sábado, 1 de outubro de 2022

Casagrande, Neymar e a consciência social do nós contra eles

O pessoal da adesão incondicional ao Lula pegou o jogador Neymar como alvo de ataques neste final de campanha, por causa da sua declaração de voto em Jair Bolsonaro, com direito a “dancinha” no TikTok. Nesta indignação ensaiada destaca-se Walter Casagrande, figura que atua como um mentor intelectual desse tipo de manipulação política. O ex-jogador e ex-comentarista da Rede Globo está em todas e é o mais animado da torcida quando — por interesse partidário, em armações na obscuridade — coloca-se em campo algum plano de destruição de reputação, o chamado “cancelamento” que atormenta a vida de uma pessoa. Por ideologia tosca e mal aprendida em seus próprios termos, Casagrande é um aplicado quebrador de canelas.


Ora, seria ridículo acreditar que Neymar precisa fazer dancinha para Bolsonaro para que se fique sabendo que suas decisões não se guiam por princípios éticos ou em razão de interesses que não sejam absolutamente de lucro pessoal. Ninguém que tenha sensatez precisa disso, Casagrande muito menos, mesmo porque ele tem como estilo ficar futucando na vida dos outros em vez de se ater ao aspecto técnico do que está comentando. Faz isso também na política, quando acaba por desmerecer mesmo pautas razoáveis, por causa do tom pessoal das suas críticas sempre mal fundamentadas, com falta de respeito à opiniões discordantes, baixando o nível em desqualificações com base apenas no fato dele não gostar do posicionamento político do outro.


Indignado com a dancinha de Neymar favorável a Bolsonaro, ele produziu uma sintética avaliação do caráter social do jogador, além de fazer uma promessa que mesmo o torcedor mais neófito em política verá como uma tolice: “Neymar mostrou sua incoerência, alienação e falta de consciência social. Não torço contra a Seleção, mas de hoje em diante, não torcerei mais quando Neymar estiver em campo. Sabem por quê? Porque eu amo o meu país”.


Nada como tratar de um gênio político como Casagrande. Ele reformulou aquele velho argumento lógico que dizia o seguinte: “Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal”. A nova premissa usaria outro Sócrates, o grande jogador do Corinthians. Então ficaria assim: “Sócrates tem consciência social. Logo, Sócrates é um craque”. Até hoje Casagrande deve pensar que era para ver a faixa de “Diretas Já!” na cabeça do Sócrates que os torcedores lotavam os estádios.


Seria engraçado saber do próprio Casagrande como é que um técnico poderia formar um time baseado na qualificação política que, conforme o que escreveu, parece estar acima de outras necessidades técnicas em campo. Neste entendimento, ele com sua “consciência social” faria bonito numa Copa do Mundo. O alienado Messi teria que encarar o barrigão do craque em ciência política. Outra coisa: a vida dos torcedores se complicaria muito, caso fosse aplicada sua visão de mundo, além de que os jornalistas esportivos seriam obrigados a falar do preparo físico dos nossos craques sem deixar de lado as referências quanto ao comportamento político de cada um.


Casagrande se enquadra no padrão básico de atitudes que faz tempo que a esquerda vem tendo neste país. A azucrinação se acirrou durante esta eleição. Do mesmo modo que a sua radical interpretação, digamos, social, a partir de uma dancinha de TikTok, esse comportamento é contraproducente também na política. Esse “nós contra eles” entra até na vida familiar, dividindo as pessoas, acabando com as amizades. A vida fica insuportável, e pode ter efeito reverso, como constatamos pela eleição de Jair Bolsonaro, que teve origem exatamente na brigaiada vazia que o PT colocou em prática quando esteve no poder.


E pelo que estamos vendo até agora, na véspera da votação, a infernização retornará caso haja a volta do PT ao poder. O próprio Lula não demonstrou a compreensão da importância de não estimular a confusão entre o papel dos que votam em Bolsonaro e de seus seguidores mais fiéis. Essa falta de estratégia vai acabar criando um ambiente para a criação pela direita de uma força política de massas a partir do ano que vem, independente do resultado da eleição.


Os brasileiros, no geral, sempre tiveram o hábito de depositar o voto na urna sem levar para casa as paixões da política. Qual é o sentido do eleitor passar a seguir, depois, com fanatismo, o candidato eleito? O país ganha mais se todos se juntarem como cidadãos na cobrança. O governo do PT já havia acabado com isso. E voltaram com tudo na campanha deste ano, com um vale-tudo que favorece a direita, pois traz exatamente o que eles precisam para manter o caldo de cultura que deve inclusive fortalecer uma sobrevida vigorosa a partir do ano que vem, mesmo com a derrota de Bolsonaro.


O Brasil é o país do futuro atormentado, mas o ano ainda está correndo. O PT criou ainda mais ressentimentos com sua estratégia de plantar na mídia uma vitória de Lula no primeiro turno, o que na minha opinião não acontecerá. Ciro Gomes já tinha visto que o cancelamento por falta de “consciência social” não é só com o Neymar. Simone Tebet também. Ou Felipe D’Ávila e Soraya Thronicke. Se nenhum deles passar para o segundo turno, o interessante seria ver como é que seus eleitores serão convencidos a esquecer os tapas na cara. É capaz do Lula ser obrigado até a esclarecer o que pretende fazer como presidente.


Vamos ver o pau comer neste país. Se o enfrentamento final for entre Lula e Bolsonaro, por consequência haverá muita dificuldade do PT convencer quem votou na chamada terceira via que Lula é uma opção menos pior para o Brasil. Acredito que eleitores com votos que definiriam facilmente a eleição vão apenas assistir ao espetáculo de troca de porradas, sem nenhuma preocupação sobre a “consciência social” de qualquer um dos lados.


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