quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Lula e Jair Bolsonaro na hora da decisão de um vale-tudo que não termina neste dia 30 de outubro

Está chegando, enfim, o dia da decisão da eleição para presidente da República, mas já pode-se ter a certeza de que o resultado vai trazer ainda mais divisão entre os brasileiros, seja quem for o eleito. De Bolsonaro não se deve esperar outra coisa que não seja a continuidade da confusão desses quatro anos de governo. Se tiver um segundo mandato, ele vai contar inclusive com uma ampla maioria de parlamentares que podem contribuir bastante na sua prática de um desgoverno que impede até o atendimento do que seus eleitores esperam.


Fala-se muito que teremos uma composição mais ampla de direita no Congresso Nacional, mas na minha opinião esta é uma avaliação equivocada entre o caldo de cultura o que pode ser visto como um forte traço conservadorismo da nossa população e os reais interesses dos deputados e senadores eleitos. De fato, a eleição deste ano foi uma vitória de lavada sobre a esquerda, que teve partidos e candidaturas destroçados na estratégia furiosa de Lula para garantir um espaço privilegiado ainda no primeiro turno, no entanto, ao contrário do que se diz, não existe uma direita orgânica a nível do Legislativo, do mesmo modo que uma vitória de Bolsonaro também não estabelece um governo de direita no país.


Este capital político está presente nas massas, em parcela ampla da população que atinge mesmo eleitores atuais de Lula, que vão optar pelo petista apenas para tirar Bolsonaro do poder. Tampouco existe um “bolsonarismo”, que é nada mais que um rótulo, aceitável apenas na definição dos seguidores mais radicais de Jair Bolsonaro. A tendência conservadora do povo, em uma ampla parcela da população que prestigia a campanha de Bolsonaro e estende espontaneamente bandeiras brasileiras o ano inteiro nas fachadas, exige a atenção de partidos com organização nacional e capacidade de criar laços com a sociedade civil.


É neste lado da política que pode-se encontrar ambiente de crescimento político, que será vital nas próximas eleições. Quem correu para o abraço, no apoio a Lula seja qual for a justificativa, terá muita dificuldade com este eleitor. A começar pela reação que virá nas redes sociais assim que der o resultado no dia 30. Além disso, na sombra da esquerda nada cresce sem sujeitar-se à hegemonia do PT. E é claro que isso vai piorar se Lula for eleito.


Neste ponto, cabe destacar que não faço juízo de valor sobre os fatos. Sigo apenas um dever jornalístico, que é o de exercer plenamente o distanciamento crítico, para observar melhor a realidade. Não haveria necessidade desta ressalva, se não estivéssemos vivendo esta situação estúpida no país, com as tentativas de enquadrar as opiniões na alegada luta pela democracia, que trata como “fascista” quem preserva a independência pessoal e profissional. Não vou desenvolver este ponto agora.


É uma discussão que começa pela contradição tragicômica da missão de tirar um empecilho do poder e acabar com os problemas criados pelo seu governo, elegendo para isso um político que fez até pior do que ele como presidente há poucos anos, um passado muita incompetência e sujeira, quando foi criado inclusive o cenário nacional da condição política, econômica e até mesmo moral, que possibilitou a eleição deste péssimo presidente.


Tudo era uma mera jogada do PT, tentando evitar um segundo turno. Na minha opinião, a condução da estratégia foi um desastre para a composição de uma base de governo. Se vencer, Lula terá que depender muito mais dos atuais adversários, pois faltaram votos para seus apoiadores. Parece que as lideranças que se engajaram na encenação da “luta contra fascismo” deixaram de avaliar as consequências disso teria para seus partidos no primeiro turno.


A forma que o PT criou para sua entrada neste segundo turno, seguida pela estratégia política da campanha até agora, vai pelo menos evitar a angústia sobre as expectativas do que virá pela frente. Tranquilizem-se: não existe nenhum risco de não dar errado. Para começar, caso Lula ganhe a eleição, terá que usar o importante período inicial de governo para buscar um entendimento com uma oposição em larguíssima vantagem em qualquer negociação.


Pelo clima criado no vale-tudo, dificilmente ele terá o tradicional período de boa vontade da parte do Legislativo, correndo o risco de enfrentar as ruas ainda no primeiro ano. Uma vitória petista não terá a chancela da consagração pelo voto, não só porque o Brasil tem na atualidade um envolvimento de massa, com uma parcela muito grande de brasileiros contrários ao que Lula representa. Sua campanha também não foi propositiva. E no generalizado fracasso dos partidos que o apoiam foram-se as chances de criar uma base forte.


Lula optou por travar uma disputa aos moldes do adversário, com uma campanha eleitoral de ataques ao adversário, enlameando-se até com muito gosto no terreno da difamação e do fake news, na desinformação geral que os petistas estimularam desde o primeiro turno. Esta forma de fazer política, digamos assim, é outro grave problema político que também começou com o PT, quando Lula mandava em governos que aplicavam rigorosamente o conceito do “nós contra eles”, que é parte essencial do caráter político petista.


A ideia da formação de uma frente ampla pela democracia — vou dispensar as merecidas aspas — restringiu-se às fotografias com um monte de gente, incluindo lideranças políticas, com uma péssima história cronológicas de sustentação desta própria democracia, a começar pela incompetência fenomenal na própria atividade política. Falta também responsabilidade à tigrada, pois sumiu quase todo mundo, quando começou a batida violenta da campanha, no mesmo nível e às vezes até mais baixo do que fazem os que eles chamam de “fascistas”. Seria demais apontar que os “democratas” deveriam procurar influenciar no rumo da campanha ou se todos renderam de vez à pancadaria que privilegia o “janonismo” em vez da união entre os brasileiros?


Aqui temos a falta de compromisso com o que virá depois. Falta também a atenção ao que o PT poderá fazer em um governo conquistado dessa forma. Falava-se em “cheque em branco”, mas desse jeito é até mais escancarado. Mas o que podem fazer seus aliados? No espectro do que deveria ser o centro democrático, que ansiava para obter credibilidade, Lula cercou-se de líderes políticos que já vinham com seus partidos sendo enfraquecidos gradativamente. À esquerda e também pela direita, as ações do próprio Lula e seu partido foram fundamentais na falência agora decretada pelos eleitores.


Alguns, como o partido dos tucanos, foram sendo demolidos por anos pelos petistas e agregados em variadas instituições, como nas universidades. A deputada Marina Silva é outra que sofreu demais. Atualmente é quase uma sem-partido: na Rede, só tem ela e mais um deputado. Como em dez anos ela não conseguiu organizar o partido, sendo obrigada a correr para São Paulo para colher votos entre os petistas, isso pode servir como avaliação sobre sua capacidade como articuladora. Sua Rede alcançou a cláusula de barreira só porque fez “federação” com o Psol, que por sua vez, elegeu 12 deputados em razão da boa votação de Miguel Boulos. Mas muitos psolistas devem estar lamentando que Boulos tenha trocado a candidatura para o governo pelo mandato em Brasília.


O PSB é outro aliado que quebrou a cara. Alinhou-se com Lula em São Paulo, trocando a candidatura de Márcio França ao governo estadual por facilidades na sua eleição para senador. Não deu certo. Perdeu para o astronauta que já foi de Lula e hoje é de Bolsonaro. A aliança do PSB teve até a vergonhosa imposição da esposa de França como vice de Fernando Haddad. Na jogada, entrou até uma primeira suplência para o presidente do Psol. É esse pessoal que diz que vai dar dignidade à política. Na Câmara dos Deputados o PSB diminuiu de 24 para 14 deputados.


E o PDT, que poderia ser um incremento forte como base de um governo do PT, foi destruído no primeiro turno, com os ataques cruéis à candidatura de Ciro Gomes. O tiroteio pesado contra Ciro vitimou o partido todo. Dos 28 deputados eleitos em 2018, o partido caiu para 17 nesta eleição. E tiveram também o fiasco da derrota de Marcelo Freixo, no Rio, em candidatura que fez parte do acordo para o apoio a Lula. Poderiam ter eleito Alessandro Molon senador pelo Rio, que foi prejudicado pelo boicote tanto de Lula quanto pelo PT.


O partido do Lula fez uma boa bancada. Conquistou 12 vagas a mais que em 2018, ficando com 68 deputados. No entanto, não houve um crescimento orgânico do partido. Costumo dizer que de orgânico atualmente, a esquerda só tem o arroz do MST, e olhe lá. Ganhando ou perdendo a eleição para presidente, os petistas estão com uma séria questão a ser tratada, na queda total do na vala dos partidos sem nenhuma qualidade programática. Nem se pode falar em crise de identidade, pois afinal o que é isso hoje em dia para o PT? Diga-se, a propósito, que os petistas estão com dificuldade até de sustentar notas de apoio ao ditador Daniel Ortega ou Nícolas Maduro. Ou mesmo a Vladimir Putin.


O PT virou um partido como qualquer outro, em um sistema que privilegia caciques partidários e depende muito de verbas do fundo partidário. É exemplar a eleição no Paraná da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. O estado serve também como prova da grave dificuldade de gestão em um partido que não revela novas lideranças e que tem dificuldade de relações com a sociedade civil, mantendo poder na atualidade por meio de antigas formas de aparelhamento de sindicatos e instituições, renovado agora em grande parte com verbas na área cultural.


No Paraná, os petistas tiveram que se virar com Roberto Requião como candidato ao governo, depois dele ter sido tocado fora do MDB. Requião encerrou a carreira, perdendo feio já no primeiro turno para Ratinho Júnior. Outros dados mostram a quantas anda o partido: o ex-juiz Sergio Moro foi eleito para o senado e Deltan Dallagnol foi o mais votado para deputado federal. E mesmo Gleisi tendo sido bem votada, sua eleição para deputada não serve de referência como boa gestora. Ela passou os quatro anos saindo nas propagandas gratuitas do partido, além de receber muita atenção da mídia, especialmente neste ano. E mesmo assim a renovação de seu mandato custou caro para o contribuinte. A parceira de Lula gastou dois milhões e seiscentos mil reais na campanha, a dinheirama toda vinda do fundo partidário.

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POR José Pires


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