Como é bom saber que um escritor que admiramos muito tem, por seu lado, um grande respeito por um outro escritor que seguimos lendo há bastante tempo, depois de descobri-lo num passado já relativamente distante numa obra muito rara perdida entre centenas de livros num sebo. É do escritor gaúcho Alvaro Moreyra que estou falando. Dele, tenho sempre ao lado o livro "As amargas, não", uma obra em tom memorialístico que é uma das mais belas da nossa língua. Já tive dois ou três exemplares deste livro, que achei em diferentes cidades. O primeiro encantamento de quem se vê diante de um grande texto foi na década de 80.
"As amargas, não" foi escrito de forma fragmentada, alguns textos de umas poucas linhas e outros um pouco maiores, mas raros são os que passam de uma página. É com estilo personalíssimo e um humor sutil que ele conta sobre o que viu em vida. Lembra um diário. Ele vai escrevendo sobre acontecimentos e pessoas sempre com uma percepção bastante singular. É um artista completo, da mais fina capacidade de expressão. Álvaro Moreyra tinha aquele talento raro de saber acrescentar poesia a tudo que escrevia.
O escritor nasceu em Porto Alegre em 1888 e morreu em 12 de setembro de 1964, no Rio de Janeiro, onde passou a maior parte da sua vida, sendo de lá as lembranças deste livro tão bonito. "As amargas, não" é um daqueles livros que servem de impulso criativo quando a gente fica engastado num daqueles marasmos que atrapalham a escrita. Para que a cabeça recomece a funcionar basta dar uma lida nas linhas de Álvaro Moreyra. Elas correm tão soltas pelas páginas que ajudam a desembaralhar até o texto de um leitor empacado diante do que tem para fazer.
Mas o que liga o Álvaro Moreyra ao que eu disse no início deste texto é outro livro que abri há pouco, onde vi uma citação de seu nome que me havia passado desapercebida. É um livro de Carlos Drummond de Andrade também muito bom. É "O observador no escritório", uma seleção de textos extraídos do diário pessoal do poeta. Infelizmente é um trabalho pouco conhecido de Drummond, porque nele o poeta faz observações muito lúcidas sobre importantes acontecimentos brasileiros e figuras da nossa história política e literária. Então, bem lá no meio deste livro leio o seguinte: "Setembro, 15 — Enterro de Alvaro Moreyra, escritor que exerceu a mais profunda influência em minha juventude literária. Da influência nasceu a estima pessoal, uma espécie de adoração que certo incidente pareceu frustrar, mas que ressurgiu em forma de carinho, pelo resto da vida."
Tão bom quanto o contentamento de saber da admiração do grande poeta pelo escritor Alvaro Moreyra foi ter este aval tão precioso de alguém que sempre dominou as ferramentas do ofício de forma esplêndida. É a satisfação de ter acertado lá atrás, há mais de vinte anos, na avaliação pessoal que me fez pegar o "As amargas, não" e nunca mais largar.
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Por José Pires
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Imagem - Na capa de "As amargas, não", Álvaro Moreyra em uma caricatura do grande Alvarus, que é um dos amigos citados no livro.
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