quinta-feira, 6 de março de 2014

Dramas da vida como bandeiras

Movimentos de militância de gênero, racial e sexualidade estão sempre em busca de um grande caso para comprovar suas teses e fazer crescer o prestígio de suas lideranças. Isso é parte de qualquer processo político, mas o problema é quando o uso como bandeira política se sobrepõe à justa denúncia do preconceito ou do crime. Isso ocorreu recentemente quando um jovem apareceu morto debaixo de um viaduto em São Paulo. A militância homossexual concluiu de imediato pelo crime homofóbico e até manifestações foram feitas, mesmo a polícia tendo adiantado que os indícios apontavam para suicídio. Esta versão preliminar foi repudiada pela militância e até colocada como suspeita. O caso já estava sendo usado como plataforma de denúncias de homofobia. Porém, a própria família do jovem morto apoiou a posição da polícia, que já está comprovada agora pelo inquérito.
O suicídio em São Paulo já estava para ser envolvido pela costumeira histeria promovida por militantes em assuntos de seu interesse. Mais do que chata, a confusão é contraproducente até no propósito de combater o preconceito ou crimes movidos de fato pelo racismo ou a homofobia. As posições pré-determinadas e a agressividade muitas vezes acima do limite do bom senso acaba criando um clima que favorece muito mais o conflito do que a compreensão do fato. Fecha-se o debate na área da sexualidade ou em outra condição específica, quando o problema é muito mais amplo.
Agora aparece outro caso que corre o risco de apenas servir de bandeira para a militância. É a morte do menino Alex, ocorrida no Rio de Janeiro depois de ele ser espancado pelo pai. A causa do crime já adquire a explicação exclusiva de homofobia. E a criança tinha apenas oito anos. A versão surgiu depois da divulgação pela imprensa de uma fala breve do delegado que tomou o depoimento do acusado. Segundo o delegado, o pai afirmou que dava surras como “corretivos”, para ensinar o filho “a andar como homem”. Ele também disse que o filho “gostava de dança do ventre”.
Não sei as condições em que se deu este depoimento, cuja divulgação só apareceu depois da morte da criança, após 17 dias no hospital. É óbvio o caráter machista do pai, mas daí a caracterizar de pronto o crime como homofóbico é ir longe demais. Ainda é necessário aprofundar a investigação, pois até agora não sabem nem se o menino vivia em cárcere privado. E vá saber do que mais a polícia fluminense não tem conhecimento e provavelmente jamais terá, como indicam as estatísticas sobre a investigação de crimes no país.
Pais esclarecidos sabem que um menino de oito anos pode se encantar por muitas coisas fora de um padrão tido como masculino sem que isso tenha qualquer relação com sua sexualidade. Com certeza o pai do menino Alex não tinha esse conhecimento cultural, o que acontece também com muitas outras pessoas. Essa ignorância independe de classe social e também não é exclusivamente masculina. E na minha opinião simplesmente demonizar esta característica cultural como homofóbica não ajuda a resolver a questão.
Também penso que a manifestação machista e condenável do pai não serve como chave da motivação do crime. Outras informações que a militância faz questão de desprezar mostram um panorama de crise social, que vai além da homofobia. É um padrão que não escolhe a sexualidade das vítimas. O pai do menino Alex poderia ter matado outros inocentes até fora da sua casa. Vários crimes que acontecem hoje em dia têm origem parecida.
O menino passou a morar com o pai no Rio desde o início do ano passado, quando a mãe foi ameaçada de perder a guarda do filho por não levá-lo a escola. Além de Alex, o pai morava com outros cinco filhos e a mulher em uma casa simples de três cômodos, numa área disputada por três facções rivais. Ele já cumpriu pena por tráfico de drogas e está desempregado. Por estas poucas informações já é possível entender que o crime se insere numa situação dramática que exige muita responsabilidade no debate. Sei que para alguns a limitação do assunto pode render reforço político em ano de eleição, mas o melhor seria não se fechar em conclusões levianas sobre um drama que não se restringe à nenhuma condição sexual.
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Por José Pires

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