostosamente e aplaudindo o que ouve.


Existem ensinamentos para todo lado neste embravecimento geral, com o próprio Lula como exemplo vindo de cima, ele que é exaltado como gênio político. Pois o mestre da esquerda arrebentou candidaturas em todos os estados, desarticulou partidos e construiu todo tipo de alianças para montar um cenário favorável para sua vitória. Mas não é que o sabichão descuidou da estruturação política de seu próprio partido e de toda a esquerda, para eleger bancadas fortes e ganhar eleições estaduais?


Pois é. Jair Bolsonaro e seus aliados cuidaram desse assunto muito bem e saem desse primeiro turno com poder total no Congresso Nacional. Elegeram também governadores em estados importantes, além de se posicionarem com vantagem em São Paulo, onde estão com o palanque mais forte para este segundo turno.


A direita se consolidou como força política poderosa, com amplo apoio de massas. Com isso, o máximo que Lula pode obter agora é uma vitória eleitoral. Governar mesmo, isso ele terá que ver com a direita.

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